Compositor e poeta, o norte-americano Guion Pratt conta com uma discreta carreira musical no seu país natal. Nascido no estado da Virgínia, Pratt lançou até ao momento quatro álbuns de música instrumental. Entre os trabalhos do também tradutor, as oito faixas do seu álbum de 2019 brandem ao ritmo de um coro de ‘vozes’ captadas por satélites. O som fantasmagórico de uma explosão solar a interagir com o campo magnético da Terra, encontrou pouso em Drone for the Holidays Vol. III nas faixas do álbum apadrinhadas com o título “Carrington Events Variation”. Por cerca de 30 minutos, o compositor presta tributo aos acontecimentos astronómicos do ano de 1859, ao período compreendido entre 28 de agosto e 2 de setembro..As peças musicais sucedem-se ao ritmo dos acontecimentos que deixariam uma memória futura em milhões de terráqueos. As manifestações astronómicas de há 165 anos ficariam conhecidas como Evento Carrington, em homenagem ao britânico Christopher Carrington. O amador de astronomia assistiu através do seu telescópio ao nascer da mais violenta tempestade solar a atingir a Terra. Auroras boreais e austrais expandiram-se até latitudes tropicais, a rede telegráfica mundial colapsou, lançaram-se notícias de fim de mundo, mas também avançou a ciência na compreensão do Sol e das luzes que voltearam nos céus..Em meados do século XIX a Terra sofreu os efeitos de uma poderosa tempestade solar geomagnética. A 150 milhões de quilómetros do planeta azul, a nossa estrela mãe atravessava um período de convulsões, com o aparecimento de manchas solares. O Sol libertava enormes quantidades de energia sob a forma de radiação e partículas carregadas de protões e eletrões. O campo magnético do vento solar acabaria por interagir com o campo magnético da Terra pressionando-o. A barreira protetora cederia à torrente de partículas solares. O nosso planeta enfrentaria dias de caos e espanto. .A 1 de setembro de 1859, o astrónomo amador Christopher Carrington sentou-se na retaguarda do binóculo que apontava ao céu, sem antever que nas horas seguintes faria história. Nascido em 1826, Carrington trabalhou no observatório da Universidade de Durham, no início da década de 1850. Mais tarde, instalou-se por conta própria na sua casa no condado de Surrey. Christopher nutria afeição à catalogação de estrelas e à observação de manchas solares. No primeiro de setembro, às 11h18, o astrónomo registou pontos brilhantes no Sol. Carrington assistira à primeira explosão solar já registada. Nesse mesmo dia, um outro astrónomo amador, Richard Hodgson, apontava o seu telescópio ao disco solar a partir do condado de Essex. Hodgson testemunhava a explosão que entusiasmava Carrington. Caberia a este último os louros da descoberta, a publicação de um relatório na revista científica da Royal Astronomical Society e a apresentação dos desenhos da explosão solar em novembro de 1859..Ao astrónomo também caberia batizar o evento que transtornaria as comunicações. A massa coronal expulsa pelo Sol viajaria até a Terra em pouco mais de 17 horas. No Hemisfério Norte, as auroras boreais estenderam-se até à latitude das Caraíbas, do Havai e do sul do Japão. No Hemisfério Sul, as luzes fantasmagóricas da noite, bailaram sobre o estado australiano de Queensland. No noroeste dos Estados Unidos, lia-se sob a luz da aurora. Nas montanhas Rochosas, cria-se que a madrugada se erguia ainda a noite mal caíra. A 3 de setembro de 1859, escrevia o jornal Baltimore American and Commercial Advertiser: “A luz parecia cobrir todo o firmamento, aparentemente como uma nuvem luminosa, através da qual as estrelas de maior magnitude brilhavam”. .Na época, o sistema telegráfico mundial contava cerca de 200.000 quilómetros de extensão. Às primeiras horas de 2 de setembro multiplicavam-se os anúncios de falhas no sistema telegráfico de vários países. Nos Estados Unidos, os postos telegráficos faiscavam, os operadores de telégrafos queixavam-se de choques elétricos, as agulhas das bússolas ensaiavam uma dança furiosa; nas cidades multiplicavam-se os apagões de luz elétrica. .O Evento Carrington também trouxe um novo entendimento sobre fenómenos como as auroras boreais, antes entendidas como resultado de matéria expelida por vulcões em erupção ou produto da luz refletida de icebergues. Também deu à posteridade o testemunho de cidadãos anónimos, como o diligente mineiro C. F. Herber que, em 1909, ofereceu o seu testemunho numa carta ao editor do jornal Daily News, de Perth, na Austrália: “O racionalista e o panteísta viam a natureza nas suas vestes mais requintadas, reconhecendo a imanência divina, a lei imutável, a causa e o efeito. Os supersticiosos e os fanáticos tinham pressentimentos terríveis, e pensavam que era um prenúncio do Armagedão”. No século XXI, Guion Pratt dedicou o seu álbum ao anónimo mineiro australiano Herber, cujo testemunho viajou à boleia dos ventos solares de 1859.