"Chamar assassino e genocida? Não devem perceber como funcionam as vacinas, com certeza"

Foram 153 mil só até às 18h50 de domingo - os menores estão a responder em força à vacinação. Os que falaram ao DN olham para os insultos ao responsável da <em>task force</em> com incredulidade: "Não tem nexo nenhum." E há mesmo entre eles quem defenda que a vacina deve ser obrigatória.
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"Estava com bastante vontade de ser vacinada. Para além de conseguir despachar logo o assunto serve para melhorar a situação geral - e para convencer certas pessoas que conheço, e que ainda têm medo, de que não têm razão para isso."

Carolina Avelãs, 16 anos, recebeu este domingo, pelas 9.40, em Lisboa, a primeira dose da Pfizer, naquele que foi o segundo dia de vacinação para os jovens entre 16 e 17. É pelo DN que sabe que no sábado o responsável da task force da vacinação contra a COVID-19, Gouveia e Melo, foi insultado e empurrado à porta do centro de inoculação em Odivelas. Fica perplexa. "É um bocado ridículo. Podem manifestar-se, é um direito, mas chamarem assassino e genocida mostra que é uma reação emocional e não racional." Claro que, prossegue, "as pessoas têm o direito de tomar as suas próprias decisões, embora não perceba porque é que não acreditam na eficácia da vacina. Há um medo qualquer dentro delas."

Conhece quem seja da sua idade e esteja nessa situação: "Uma pessoa da minha escola e amigos de amigos. Vejo os comentários deles nas redes sociais. Dizem que não é eficaz, que não houve tempo para testar e que a vacina serve para colocar localizadores... Quando vejo dizerem isso estou sempre a responder."

Também ela começou por ter algumas dúvidas, mas esclareceu-as. "Como com qualquer tratamento que apareça, queremos informação. Mas depois percebi que não havia problema e fiquei: "Quando é a minha vez?""

Gil Pires, 17 anos, residente em Évora, foi vacinado logo no sábado, primeiro dia em que os menores sem problemas de saúde tiveram acesso. "Nunca tive dúvidas em vacinar-me. Posso ter tido algumas preocupações no início, mas desapareceram com a informação. Acho que aquilo que aconteceu ontem com o responsável pela operação de administração das vacinas é uma burrice, são pessoas paranoicas."

Muitos quilómetros a norte, em Braga, Simão Crispim, um ano mais novo que Gil, conseguiu na manhã de domingo aquilo por que ansiava "desde o início da pandemia, quando ainda nem havia vacinas. Queria fazê-lo para minha proteção e dos meus entes queridos." Viu o episódio com Gouveia de Melo nas notícias, antes de ser vacinado. "Não percebi bem que mensagem estavam a tentar passar. Não há nexo nenhum em chamar-lhe assassino ou genocida. É uma atitude um bocado estúpida que só pode vir da falta de informação, não devem perceber como funcionam as vacinas."

Não foi só o responsável da task force a ser afrontado pelos manifestantes: Daniela, uma jovem que disse ter ido vacinar-se em Odivelas às 22 horas de sábado, descreveu no Twitter e no Instagram (o DN tentou chegar à fala com ela mas até ao fecho deste texto não foi possível) o que lhe disseram quando passou pelo protesto: "Uma mulher grita-me "mais uma rapariga morta" (...) Não me disse "devias morrer" mas pela afirmação que usou parecia que queria estar certa (ou que estava mesmo certa disso). Tomara que não, que não morra por me vacinar e que a tal mulher não morra por não se vacinar, porque a ela não lhe desejo o mesmo... Desejo é que comece a fazer protestos por coisas realmente importantes e que perceba que não está certo gritar a menores de idade, ou mesmo maiores de idade, que vão morrer."

Que estupidez, comenta Henrique Goldschmidt, 15 anos. "Estarem a ofender assim porquê. É da lavagem cerebral com as redes sociais e as fake news." Tem a vacinação marcada para o próximo sábado, 21 de agosto, no primeiro dia aberto a menores de 16. "Ia fazer a marcação mas quando acordei a minha mãe já tinha marcado."

Foi logo às 00.40 de quinta-feira 12, confirma a progenitora. Henrique ri. "Nunca tive dúvidas sobre ser vacinado e não conheço ninguém que tenha medo de ser vacinado. A questão não é se vamos ser, é quando vamos ser."

E se, em vez de ter pais a favor da vacina, eles se opusessem? De acordo com as normas gerais da Direção Geral de Saúde, só os menores a partir dos 16 podem vacinar-se por decisão própria; os outros, diz ao DN fonte da task force, terão de comparecer acompanhados por responsáveis ou com uma autorização assinada e reconhecida.

Henrique hesita. "É complicado. Uma pessoa só pode dar consentimento para isso a partir dos 16 por alguma razão; porque se considera que antes não tem maturidade para decidir por si." Porém a lei reconhece o direito aos jovens, desde que em idade fértil, a tomar decisões autónomas em termos de saúde sexual e reprodutiva: podem ir autonomamente a consultas de planeamento familiar sem serem acompanhados por adultos - o que quer dizer que o poderão fazer a partir dos 11 ou 12 anos. Qual a diferença? Henrique reflete. "Apesar dos argumentos que já dei, se permitirem que adolescentes dos 12 aos 15 sejam vacinados sozinhos, sem autorização dos pais, não sei se acharia mal."

Carolina vai mais longe: "Cheguei, com a minha idade, a apanhar atividades, como campos de férias e assim - e acho que mesmo no acesso à escola -, em que se tinha provar que eu estava vacinada contra determinadas doenças. Sou em princípio a favor da liberdade de escolha, mas neste momento, quando a maior parte das fontes em que estas pessoas vão buscar informação não são fidedignas, e com o que está em causa, acho que devia ser obrigatório."

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