Caso Mário Mesquita. "Ofensivo da memória", diz Marcelo. "Injustificável e inaceitável", qualifica Eanes
Presidente da República reage com "a mais profunda estranheza" e palavras duras à decisão do presidente da ERC de retirar nome do ex-jornalista e professor, vice-presidente da entidade, da capa da obra na qual trabalhava quando morreu. Eanes acompanha PR na indignação, esperando que "justiça seja reposta".
"Tendo acabado de saber o que se passou com uma obra coordenada ou supervisionada por Mário Mesquita e editada pela ERC, concretamente a omissão do seu nome na capa da obra, não posso deixar de manifestar a mais profunda estranheza perante tal atitude. Que considero ofensiva da memória de alguém que deu à democracia, à liberdade de imprensa e à ERC, muito do seu melhor em vida."
Relacionados
É com esta consternação e dureza que Marcelo Rebelo de Sousa reagiu, esta quinta-feira, à notícia do DN sobre a decisão do presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Sebastião Póvoas, de retirar o nome de Mário Mesquita da capa do livro Desinformação. Contexto Nacional e Europeu, no qual trabalhava quando morreu, em maio de 2022, e que foi agora publicado.
O PR pergunta igualmente se não haverá forma de reparar este agravo à memória do homem a quem atribuiu, postumamente, no velório ocorrido a 31 de maio, a Ordem da Liberdade.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Também Ramalho Eanes exprimiu, no mesmo dia, a sua indignação numa mensagem escrita à qual o DN teve acesso. Nela, felicita as centenas de "amigos, colegas, alunos e admiradores" que subscreveram a nota pública de repúdio criada esta segunda-feira após publicação da notícia do DN, na qual se crisma de "vil e mesquinho" e "humilhação post mortem" o gesto do juiz Sebastião Póvoas, acusando-o de "atentar contra o inexcedível legado de Mário Mesquita e contra a dignidade do seu caráter".
Associando-se a esse protesto, o ex Presidente diz considerar tal ato "injustificável e inaceitável", fazendo-se eco da mesma esperança do atual detentor do cargo: "Que a justiça seja reposta, como Mário Mesquita merece".
"Não há afronta nenhuma", garante Póvoas. Membros da direção da ERC demarcam-se
Em declarações ao DN, Sebastião Póvoas nega ter cometido qualquer ultraje à memória de Mário Mesquita, assegurando que, pelo contrário, redigiu um texto de homenagem ao seu vice-presidente que se encontra no site da ERC, e o leu publicamente aquando de uma sessão do conselho consultivo do regulador em que esteve presente o ex procurador-geral da República, Cunha Rodrigues: "Aí está o grande elogio. Texto mais elogioso e mais justo não há. E isso não tem nada a ver com um nome numa capa".
Assegurando não perceber "este espetáculo barra circo mediático de uma questão que não tem relevância nenhuma", o presidente da ERC justifica: "Não houve retirada do nome da capa do livro, porque aquilo não é um livro de autoria, é uma coletânea. E está o nome do professor Mário Mesquita na ficha técnica, como coordenador. Coordenação não é autoria."
Anote-se que vários livros da coleção Regulação dos Media, que era coordenada por Mário Mesquita até à sua morte, têm na capa o nome dos coordenadores ou supervisores, e que a capa que o presidente da ERC mandou alterar a 20 de outubro de 2022, a qual já fora distribuída, no mês anterior, pela editora Almedina, em antecipação do lançamento do livro, previsto para 1 de outubro, tinha o nome de Mesquita como autor da supervisão.
"O pelouro das publicações da ERC era e continua a ser meu. Eu é que aprovo ou não aprovo as capas e os textos das publicações. Estão para aí a construir uma história de afrontas ao professor Mário Mesquita e não há afronta nenhuma. O professor Mário Mesquita nunca foi afrontado na ERC. Antes pelo contrário."
Desde que a polémica decisão do presidente da ERC foi conhecida, esta segunda-feira, os restantes membros do Conselho Regulador (CR) da entidade - Fátima Resende Lima, Francisco Azevedo e Silva e João Pedro Figueiredo - mantinham-se em silêncio. A única posição da ERC conhecida era a resposta, por escrito, às perguntas que o DN enviou ao regulador, justificando o sucedido. Mas esta quinta-feira, pela primeira vez, e já após o jornal ter falado com Póvoas, dois dos membros da direção acederam a responder on the record.
Questionados, por escrito, sobre qual a respetiva posição sobre a retirada do nome de Mesquita da capa da obra mencionada, Fátima Resende Lima e Francisco Azevedo e Silva demarcam-se da decisão de Póvoas, João Pedro Figueiredo não respondeu.
"Quando tomei conhecimento do assunto, manifestei a minha total discordância", diz Fátima Lima.
Já Azevedo e Silva assevera que "a minha posição foi, obviamente, que o nome de Mário Mesquita estivesse na capa." Quando o DN o questionou sobre as circunstâncias em que comunicou essa posição, e se houve alguma deliberação conjunta sobre a matéria ou os membros do CR não foram ouvidos previamente, não respondeu.
Meio milhar de assinaturas de repúdio
As reações do PR e do ex PR coroam o crescendo de protestos que ao longo desta semana foram surgindo, e que incluíram também tomadas de posição do Sindicato dos Jornalistas, que subscreveu a nota de repúdio e "condena de forma veemente a decisão da ERC", da Comissão Organizadora do I Congresso Regional dos Jornalistas dos Açores (Mário Mesquita nasceu em Ponta Delgada e iniciou-se no jornalismo no arquipélago) e da Associação de Estudos Comunicação e Jornalismo.
Esta última, em comunicado, qualifica de "ato censório" a decisão do presidente da ERC e exorta o parlamento, "enquanto entidade a quem cabe a nomeação do Conselho Regulador da ERC" a "convocar urgentemente a prestar contas o autor de um ato vil e mesquinho que mancha o bom nome de ambas as instituições".
Uma exigência subscrita pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, que logo nesta segunda-feira requereu à ERC "esclarecimento sobre os motivos que estiveram na origem do não reconhecimento da supervisão na capa do livro A Desinformação - Contexto Europeu e Nacional".
Foi até agora o único grupo parlamentar a tomar uma posição sobre esta matéria, embora na lista dos subscritores da nota de repúdio estejam os deputados socialistas Porfírio Silva, Jamila Madeira, Miguel Costa Matos (presidente da JS) e Francisco César, assim como o deputado único do Livre Rui Tavares.
Entre os signatários da referida nota, que a meio da tarde desta quinta-feira se aproximavam do meio milhar, encontram-se muitos jornalistas, alunos e ex alunos de Mário Mesquita - que foi professor do curso de Comunicação Social da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova e de jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, bem como fundador dos cursos de jornalismo da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusófona -, e académicos. Também há nomes de ex-governantes, como o de embaixador Francisco Seixas da Costa e do ex ministro da Educação Marçal Grilo, assim como Emílio Rui Vilar.
O mandato de cinco anos deste Conselho Regulador da ERC terminou em dezembro. A eleição dos substitutos deveria ter tido lugar a 22 de dezembro, sendo adiada para esta semana. Terá sido novamente adiada.
Nota: texto alterado às 21H25 de 27 de janeiro, para acrescentar informação sobre a carreira académica de Mário Mesquita.
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal