Hospital Santa Maria já instaurou um inquérito a este caso.
Hospital Santa Maria já instaurou um inquérito a este caso. FOTO: Álvaro Isidoro / Global Imagens

Caso de dermatologista. Direção Executiva do SNS diz que controlo destas situações cabe a cada hospital

Quem deveria ter controlado uma situação como a do Hospital de Santa Maria? DE-SNS não tem dúvidas, mas assume que SIGIC tem fragilidades e que já se está a trabalhar na sua "extinção".
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O caso do médico do Serviço de Dermatologia do Hospital Santa Maria que terá recebido 400 mil euros em produção adicional, em vários sábados, está a levantar questões sobre quem afinal deveria ter controlado uma situação cujos montantes “são anómalos” para a prática no Serviço Nacional de Saúde (SNS). O DN quis saber se a Direção Executiva-SNS (DE-SNS) — o único organismo com competência na gestão dos cuidados — estava a par desta situação e a quem competiria o seu controlo. Em resposta ao DN, o organismo liderado por Álvaro Santos de Almeida refere que a fiscalização cabe, em primeiro lugar, a cada hospital onde é realizada a produção adicional.

No entender da DE-SNS, “as regras de controlo interno encontram-se definidas nos normativos aplicáveis, nomeadamente a portaria que regula as tabelas de preços das instituições e serviços no âmbito da produção adicional para o SNS, e devem ser asseguradas pelos órgãos de gestão das instituições do SNS”.

Ou seja, a fiscalização da produção adicional feita no âmbito do programa SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) — criado em 2004, revisto em 2007, precisamente para “garantir equidade no acesso, reduzir os tempos de espera, aumentar a transparência e responsabilizar tanto os utentes, como as instituições — cabe, em primeiro lugar, a cada hospital onde é realizada a produção adicional.

Na resposta enviada às perguntas do DN, a Direção Executiva refere que “acompanha com atenção todas as situações que possam comprometer os princípios de equidade, transparência e confiança no acesso aos cuidados de saúde”, mas, no caso de uma situação considerada anómala, o primeiro controlo tem de existir dentro de cada hospital. “Sempre que são identificadas situações com potencial impacto no regular funcionamento dos serviços ou que suscitem dúvidas quanto ao cumprimento dos deveres funcionais, compete às respetivas entidades proceder à sua análise e, quando justificado, acionar os mecanismos legais e institucionais adequados.”

Sistema informático do SIGIC vai ser extinto

No entanto, a DE-SNS assume que o próprio SIGIC tem “fragilidades” e que, logo no início de 2025, criou um grupo de trabalho para começar a tratar da sua substituição. “A 3 de janeiro de 2025, foi criado um grupo de trabalho para a extinção do atual programa SIGIC e criação do Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia (SINACC) — novo modelo com revisão integral das regras em vigor e dos preços praticados”, refere.

Segundo disseram ao DN fontes do setor da Saúde, há muito que era pedida aos organismos competentes uma revisão do SIGIC e, até, da codificação dos atos médicos. Recorde-se que, no ano passado, por esta altura, a Ordem dos Médicos enviou um ofício à ministra e a todas as entidades competentes da Saúde nesta área a alertar para o facto de a codificação do ato médico necessitar de uma revisão, pois estava a gerar situações de injustiça nos pagamentos aos médicos em produção adicional, uma vez que a tabela em vigor ainda colocava no mesmo nível, alguns atos já considerados ligeiros com outros de grande complexidade, nomeadamente na área da Dermatologia e da Oftalmologia.

Hospital Santa Maria já instaurou um inquérito a este caso.
Santa Maria. “Problema não está no sistema, doentes têm de ser tratados. Está na eventual falta de controlo”

O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), na terça-feira, também defendeu ao DN a necessidade de uma revisão das regras do SIGIC e da codificação do ato médico para melhor clarificação e transparência nos cuidados.

E, ao DN, a Direção Executiva do SNS afirma estar, precisamente, a tratar disso e que "esta iniciativa surge na sequência da identificação de fragilidades estruturais no modelo vigente, que comprometem a capacidade de resposta do SNS, designadamente a fragmentação dos processos, a falta de articulação entre os diferentes níveis de cuidados, a ausência de uma abordagem integrada na gestão das listas de espera, e a necessidade de mecanismos mais robustos de monitorização e auditoria”, tendo este processo de substituição dos sistemas SIGIC e SIGA pelo SINACC o objetivo de “superar as limitações identificadas e promover uma abordagem mais integrada, eficiente e centrada no utente”.

Justificando ainda que foi, perante estas situações de fragilidade, que a DE “entendeu que o grupo de trabalho deveria incluir a participação de outras entidades e, por transcender as competências da DE-SNS, foi solicitado ao Ministério da Saúde a criação de um novo grupo de trabalho”, explicam ainda na resposta enviada ao DN. Tal aconteceu em março através do Despacho n.º 3918/2025, de 28 de março, no qual se pode ler que este documento “cria o grupo de trabalho para a preparação da extinção das plataformas associadas ao sistema de acesso e para a implementação do novo Sistema de Informação Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia (SINACC), e outros sistemas conexos, nos termos do previsto no Plano de Emergência e Transformação da Saúde (PETS)”.

Hospital diz que atividade adicional em Dermatologia era igual à de outros serviços

O DN procurou esclarecimentos junto do Hospital Santa Maria em relação à fiscalização das situações anómalas, mas foi-nos dito que, após a abertura de inquérito por parte do Ministério Público, não serão proferidos mais comentários. No entanto, foi-nos enviada uma resposta em que o hospital justifica que “a atividade cirúrgica adicional e os valores daí decorrentes no Serviço de Dermatologia, nos últimos anos, estão em linha com as médias da instituição, sublinhando que, do total de cirurgias da Dermatologia, cerca de 3/4 (73%) foram em atividade programada e 27% em SIGIC”. Neste momento, o hospital já tem a correr um inquérito sobre este caso e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) também.

Na mesma resposta, o hospital revela que, em abril de 2024, “apenas dois meses após ter tomado posse, o atual Conselho de Administração (CA) aprovou, de acordo com a regulamentação em vigor, novas regras, passando a pagar às equipas das especialidades com atividade em produção adicional nas quais se inclui a Dermatologia um valor menor em 10% face ao que se encontrava em vigor desde julho de 2020”.

Em novembro de 2024, e “por deliberação do CA, foi igualmente limitado o pagamento de alguma produção adicional ao nível de severidade 1”. Ao pedido de explicações do DN, a unidade explicou que, no último ano, o CA da Unidade Local de Saúde Santa Maria (ULSSM), que integra este hospital, um dos maiores do país, instaurou “duas auditorias internas para análise dos impactos das sucessivas medidas deliberadas pelo CA, por forma a verificar se existem medidas adicionais a adotar e revisitar a conformidade com o quadro legal-normativo em vigor". A auditoria clínica à área da codificação e a auditoria de gestão feita pela Unidade Local de Gestão de Acesso, que incidiu em particular na atividade da Dermatologia, "não detetaram qualquer irregularidade”.

Recorde-se que este caso foi divulgado por uma investigação do Exclusivo da TVI, na sexta-feira à noite, sendo referido que o montante de 400 mil euros teria sido ganho pelo dermatologista em causa ao longo de dez sábados. O próprio diretor do CA da ULSSM confirma, nesta reportagem, o montante, embora a unidade tenha esclarecido ao DN que a verba não se refere só a dez sábados, mas “a mais dias, alguns até de 2023”.

Para fontes médicas, já que a situação tem gerado grande impacto na classe, é importante que este caso e a assunção de responsabilidades — até porque, é-nos referido, “em causa não pode estar só o médico, porque o Serviço de Dermatologia tem uma direção e o hospital tem um departamento de Recursos Humanos e uma administração” — sirvam para se refletir sobre o que deve ser mudado no SNS.

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