Augustin Mouchot, o matemático do século XIX que domou a energia solar
Quem alonga o olhar aos 57 metros de altura frente à parisiense Torre Eiffel descortina-lhe um quarteto de fiadas de nomes tingidos a tinta dourada. Em cada uma das quatro faces do monumento inaugurado em 1889, perfilam-se 18 nomes, num total de 72 figuras proeminentes da matemática, física, engenharia, carreira militar e política gaulesa. A República Francesa talhou no ferro da torre estreada com a Feira Universal, a memória de personalidades proeminentes no período decorrido entre a Revolução Francesa, em 1789, até à época. Um rol de ilustres que mereceu críticas ainda no século XIX por excluir Sophie Germain, matemática e física, ou por não prestar devida honra ao químico e botânico Jean-Baptiste Joseph Dieudonné Boussingault. Se à primeira omissão não seria alheio o facto de Sophie ser mulher, ao segundo, de acordo com uma história apócrifa, terá pesado a extensão do nome. Todos os mencionados teriam, no máximo, 12 letras talhadas. Entre nomes como os do naturalista Georges Cuvier, do químico Antoine Lavoisier ou do astrónomo Urbain Le Verrier, figura a homenagem a Joseph-Louis Henri de Dion, engenheiro civil francês, responsável por uma obra maior, as estruturas em ferro da Exposição Universal de 1878 na capital francesa. Entre os meses de maio e outubro acorreram ao certame que fez mostra da Agricultura, Arte, Indústria e Economia, perto de 15 milhões de visitantes. A França acolhia as representações de 36 países, numa exposição que procurava dar mostra da pujança gaulesa após a crise instaurada com a derrota na Guerra Franco Prussiana de 1870-1871.
Nas semanas que antecederam a abertura do certame, Joseph-Louis Henri de Dion teve a oportunidade de privar com um inventor e professor de matemática e física que há perto de uma década “domava” os raios solares para benefício humano. Da Exposição Universal, Augustin Mouchot, nascido em 1825, levou uma medalha de ouro. Num tempo distante dos atuais painéis solares, Mouchot apresentou aos visitantes do certame parisiense o seu motor solar, inventado em 1866, depois aperfeiçoado. Um motor térmico que transformava o calor do sol em energia mecânica. Aos céus de Paris erguia-se um refletor parabólico associado a uma caldeira cilíndrica de vidro que alimentava uma pequena máquina a vapor. O invento antes apresentado a Napoleão III, decorria das experiências que Mouchot vinha a desenvolver desde o início da década de 1860. Nesse ano, o matemático apresentou o seu fogão solar. Nas décadas seguintes, levou à comunidade científica e à sociedade civil os seus motores a vapor movidos a energia solar,
refrigeração alimentada com a mesma fonte de energia, bombas de água e destiladoras animadas por um vigor que Augustin Mouchot via como inesgotável. O acesso da França a minas de carvão era limitado. O inventor temia o esgotamento em poucas décadas das fontes de matéria-prima. Mouchot procurava, ainda, reduzir a dependência do seu país à importação de carvão. “Mouchot inventou a primeira máquina a vapor que funcionava com a energia do sol, convertendo a energia solar em trabalho mecânico útil”, sublinha o escritor e jornalista Frank T. Kryza no livro de 2003, The Power of Light (O Poder da Luz).
Augustin Mouchot teve o mérito de, na segunda metade do século XIX, ampliar as obras de homens como Horace-Bénédict de Saussure, físico, geólogo e alpinista que, no século XVIII, estudou os efeitos caloríficos dos raios solares. Saussure propôs o desenvolvimento de janelas térmicas. No trabalho de Mouchot também se modelava a investigação do físico e inventor francês Claude Pouillet que, em 1838, concebera o Pireliómetro, instrumento de medição da irradiação direta do sol. Mouchot “é um dos primeiros sábios a ter em conta toda a medida do imenso potencial da energia solar para responder às necessidades humanas”, escreveu no jornal Le Monde, em 2019, o químico francês Daniel Lincot no artigo “Pourquoi ne pas investir dans des usines photovoltaïques?” (Por que não investir em centrais fotovoltaicas?”). No século XIX, Augustin Mouchot recebeu o reconhecimento do governo francês. No ano em que exibiu o seu forno solar na exposição parisiense, obteve verba para trabalhar a tempo inteiro no seu invento, uma estrutura que usa a energia solar dispersa para produzir altas temperaturas. Em outubro de 1875, o matemático apresentou à Academia Francesa das Ciências um forno solar com uma área de 4 m2. Em poucos anos exponenciou a área do aparelho, alcançando os 20 m2. No final da década de 1870, Mouchot viajou para sul, para a Argélia francesa, território pleno de sol, para aí continuar o seu trabalho. Fê-lo a par do seu sócio, o engenheiro Abel Pifre, o mesmo que em agosto de 1882 recorreu a um recetor solar de Mouchot para ativar uma máquina a vapor ligada a uma impressora. Da rotativa saíram as páginas do primeiro jornal impresso a energia solar, com a apropriada designação de Soleil Journal. Um número único, gratuito, e que chamava a manchete o título “A conquista do Sol ou o novo Prometeu”.
À margem da euforia solar de Mouchot, França e o Reino Unido urdiam o acordo que deixaria órfão o trabalho do inventor. O tratado de livre comércio entre os dois estados (Tratado de Cobden-Chevalier), a par da melhoria da rede ferroviária, favoreceu o abastecimento de carvão a França, acelerou o desenvolvimento industrial e levou o governo francês a concluir que a energia solar não era rentável. Mouchot perdeu a sua fonte de financiamento, retornou ao ensino da matemática. Morreu sem glória em 1912.
Tornando ao já citado livro de Kryza, escreve o autor: “O mundo, no advento da Primeira Guerra Mundial, fez a mudança do carvão para o petróleo e não para a energia solar (...) O petróleo foi considerado mais eficiente e confiável, especialmente para o esforço de guerra”. O jornalista recorda ainda o inventor norte-americano Frank Shuman e os seus esforços para criar uma tecnologia viável de energia solar no início do século XX. No Egito, Shuman projetou uma máquina a vapor solar que produzia até 75 cavalos de potência, o suficiente para bombear 6.000 galões de água do Nilo por minuto. O engenho foi destruído no decorrer da I Guerra Mundial.