AstraZeneca. Portugal tem até maio para decidir segunda dose
A imposição de um limite de idade para a administração da vacina da AstraZeneca, acima dos 60 anos, trouxe uma nova questão: que vacina dar às pessoas mais jovens quando chegar o momento da segunda dose? Pois bem, Portugal é dos países da União Europeia que estão numa situação confortável em relação a este ponto. Porquê? Porque só começou a usar a Vaxzevria em fevereiro, o que significa que a população vacinada com a primeira dose (400 mil pessoas até agora) só terá de começar a levar a segunda em maio.
Neste entretanto, os especialistas portugueses, e nomeadamente a Comissão Técnica de Vacinação (CTV) da Direção-Geral da Saúde (DGS), aguardam os resultados de um estudo que está a ser feito pela Universidade de Oxford sobre eficácia e segurança na troca de vacinas para tomarem uma decisão mais sustentada.
Por outro lado, a comunidade científica, não só nacional, mas internacional também, está, mais uma vez, de olhos postos no Reino Unido que já vacinou um milhão de pessoas com a segunda dose da vacina da AstraZeneca, "sem ter observado até agora um único efeito adverso idêntico aos da primeira dose, o que sugere que as pessoas estão a reagir bem a esta fase da vacina", explicou ao DN o investigador em imunologia do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), e especialista em vacinas, membro da CTV, Luís Graça. "É uma experiência, ainda não é um estudo científico, mas é um bom sinal", sublinha o investigador.
O Reino Unido foi dos primeiros países a iniciar o processo de vacinação contra a covid-19, no início de dezembro de 2020, e dos que já estão mais avançados a caminho da imunidade de grupo, mas foi também dos primeiros a registar reações adversas, fenómenos tromboembólicos graves, com a vacina da AstraZeneca.
Ao todo, e segundo o instituto do medicamento britânico, foram notificados 79 eventos tromboembólicos graves, só três fatais, sobretudo mulheres com menos de 30 anos, numa população de mais de 25 milhões de vacinados. Os especialistas britânicos sempre defenderam tratar-se de uma percentagem muito reduzida, mas o governo de Boris Johnson acabou por impor, em março, que a vacina fosse administrada a pessoas com mais de 30 anos.
Neste momento, e a quem manifestou este tipo de reação e já teve de levar a segunda dose, o Reino Unido já está a administrar outras vacinas como segunda dose, tal como França também pretende fazer. Às pessoas que não registaram reações já está a dar a segunda dose da AstraZeneca. Os resultados alcançados até agora são positivos e, se se mantiverem, possibilitam a Portugal e a outros países europeus, que ainda não tomaram uma decisão sobre a segunda toma, encontrar uma solução sustentada.
Na opinião do cientista Luís Graça, a posição em que está agora o nosso país "é confortável, pois podemos aguardar por mais evidência científica até se tomar uma decisão", diz, referindo que o estudo que está a ser realizado pela Universidade de Oxford é uma peça fundamental para esta questão. "Segundo sabemos, dentro de um mês a mês e meio deverá haver resultados deste estudo." O investigador sublinha que "seria muito mais perturbador haver uma decisão quando ainda não há evidência científica do que se esta for tomada de forma sustentada e já com base em factos". Aliás, argumenta, "é uma decisão que não atrasa o processo de vacinação".
Recorde-se que, na quinta-feira, Portugal, à semelhança de outros países, decidiu impor um limite de idade para a administração da vacina da AstraZeneca, agora apenas para maiores de 60 anos, depois de a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) ter vindo afirmar que os seus peritos concluíram haver "uma possível ligação entre a administração da vacina e os fenómenos tromboembólicos graves" registados após sete a 14 dias da sua toma, em pessoas com menos de 60 anos. O processo levou ao adiamento por uma semana da vacinação de 200 mil profissionais do ensino agendada para este fim de semana. O grupo iria ser vacinado com AstraZeneca, mas tais vacinas serão aproveitadas para os dois milhões de pessoas entre os 60 e os 79 anos que ainda estão por imunizar.
Quanto à decisão sobre a segunda dose - ou seja, se deve haver ou não troca de vacinas -, Luís Graça diz ser importante explicar às pessoas que, do ponto de vista científico, à partida, o uso de outra vacina na segunda dose não deve ter outros efeitos, devendo ser equivalente à resposta da primeira dose.
"Do ponto de vista do sistema imunitário o que se pretende com a segunda dose é que haja de novo um estímulo das células que responderam à proteína do vírus (a proteína Spike) e esta proteína é a mesma em todas as vacinas que estão a ser usadas, tanto faz que seja da Pfizer, da Moderna ou da AstraZeneca", sublinhou. Daí que entre a comunidade científica se acredite que a resposta do sistema imunitário a uma segunda dose com uma vacina diferente será idêntica à obtida na primeira dose. "Não devemos ter surpresas nesta matéria, mas ainda não está provado em estudos científicos", salvaguardou. Sendo precisamente esta a resposta que muitos países aguardam para tomar uma decisão.
Luís Graça reforça ainda: "Este é o facto que explica porque é que as pessoas infetadas com covid e que recuperaram respondem à primeira dose da vacina como se fosse a segunda dose. Ou seja, como se se tratasse de uma infeção secundária, o que faz com que alguns países estejam a aplicar apenas uma dose de vacina a estas pessoas. É o que basta para ficarem protegidas."
Na situação de Portugal estão outros países, como Espanha, que ainda não decidiram o que fazer. Até agora, e em outras situações de efeitos adversos, como no caso das reações alérgicas graves provocadas pela vacina da Pfizer, os países optaram pela administração de uma vacina diferente na segunda dose. "Havendo risco de uma reação idêntica à da primeira dose, não deve ser dada a mesma vacina", justifica.
Por agora, em Portugal apenas há notificação de duas situações de episódios tromboembólicos, que não foram fatais e evoluíram da melhor forma. Uma depois de ser administrada a vacina da AstraZeneca e outra após a administração de outra vacina, não se sabendo se foi Pfizer ou Moderna. A AstraZeneca, e por recomendação da EMA, já disse que irá incluir este efeito indesejado, eventos tromboembólicos, no folheto informativo da vacina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não faz por agora qualquer recomendação sobre a segunda dose às pessoas mais jovens vacinadas com a AstraZeneca. "Não há dados suficientes para fazer uma recomendação sobre a mudança do tipo de vacina anticovid-19 entre doses. Não há dados para dizer se isso deva ser feito."
Em Portugal, a ministra da Saúde já disse que tal decisão cabe à DGS, mas que "está fora de questão deixar de usar a vacina da AstraZeneca. Isso seria pôr em risco mais de dois milhões de pessoas acima dos 60 anos", que ainda falta imunizar. Questionado ontem sobre a polémica que envolve a vacina da AstraZeneca, o primeiro-ministro António Costa afirmou que a União Europeia deve retirar algumas "lições" do que se está a passar, argumentando ser importante "reforçar as competências da EMA" a prazo. António Costa lamentou mesmo a ausência de uma posição comum europeia sobre a vacina da AstraZeneca, fazendo que cada país decida por si o que fazer. Tanto Marta Temido como António Costa foram vacinados com AstraZeneca, um e outro dizem que vão aguardar a decisão da DGS sobre a segunda dose.