Assédio. "É importante que esta faculdade seja um sítio seguro"
Quais são seus objetivos para os próximos quatro anos?
Os meus objetivos para os próximos quatro anos são crescer, crescer, crescer, em projeção, em qualidade, em internacionalização, em investigação. Nós tivemos um primeiro mandato - eu falo em nós porque eu já cá estava - com vários desafios e felizmente acho que conseguimos já ir muito longe, tendo em conta os objetivos que nos propusemos. Um exemplo: todo um processo de redefinição de quem somos e por onde queremos ir, que incluiu rebranding, temos uma imagem nova, mas o processo foi muito mais profundo e intenso do que apenas a imagem. E agora começamos este mandato sabendo exatamente quem somos e o que queremos, e estamos a dar continuidade a esse esforço. Sabemos hoje quem queremos formar, são cidadãos e cidadãs do mundo de pleno direito, voltados para a internacionalização, agentes de mudança, pessoas completas, comprometidas com a história e a cultura e com a plena noção das desigualdades, dos desafios globais do século XXI e cheios de vontade e empenho de contribuírem para tornar o mundo um mundo melhor. Recentemente tivemos o Dia da Nova School of Law e a Mariana, uma das melhores estudantes finalistas deste ano que terminou, disse-me que encarou o curso como um ginásio para o cérebro, e eu acho que isso é uma imagem ótima. Nós recebemos aqui o melhor talento que o país produz ou consegue atrair, porque também recebemos de fora, e a nossa missão é ser aqui uma espécie de catapulta para este crescimento, que é para mim das coisas mais emocionantes e com as quais eu vibro mesmo. É uma enorme responsabilidade, mas, sobretudo, é um gosto enorme e um orgulho ver mais uma fornada de pessoas tão completas e tão maravilhosas e talentosas e cheias de garra para começarem mais uma etapa da sua vida. Eu acho que também se percebe porque é que eu gosto tanto e porque é que me candidatei.
O seu mandato pode também ficar marcado com a mudança da faculdade para Carcavelos. Já existe uma data? O que é que esta mudança representa para a faculdade, uma delas imagino que seja o crescimento?
Sim, potencia o crescimento. Datas ainda não temos. Como se sabe, estamos neste momento numa altura de alguma instabilidade mundial, entre várias outras coisas, temos uma crise de matérias primas e, portanto, hoje em dia seria irresponsável eu afirmar vamos mudar na data X, mas há o objetivo de concluir este processo ainda nos quatro anos do mandato. Agora, como é que isto vai acontecer ou se vamos consegui-lo, depende de muitos fatores que não controlamos. Vamos trabalhar nesse sentido e realmente isto é uma oportunidade enorme.
Quais são os objetivos em termos de crescimento e em termos de internacionalização?
Nós temos objetivos de crescimento, mas esse crescimento, quantitativamente falando, nunca será muito acentuado. Não temos como projeto transformarmo-nos numa faculdade de massas. Por exemplo, na nossa licenciatura, admitimos 100 estudantes no concurso geral de acesso e ao todo 120 e não queremos aumentar relevantemente esse valor. Queremos crescer na oferta de mestrados e doutoramento, mas não muitíssimo. Neste momento, já temos um corpo docente profundamente internacionalizado, já temos nove professores da casa que são de uma nacionalidade diferente da portuguesa, queremos continuar esse processo e queremos que o nome Nova School of Law seja algo conhecido em qualquer parte do mundo, queremos ter uma voz nas discussões das áreas em que mais nos empenhamos. E isso faz-se precisamente robustecendo um corpo docente jovem, motivado, internacional, muito capaz, talentoso e, portanto, temos tudo o que achamos que é necessário para crescermos nesse sentido.
A Nova School of Law foi este ano uma das faculdades de Direito mais procuradas em todo o país. Acha que se deve só ao reconhecimento da NSL ou também beneficiou este ano dos casos de assédio sexual da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa?
Acho muito sinceramente que ninguém beneficiou com a má exposição mediática que aconteceu há uns meses. A concorrência, que se quer saudável entre as várias faculdades de Direito, não passa nunca por desejar o insucesso alheio. Nós posicionamo-nos no plano internacional, mas também nacionalmente toda a gente perde com um mau desempenho de uma faculdade de Direito pública portuguesa. Perde o país, perde a própria, perdem todas. Se isso é assim no plano nacional, no plano internacional ainda mais. No plano internacional, todas nós ganhamos com os sucessos alheios porque há uma dimensão da nossa reputação necessariamente ligada ao país. Nós posicionamo-nos, aqui na Nova, como uma faculdade de Direito europeia que por acaso se situa em Lisboa, mas é evidente que somos uma instituição portuguesa. Há aqui todo um processo que implica que a reputação de todas é robustecida com os sucessos do país em matéria académica e nós queremos muito ver todas as faculdades de Direito públicas portuguesas a singrar. O nosso campo de ação é o mundo, no mundo há espaço para todas, e queremos mesmo contribuir para o sucesso do Direito em Portugal. Portanto, não, nunca diria que alguém beneficia com casos menos felizes que possam ter má imprensa.
O aparecimento destes casos de assédio moral e sexual fez com a Universidade Nova e a Nova School of Law olhassem para dentro e pensar que deviam criar uma linha ou a estar mais atenta a casos destes?
Acho que todas as instituições e todas as pessoas com responsabilidades devem ter esse raciocínio independentemente dos casos que possam ter acontecido algures. Independentemente de quaisquer casos, nós entendemos que para a Universidade Nova - a Nova School of Law não pode agir por si só, está integrada numa universidade - é muito importante, mas já era, não dependeu destes casos, criar condições para que as pessoas se sintam seguras. Isso é algo que para nós é muito importante enquanto instituição. A Nova School of Law tem alguma tradição de lideranças femininas, eu já sou a terceira diretora seguida, e é evidente que estas questões têm uma dimensão de violência de género que não nos escapa, no sentido de que, para mim - enquanto mulher, enquanto feminista - é-me especialmente importante que esta casa seja um sítio seguro para quem nos procura com idades tão tenras como 17, 18 anos, mas também em qualquer idade, que possa sentir-se em segurança e tranquilo ou tranquila para crescer. Isso para mim é ponto de honra. Eu tudo farei, como aliás já acontecia, para que estas coisas não aconteçam, sabendo nós que isto não basta, e, portanto, temos que ter os mecanismos necessários para garantir que, e esperemos que não, se alguma coisa acontecer há forma de estas pessoas fazerem chegar a sua mensagem e o tema ser resolvido da melhor forma possível. É um tema muito, muito importante.
Em relação à crise, uma das questões que se tem colocado no início deste ano letivo é a de falta de alojamento para os alunos do ensino superior ou os preços muito elevados da oferta que existe. A Nova School of Law e a Universidade Nova têm dado atenção a este problema, que tendencialmente se irá agravar?
Sim, é um problema que está em cima da mesa, aliás, recentemente, foi designado um novo pró-reitor para integrar a equipa reitoral que tem esta preocupação do alojamento e dos transportes no seu pelouro, e é algo que numa universidade como a nossa, que tem campi espalhados pela Grande Lisboa, e que vai desde a Caparica até Carcavelos, passando por Oeiras e vários pontos do centro de Lisboa, é algo que é relevante, e, no nosso caso, uma vez que nos preparamos para mudar para Carcavelos, é algo que já estamos a tratar e conversar com os decisores locais. Carcavelos pertence à Grande Lisboa, mas de momento a oferta de alojamento não é ainda suficiente. Estão várias iniciativas em curso, a própria Câmara Municipal de Cascais tem uma série delas em andamento, mas também sabemos que temos que garantir uma boa rede de transportes para que as pessoas possam estudar na faculdade e não necessariamente morar em Carcavelos. E isso também são preocupações muito prementes não só da Nova School of Law, como em geral da universidade.
Teme que esta crise leve a um abandono do ensino superior, não só de alunos que já o frequentam, como retrair o ingresso de novos estudantes?
Temo, não no sentido de que acho que isso vai acontecer, mas no sentido de que isso é uma possibilidade que temos de considerar, e tudo estamos a fazer para contribuir de alguma forma para minorar esse impacto. Estamos a trabalhar no sentido de proporcionar bolsas de mérito para quem precisa, negociámos recentemente com a Fundação José Neves e conseguimos integrar os nossos mestrados todos no seu projeto de financiamento da frequência dos mestrados, e estamos à procura de diversificar os meios disponíveis. Nós somos uma instituição de ensino superior pública e muito consciente da nossa missão de assegurar que ninguém fica barrado à porta por razões financeiras.
Uma das coisas que distingue a Nova School of Law é o ter-se virado para o mar - tem um Mestrado em Direito e Economia do Mar e vai ter uma licenciatura pioneira a nível mundial também ligada ao mar, a Ocean. Em que etapa está a criação desta licenciatura? O pedido de acreditação à A3ES seria em setembro...
O prazo, depois de um adiamento que houve por parte da A3ES, termina a 15 de novembro. É um projeto nunca antes visto no nosso país porque envolve oito entidades diferentes, cinco das quais da Universidade Nova e as outras três das universidades do Algarve e de Évora. É um projeto enorme, de uma enorme complexidade, mas que também dá muito gosto ver crescer porque corresponde a uma união de esforços e de talentos de tantas pessoas diferentes com vista a que, aqui no nosso país, consigamos apresentar um produto final com uma qualidade de primeira água e que seja uma opção de vida relevante para estudantes de qualquer parte do mundo. Nós, aqui em Portugal, temos uma situação geográfica privilegiada no que diz respeito às relações com o mar, temos um território pequenino, mas a nossa zona de influência no mar é gigantesca e isto trata-se de fazer valer esta nossa feliz situação geográfica e explorar essa vantagem da forma melhor que conseguirmos. Não é à toa que o nosso mestrado foi designado pela Eduniversal como o melhor do mundo em Maritime Management, que é algo que nos orgulha muito e que nos permite aspirar a aumentar a oferta nesta área.
Apesar deste adiamento da A3ES mantêm a intenção de abrir o curso no próximo ano letivo?
Tal como tantas outras coisas, é algo que ainda não temos como certo, até porque não depende só de nós, é um processo complexo, mesmo a A3ES nunca se viu confrontada com algo desta dimensão, e, portanto, o futuro é incerto, mas nós mantemos a intenção de abrir este curso, continuamos a trabalhar para isso. Se tudo tudo correr pelo melhor, sim.
É a terceira diretora consecutiva da Nova School of Law. Este é um sinal de que as mulheres em Portugal têm cada vez mais influência na área do Direito ou são exceções?
Desde há várias décadas que os cursos de Direito admitem uma maioria larga de mulheres. Quando entrei no curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1994, éramos 75% e hoje essa percentagem tem-se mantido relativamente constante e, portanto, à medida que estas gerações sucessivas de mulheres vão avançando seria estranho que continuassem a ser uma minoria nos lugares de poder. Era uma questão de tempo, diria eu, embora com entraves vários, os tais tetos de vidro que há que quebrar. Claro que na geração da nossa primeira diretora, a professora Teresa Pizarro Beleza, a excecionalidade era mais patente. Neste momento, não sou a única diretora de uma faculdade de Direito pública em Portugal e encaro essa circunstância com naturalidade, mas também com o sentido de que é importante que isso aconteça.
Em termos de áreas do Direito, há algumas que sejam mais procuradas por mulheres ou homens? Ou já ultrapassámos essa fase?
Continuamos a ver algo desse género, mas... há um mestrado que eu ajudei a fundar, que é o mestrado em Direito e Mercados Financeiros, onde se nota um maior equilíbrio entre os géneros quando comparado com outras áreas. A área dos mercados financeiros ainda é um pouco mais masculina do que outras, se calhar, se olharmos para uma área como o Direito da Família ainda vamos encontrar um maior predomínio do público feminino do que outras áreas. Não na faculdade, mas na prática jurídica, ainda se nota alguma tendência para pensar que, por exemplo, o Direito Penal em matéria de crimes... Eu ouço as minhas colegas e amigas desta área referir que é mais difícil combater aí o estereótipo e quebrar os tais tetos de vidro porque ainda há muito aquela ideia de que para essas áreas mais mais complicadas, mais violentas, talvez isso seja tarefa de um homem, algo que obviamente temos que combater. Mas, como lhe digo, houve uma enorme evolução. As diferenças não são o que eram há uns anos.
Em maio participou no lançamento da Associação Direito Mental, sendo que este tema voltou a ser falado recentemente com a entrevista do advogado João Vieira de Almeida onde ele fala da sua depressão. Qual é a importância de se falar e de se agir sobre saúde mental não só na área do Direito, mas em todas as áreas?
Começo por fazer a minha homenagem e o agradecimento público a esse enorme homem que é o João Vieira de Almeida. Foi uma entrevista extraordinária, daquelas que nos vamos lembrar durante muitos anos, um serviço ao país de uma dimensão de que poucos seriam capazes. Eu diria que é um problema que já existia e que é transversal às áreas, mas que é especialmente acutilante em áreas com um nível de stresse mais elevado. A advocacia é uma profissão de stresse elevado, onde se trabalham muitas horas, onde temos o futuro das pessoas nas mãos, e tudo isso pode contribuir para empurrar a pessoa para o lado de lá. A pandemia veio aumentar em muito as situações desta natureza, não só no exercício da advocacia, mas de forma transversal. Nós também sentimos isso muito na universidade, tivemos um aumento significativo no pedido de apoio e de situações de estudantes manifestamente com necessidade de algum apoio.
E têm mecanismos para responder a esses pedidos de ajuda?
A universidade lida com a questão de forma centralizada, embora as faculdades maiores tenham os seus próprios recursos. Nós, até porque ainda estamos aqui no campus de Campolide, beneficiamos dos programas existentes na universidade transversais às várias faculdades, em que temos apoio psiquiátrico, apoio psicológico, etc. O que nós fizemos foi, até por iniciativa dos representantes dos estudantes no Conselho Pedagógico, intensificar a divulgação das várias respostas que já temos e garantirmos que a comunidade inteira está plenamente ciente das respostas que existem para que sinta habilitada a pedir ajuda.