As lições da pandemia para enfrentar os desafios alimentares da próxima década

Congresso internacional organizado pela Associação Portuguesa de Nutrição debate os desafios alimentares do futuro, olhando ainda para o impacto da pandemia. Obesidade, envelhecimento e sustentabilidade são preocupações.
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Para Nuno Borges, "ainda é cedo para saber, com rigor científico, se os portugueses (e o mundo) estão a comer melhor ou pior desde a pandemia", mas que "comem diferente, isso é certo", diz o nutricionista, que aponta o preocupante agravamento de fatores de risco trazidos pela pandemia de covid-19, desde logo "a situação económica que deixou muita gente para trás". E, sabe-se, a pobreza é a maior ameaça à segurança alimentar.

As lições a retirar da pandemia para enfrentar os grandes desafios nutricionais e alimentares da próxima década serão dos principais temas em debate no congresso internacional organizado pela Associação Portuguesa de Nutrição (APN), que hoje e amanhã decorre em formato virtual. Um congresso que não será "pandemicocêntrico", sublinha Nuno Borges, vice-presidente da APN e presidente da comissão científica, apontando outros temas como a sustentabilidade e a alimentação do futuro, mas que inevitavelmente olhará para o impacto da covid-19.

Se alguma coisa positiva esta pandemia trouxe, neste contexto, "foi a consciencialização para a importância de uma boa nutrição para evitar ou mitigar alguns dos principais fatores de risco associados à hipótese de doença grave", lembra o nutricionista. "Percebemos, talvez da forma mais cruel, que a forma como as pessoas se alimentam e as doenças associadas a um mau regime alimentar, desde diabetes a tensão arterial ou determinados cancros, estão intimamente relacionados com o risco de maior ou menor gravidade na doença", reforça, recordando o "peso enorme de pessoas diabéticas e obesas" entre os óbitos e internamentos por covid-19.

No programa do congresso, há nesta quinta-feira um painel dedicado especialmente à modulação nutricional do sistema imunitário, a cargo de Philip Calder, da Universidade de Southampton (Reino Unido), que abordará essa influência da dieta e dos nutrientes nas respostas imunológicas e inflamatórias do organismo.

De resto, sabe-se como os períodos de confinamento impostos ao longo desta pandemia "impactaram a forma como as pessoas se alimentam", frisa Nuno Borges. Um estudo feito pela Direção-Geral da Saúde, e publicado no início de agosto, aponta que quase metade da população inquirida (45,1%) reportou ter mudado os seus hábitos alimentares durante a pandemia e 41,8% tem a perceção de que mudou para pior. As razões variam entre as medidas impostas pelo confinamento, que obrigaram a alteração no horário de trabalho (17,6%) e no modelo de compras dos alimentos (34,3%), o stress vivido (18,6%) ou o receio com a situação económica (10,3%).

Este último é, de resto, um dos principais fatores de risco associados à emergência alimentar global. "A pobreza afeta muito a forma como as pessoas comem. E não é para melhor", recorda o vice-presidente da APN e professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, sublinhando que a insuficiência alimentar é um problema especialmente sentido entre as populações mais idosas e as crianças, e temendo que isso possa ter sido agravado pelas desigualdades económicas acentuadas pela pandemia.

Os grandes desafios nutricionais para as próximas décadas, contudo, já tinham sido bem identificados mesmo antes da covid-19. A pandemia apenas veio acelerar a urgência na resposta. Problemas que passam, desde logo, "por essa outra pandemia que é a obesidade, que apresenta um desafio tremendo", refere o nutricionista, "pois vai impulsionar doenças que depois entopem e representam grandes encargos para os sistemas de saúde". Nesse sentido, aplaude "as pequenas medidas recentes adotadas ao nível das escolas, por exemplo", pois é "importante prevenir a obesidade desde a infância".

Outro desafio premente, diz Nuno Borges, "são os idosos e como preparar, em termos alimentares, uma sociedade cada vez mais envelhecida, ainda para mais quando os nossos idosos, no geral, não consomem proteínas suficientes".

E, por fim, o grande desafio da sustentabilidade. Ou seja, "como alimentar esta gente toda sem dar cabo do planeta?" E da resposta fará parte, inevitavelmente, "se não deixar de comer carne, pelo menos deixar de comer tanta carne", constata o nutricionista, que aponta as alternativas artificiais como "bifes de laboratório, embora estes possam agravar as desigualdades de acesso", ou "alimentos à base de insetos, uma alternativa muito válida do ponto de vista proteico". Continuar a produzir a carne de vaca que se produz é proibitivo, "pela água que gasta e pelos gases de efeito estufa emitidos". "Não é sustentável", resume.

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