"As escolas eram as últimas a fechar, aqui foram as primeiras"

No Algarve, 56 turmas já estavam em isolamento profilático devido à pandemia e a delegada de saúde do Algarve mandou encerrar 1.º e 2.º ciclos de cinco concelhos. Professores e pais não compreendem a decisão na última da hora.
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O número de casos de covid-19 tem vindo a aumentar no Algarve e a delegada regional de saúde resolveu mandar fechar mais de 120 escolas dos 1. º e 2 º. ciclos, públicas e privadas, em Albufeira, Loulé, Olhão, São Brás de Alportel e Faro até ao final do ano letivo. São concelhos com mais de 340 casos por 100 mil habitantes e Lagos só mantém as aulas presenciais porque faz parte de outra zona (barlavento). A medida apanhou de surpresa professores, pais e alunos, sobretudo pela ordem tardia a que foi comunicada: domingo já depois das 18h00.

A Federação Regional das Associações de Pais do Algarve (FRAPAL) não compreende "a disparidade de tratamento entre, por exemplo, a situação do Algarve e a de Lisboa e Vale do Tejo". Num comunicado assinado pelo presidente da FRAPAL, Nuno Sousa, consideram que "muitos números terão ficado por divulgar atempadamente e essa falta de transparência, dentro de alguns agrupamentos escolares, dificulta a verdadeira perceção da realidade de concelho para concelho e mesmo de freguesia para freguesia". Como consequência, "aparentemente, o processo de controlo turma a turma já não é suficiente para se evitar uma escalada de infeções em cinco concelhos" da região (Algarve Central) e o encerramento das escolas "afeta dramaticamente muitas famílias". Protestam, sobretudo, contra o facto de anunciarem o fecho com muito pouco tempo de antecedência para programarem "as próximas duas semanas".

Questionam a razão pela qual não fecharam os jardins-de-infância e o que vai acontecer a quem tem filhos com necessidades educativas especiais. Dúvidas, ainda, sobre os apoios presenciais aos alunos que irão fazer exames nacionais do secundário, que terão "a vida muito afetada em caso de contacto com um infetado de covid-19".

A federação não acredita que a situação se tenha tornado seriamente preocupante após um fim de semana apenas. "A ausência de partilha de informação com os parceiros faz que notícias como a suspensão unilateral, por parte da Autoridade Regional de Saúde do Algarve, leve a uma quebra de confiança nas instituições", sublinha Nuno Sousa. Salienta que a decisão de encerrar as escolas foi tomada "sem audição prévia dos principais interessados: as famílias".

A delegada regional de saúde do Algarve, Ana Cristina Guerreiro, garantiu ao DN ter pensado em todas as possíveis perturbações causadas aos alunos e respetivas famílias. Esse facto levou a que não mandassem fechar os jardins-de-infância e terem mantido as aulas presenciais para os alunos com necessidades educativas especiais. "Considerámos que a medida era útil para quebrar cadeias de transmissão da doença", frisa.

O colégio Oficina Divertida, em Faro, uma instituição privada com creche, pré-escolar e 1.º ciclo, teve de voltar ao ensino à distância apesar de apenas registarem uma criança com covid-19 desde que a doença surgiu. Os alunos das quatro turmas de ensino ficaram em casa, mas às "09h45 estavam a ter aulas via Zoom", sublinha Ana Silva, da direção. Mantiveram as aulas presenciais para os filhos de quem está na linha da frente do combate à pandemia ou trabalha nos serviços essenciais, uma vez que são "colégio de referência de acolhimento". Nesta segunda-feira, apenas 12 dos 50 alunos do 1.º ciclo tiveram aulas presenciais.

"Foi uma surpresa para todos porque o encerramento das escolas era uma das últimas medidas, foi o que fez crer o governo durante o estado de emergência. O que nos disseram era que as escolas são as últimas a fechar, mas aqui fora as primeiras. Os cafés e as esplanadas estão a funcionar e, nas escolas, foi tudo para casa. Acredito que a delegada de saúde tem um motivo forte para o fazer mas ainda não o comunicou", critica Ana Silva.

As aulas à distância funcionaram bem, até porque já têm experiência acumulada, e apenas a uma turma falta fazer um teste, o que acontecerá na data marcada, nesta terça-feira mas por Zoom. O encerramento começou nesta segunda-feira e por 12 dias, terminando a 9 de julho, o dia de conclusão do ano letivo para este nível de ensino. Dias que o colégio aproveita para a consolidação dos conhecimentos, só que tem dificuldade em compreender a urgência da medida.

Na Escola EB1 da Corredeira, Albufeira, que tem 12 turmas do 1.º cicl, cerca de 250 alunos também assistiram às aulas em casa.

"Não houve grandes dificuldades porque já tivemos ensino não presencial, inclusive neste ano. E apenas faltam duas semanas para o fim das aulas, mas claro que preferimos ter aulas presenciais, não tem nada a ver, ainda mais com crianças pequenas. Os 1. e 2.º ciclos são muito complicados, mas isto não é uma novidade. É continuar o trabalho de forma a prejudicar o menos possível os alunos", explica Dina Rebola, coordenadora da escola. E como é que se prepararam em cima da hora? "Professor que é professor trabalha 24 horas", diz.

Quem promete não deixar passar o assunto em branco é o deputado do PSD Cristóvão Norte, eleito pela região. Logo pela manhã, escreveu no Facebook que iria interpelar o governo. Considera a decisão "reveladora de uma intolerável e gritante falta de respeito pelos pais, pelas famílias. Pessoas que têm as suas vidas organizadas, que trabalham, muitos que não têm onde deixar os seus filhos, são avisados 15 horas antes da entrada em vigor de uma decisão que desestrutura as suas vidas ao longo das próximas semanas", justifica.

Ana Cristina Guerreiro reconhece que é tardio um comunicado depois 18h00 de domingo, dando conta de uma decisão com efeitos a partir das 08h00 de segunda-feira. Argumenta que não quis que os alunos voltassem à escola após o fim de semana. "Há muitos casos na comunidade e sabemos que, quando a taxa de incidência é muito elevada, o risco de infeção nas escolas é muito maior", explica.
A decisão começou a ser tomada no sábado de manhã quando havia 78 alunos infetados nos cinco concelhos, o que obrigou 52 turmas a entrarem em isolamento profilático, num total de 1327 estudantes. E, nesta segunda-feira, mais quatro turmas iriam para casa. "Não foi possível tomar a decisão mais cedo, tivemos de ouvir todas as estruturas e tínhamos de ter a consciência plena de que era a medida certa e não queríamos deixar de aproveitar o facto de os meninos estarem durante o fim de semana sem contactos. Poderia ter anunciado a decisão na segunda-feira, com início na terça, mas isso significaria o risco de mais contaminações", justifica Ana Cristina Guerreiro.

É a primeira vez que há uma decisão de encerrar as escolas em vários concelhos do Algarve, sem contar com encerramento das escolas nos estados de emergência. E aconteceu em um ou outro estabelecimento, por exemplo em Tavira.

O Ministério da Educação remete explicações para a resolução do Conselho de Ministros 53-D/2020. Estabelece "medidas excecionais e temporárias para a organização do ano letivo 2020-21, no âmbito da covid-19". Medidas essas que são acionadas sempre que a situação o justificar, como a delegada de saúde do Algarve entendeu ser necessário. O DN questionou a Direção Regional de Educação do Algarve sobre o número de alunos envolvidos, mas o delegado considerou que nada tinha a declarar. Pelas contas do DN, serão cerca de 120 escolas, entre públicas e privadas.

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