Nómadas Digitais no rooftop do LACS Anjos.
Nómadas Digitais no rooftop do LACS Anjos.RITA CHANTRE / GLOBAL IMAGENS

Arroios, o bairro de Lisboa que se tornou o preferido dos nómadas digitais

Cafetarias e cervejarias artesanais, brunchs e espaços de coworking acolhema comunidade nómada que escolheu a capital para trabalhar. Segundo dados obtidos pelo DN desde novembro de 2022 foram emitidos 4.279 vistos para nómadas digitais: americanos, brasileiros e britânicos são os que mais se beneficiam.
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Cool, good vibes e trendy, são alguns dos adjetivos escolhidos por estrangeiros que descrevem a freguesia de Arroios, em Lisboa. Com a presença de diferentes culturas no bairro, com estabelecimentos da Ásia Meridional (Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão), Arroios tem se notabilizado também por abrir portas para a comunidade dos nómadas digitais em Lisboa.

Espaços de coworking, cafetarias e cervejarias artesanais e restaurantes que servem brunch passaram a ser lugares maioritariamente frequentados por estrangeiros que escolheram Lisboa como base para trabalhar remotamente. Eleito pela revista Time Out como o bairro mais cool do mundo em 2019 em lista que contava com 50 bairros de diferentes países, a fama de Arroios parece ter chegado a esta comunidade.

Em caminhada pelas proximidades da Avenida Almirante Reis, é possível encontrar lugares como o Thank You Mama Specialty Coffee, na rua do Forno do Tijolo. “No começo, não era nossa ideia ser um espaço de coworking, mas sabíamos que o nosso público-alvo seriam os estrangeiros e a região dos Anjos e Arroios acabou por tornar-se um pólo para essa comunidade. Foi ótimo para nós. As nossas portas estão abertas para todos, mas sabemos que os portugueses têm café muito bom e estão acostumados a estabelecimentos mais tradicionais”, conta Anna Santos, proprietária do café.

Originária da Rússia, Anna casou-se com um português e abriu a porta do empreendimento há três anos. Com o conceito de “cafetaria artesanal” que descobriu nos EUA, conta que usa uma das assoalhadas do espaço como uma sala de exposições para artistas portugueses. A ideia é ter uma mistura entre a cultura portuguesa e os estrangeiros no local, embora reconheça que, entre os clientes, o fator económico acaba por trazer mais turistas e nómadas digitais para o café.

“O governo ajuda muito com os vistos para nómadas e, querendo ou não, o poder de compra em Portugal, infelizmente, não é tão bom. De forma geral, acaba por ser um espaço mais acessível para os estrangeiros. É uma cafetaria artesanal, não podemos vender o café pelo mesmo preço que a Delta, por exemplo”, afirma a empreendedora. O preço de uma bica é de 2 euros e o galão 3,50 euros. Se o cliente quiser leite vegetal, o acréscimo é de 50 cêntimos.

Anna Santos é a responsável pelo Thank You Mama Specialty Coffee, em Arroios. (ARQUIVO PESSOAL)

Nicolas Block, realizador de cinema francês e estabelecido em Lisboa há quase dois anos, é um dos nómadas digitais que frequenta o café de Anna e outros da zona para trabalhar. “É um lugar que me dá boas vibrações, tem muitos cafés e esplanadas agradáveis. Lisboa como um todo é muito boa. Trabalho aqui remotamente e só saio quando tenho rodagens, normalmente na Inglaterra ou Estados Unidos. De resto fico por aqui. Eu nasci em Marselha, mas estudei e trabalhei em Paris. E em Lisboa sinto a mistura cultural de Paris com a proximidade do mar e o modo de vida relaxante de Marselha. É perfeito”, conta Nicolas.

Na rua Febo Moniz, o Fauna Flora é outro lugar onde as mesas são tomadas por estrangeiros com notebook em horário de trabalho, mesmo que o espaço não seja destinado para esse fim. “Somos um lugar que serve brunches, o objetivo não é ser para coworking. Isso é ao lado”, disse uma das funcionárias, ao se referir ao LACS, que o DN também visitou.

Fauna e Flora, restaurante ao lado do Lacs dos Anjos. (RITA CHANTRE / GLOBAL IMAGENS)

Ainda no Fauna e Flora, um americano natural de Boston  que não quis se identificar falou ao DN sobre a experiência enquanto nómada na cidade. Engenheiro de software, apaixonou-se por Lisboa após uma escala de 24 horas na cidade. Mudou-se para a capital portuguesa logo após os primeiros vistos para nómadas digitais serem emitidos, em novembro de 2022. A única reclamação foi pela demora para emissão do documento. Escolheu Arroios para viver e os cafés da região para trabalhar.

“A zona tem toda uma magia que é difícil descrever. Nos EUA, a menos que você esteja no interior, as cidades são muito esmagadoras. Aqui tudo me encanta, a geometria, as igrejas, os grafiti. Consigo ter uma independência financeira boa, não é tão cara como o centro de outras cidades da Europa. O único problema daqui é a demora em algumas coisas, nomeadamente a documentação. Não é um país muito moderno nesse sentido”, diz o americano, que prefere “deixar as suas pegadas fora de rasto”.

Segundo dados obtidos pelo DN com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE),  desde novembro de 2022 foram emitidos 4.279 vistos para nómadas digitais. Destes, 684 foram emitidos pelos postos consulares portugueses no Brasil, sendo o segundo país onde são emitidos mais vistos desta tipologia (16%), atrás apenas dos Estados Unidos. O Reino Unido completa o pódio.

O LACS Anjos, mencionado anteriormente, é uma das quatro unidades de Lisboa da empresa que oferece espaços para coworking. A gerente da unidade, Joana Gouveia, conta que a afluência de culturas na freguesia de Arroios é um dos motivos para o sucesso dos escritórios. Para promover a integração dos nómadas digitais, o LACS Anjos propõe iniciativas para os frequentadores do espaço se conectarem.

Joana Gouveia (gerente) no rooftop do LACS Anjos (RITA CHANTRE / GLOBAL IMAGENS)

“Fazemos um happy hour todos os meses, sempre a uma quinta-feira, e também iniciativas como o pancake day, que é um pequeno-almoço entre os nossos clientes na primeira segunda-feira do mês. Então, além desses eventos de integração para quem vem de fora, a zona também ajuda muito, tem de tudo, bares, restaurantes, transportes públicos e toda uma programação cultural”, conta Joana.

Um dos responsáveis por uma dessas iniciativas é o brasileiro Fernando Jardim. Em Lisboa há cinco anos, Fernando criou as “coworking thursdays”, que funcionam como ponto de encontro entre os residentes do LACS e possíveis interessados no espaço.

“Trazemos para cá uma comunidade de empreendedores e nómadas digitais para conhecer o LACS e, assim, se conectarem com algumas empresas que já estão estabelecidas aqui. É uma iniciativa que acontece há uns três anos, quando a gente notou que tinham muitas pessoas estrangeiras fazendo trabalho remoto em Lisboa e muitos espaços de coworking vazios. Tem sido muito positivo desde então”, diz o imigrante.

O brasileiro Fernando Jardim, responsável pelo evento ‘Coworking Thursdays’. (RITA CHANTRE / GLOBAL IMAGENS)


Gentrificação e aumento das rendas


Em espaços como o LACS, os preços acompanham o alto poder de compra dos clientes.  De acordo com Joana Gouveia, o LACS Anjos conta atualmente com 40 gabinetes. O menor deles, para cinco pessoas, tem o valor de 1.250 euros por mês. O custo de vida no bairro reflete a gentrificação da zona, especialmente nas rendas.

Segundo o portal imobiliário Idealista, entre 2019 e 2022, o valor do metro quadrado dos apartamentos para arrendamento na região de Arroios variou entre os 13 e os 15 euros. A partir de novembro de 2022, quando foram emitidos os primeiros vistos para nómadas digitais, esse valor aumentou para os 19 euros. Atualmente, cerca de um ano e meio depois, encontra-se na faixa dos 23 euros. “Apesar de ser uma cidade cara para nós e com um valor bem acima dos nossos ordenados, para quem vem de fora ainda é bastante acessível”, completa Joana Gouveia.

Se para os próprios portugueses a zona não é acessível, é menos ainda para outros imigrantes que escolhem Portugal para viver. Nos últimos anos, os arredores da Igreja dos Anjos, por exemplo, têm sido um dos principais redutos de pessoas sem-abrigo em Lisboa. Ali estão dezenas de pessoas que chegaram a Portugal e não possuem condições de pagar por um teto ou por um café a 2 euros, especialmente os requerentes de asilo vindos de África. É o reflexo da gentrificação no coração de Lisboa. 

nuno.tibirica@dn.pt

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