No dia que já é conhecido como o “Dia do Apagão”, o primeiro-ministro foi ao início da noite, sozinho – ou melhor, sem ministra da Saúde ou secretárias de Estado da Saúde –, à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, porque, como ele próprio referiu, foi uma das unidades que viveu uma das situações mais complicadas no país, pela incerteza do abastecimento de combustível para os geradores que alimentam a atividade clínica, nomeadamente ventiladores. Segundo relataram ao DN fontes da Saúde, “a MAC viveu grande stress com a questão do abastecimento, chegando a pensar-se que este poderia não ser feito em tempo útil e o funcionamento dos geradores colapsar”. As mesmas referiram também que “a possibilidade de fechar portas se o reabastecimento não acontecesse esteve em cima da mesma”. Ao DN, a Unidade Local de Saúde São José (ULSSJ), à qual pertença a maior maternidade do país, garantiu que “não foi registado nenhum momento crítico na prestação de cuidados”. E, no final do dia, tanto a MAC como outras unidades do país acabaram por ver as situações resolvidas. “As situações de maior risco e de stress foram resolvidas e, na minha perspetiva, a resposta do SNS foi muito positiva”, disse ao DN o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto.Os dirigentes dos sindicatos médicos concordam e destacam a prestação de todos os profissionais de saúde. “Tal como na pandemia foram mais uma vez os profissionais que estiveram à altura e que garantiram o essencial. Houve situações de stress enorme, mas também houve um extremo profissionalismo, numa altura em que outros meios falharam”, comenta a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo Sá, criticando, no entanto, a ministra da Saúde por ter “sofrido também um apagão. Não apareceu numa altura fundamental”.Nuno Rodrigues, secretário-geral do SIM também afirma que, apesar dos grandes constrangimentos, que levaram, inclusive, “os colegas de medicina familiar a ter de voltar às receitas em papel, todos os profissionais mostraram uma grande disponibilidade para resolver os problemas existentes”.Um dia depois, Direção Executiva do SNS "enaltece profissionais" Um dia depois do Apagão, a Direção Executiva do SNS (DE), em comunicado, também enalteceu “o esforço e a dedicação de todos os profissionais, durante a crise energética”, o que “permitiu ao SNS funcionar apesar dos constrangimentos”, confirmando na mesma nota que “as maiores dificuldades sentidas foram ao nível de abastecimento de combustível para os geradores, nomeadamente no Hospital dos Capuchos e na Maternidade Alfredo da Costa, bem como a necessidade de substituição de um gerador na ULS da Guarda, que se conseguiram solucionar”.Relativamente à situação da MAC, o DN questionou a ULSSJ sobre o facto de esta ter vivido das situações mais complicadas no país e se o funcionamento dos geradores esteve mesmo em risco com a incerteza no reabastecimento de combustível. E esta explicou que “a capacidade do depósito de combustível do gerador da ULS São José-Maternidade Alfredo da Costa (edifício com mais de 100 anos) é de 400 litros, o que, com o depósito cheio, permite ter energia para aproximadamente cinco horas, dependendo do consumo”. O que segundo as nossas fontes terá sido o receio de o reabastecimento não poder ser feito neste tempo que criou “grande stress”. Mas a ULS sustentou ainda que, logo no início, e “na sequência da falha de energia, esse consumo foi reduzido em zonas não prioritárias, tendo sido solicitado o transporte de combustível com urgência para manter o grupo gerador em funcionamento”. Na verdade, “a maior dificuldade foi fazer chegar o combustível à maternidade”, mas a situação “foi ultrapassada em tempo útil”.“Situação não foi igualável à da pandemia”Quem esteve no terreno, relata ter havido outras unidades que viveram “situações de stress”, precisamente pelo mesmo motivo. Contudo, e como destaca Xavier Barreto, esta situação “não é igualável à que vivemos na pandemia”, embora “as equipas estejam melhor preparadas para uma situação destas por causa da pandemia”, argumenta. E explica: “Não me recordo de algum dia termos tido um simulacro para uma interrupção no abastecimento elétrico por um período tão prolongado e com uma falha global nas comunicações. Portanto, houve situações sobre as quais pensámos pela primeira vez, mas que devem servir de ensinamento para o futuro. Por exemplo, como contactar e tratar doentes que estão a ser ventilados em casa e que deixaram de poder carregar as baterias dos ventiladores?" Segundo refere Xavier Barreto "os hospitais tiveram de lidar com esta situação e tiveram de se adaptar para conseguirem dar resposta aos doentes. Tiveram de se reinventar para os contactar e até para criar espaços para os ventilar também”. O administrador confirma que “o maior risco era que os geradores parassem, devido à falta de abastecimento, e que deixássemos de conseguir assegurar o funcionamento de ventiladores nos cuidados intensivos, mas esse risco foi evitado”, considerando que tal se deveu “às equipas no terreno e à formação de qualidade que têm”, mas também pela “articulação entre hospitais, Direção Executiva, Governo, Proteção Civil”.Assimetrias no Norte e no Sul, diz sindicatoA segunda-feira, 28 abril, era para ser mais uma no calendário da atividade do SNS, mas assim que falhou a energia nos hospitais, “ainda sem se saber porquê, os geradores foram ativados automaticamente para todas as áreas necessárias, blocos operatórios, unidades cuidados intensivos e intermédios, zonas de frio, etc”, explica Joana Bordalo e Sá. “É assim que se funciona. Portanto, hoje é quase impossível haver cirurgias interrompidas ou outras situações. A grande questão naquele dia era o tempo que levaria a reabastecer a energia e isso levou a grandes stress nalgumas hospitais, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo devido ao número de utentes e falta de pessoal”.Por exemplo, refere ainda, “tenho o balanço feito pelas unidades do Norte e todas funcionaram sem grandes stresses de abastecimento, os centros de saúde continuaram com a sua atividade mantiveram muitas consultas, mas isto só mostra onde há mais fragilidades”. A médica destaca ainda que ao serem ativados os planos de contingência “os hospitais privilegiam de imediato as situações de urgências, blocos operatórios e unidades de cuidados intermédios e intensivos. É assim que tem de ser feito”. O que não estavam à espera é que a falta de energia afetasse as comunicações “nunca tinha acontecido e do que sei, nas unidades no norte, houve algum stress nas comunicações internas. Por exemplo, beeps que não funcionaram e isso também afetou o atividade com os doentes”.Para o gestor hospitalar, a questão da falha nas comunicações é mesmo um dos temas que tem de ser repensado para o futuro. “Quem estava ligado às redes wi-fi dos seus hospitais conseguia falar através do WhatsApp, mas nem todos os profissionais estavam ligados e isso obrigou-nos a ir aos serviços diretamente, a ir falar com as pessoas e a dar instruções verbais. A comunicação começou a ser verbal em vez de telefónica. É certo que muitos hospitais têm rádios e walkie-talkies mas, naturalmente, são em número limitado”.Centros de Saúde mais fragilizados que hospitaisNuno Rodrigues, dirigente do SIM e também médico de saúde pública da ULS do Oeste, destaca que, no fim de tudo, “agiu-se perante um cenário de incerteza. Não sabíamos quanto tempo levaria a repor a energia. Portanto, houve serviços que não fecharam, como os centros de saúde, mas onde foi decidido que só atendida a doença aguda”, confirmando também que “houve consultas e cirurgias que tiveram de ser adiadas por pura precaução”. No entanto, e como médico de saúde pública, tem de dizer que “os hospitais estão melhor preparados para estas situações do que os cuidados primários. E isto tem de ser repensado. Os centros de saúde não têm centrais telefónicas digitais, perderam toda a comunicação entre si e com os hospitais. Não têm geradores, tanto que um dos nosso maiores problemas a nível do país na área da saúde pública, foi resolver a situação de armazenamento das vacinas”.O médico relata que em causa estavam todas as vacinas do Plano Nacional de Vacinação disponíveis em cada centro de saúde, cujos “montantes são muito elevados, e, com uma quebra de frio, arriscávamos perder um valor substancial do erário público. Mas cada ULS trabalhou em conjunto internamente, com a Proteção Civil e municípios para se arranjarem alternativas, como geradores e locais para o armazenamento das vacinas numa rede de frio”.A falta de geradores criou ainda outro constrangimento nos centros de saúde. “Nos hospitais, havendo geradores conseguiram manter tudo a funcionar, nos centros de saúde nem os sistemas informáticos funcionavam, tendo os colegas de medicina familiar voltar às receitas em papel e à prescrição somente para doença aguda e crónica, porque não havia sequer a possibilidade de ter acesso à ficha clínica do doente”. E tudo isto “deve ser repensado para o futuro”. Quanto à saúde pública, Nuno Rodrigues destaca que médicos e técnicos estiveram sempre “a dar o máximo, muitos deles, até de madrugada, porque além das unidades do SNS tínhamos que garantir que as situações que pudessem existir com utentes de clínicas de hemodiálise, de lares, devido aos geradores eram asseguradas, tal como água potável com qualidade até que a energia fosse reposta”.O presidente da APAH concorda que “os centros de saúde estão numa situação de maior fragilidade que os hospitais e isto tem de ser acautelado no futuro”, porque, defende, “deve-se planear e agir presumindo que podemos vir a ter o pior cenário. Não se planeia, não se age de forma otimista numa situação de crise e assumindo que o reabastecimento de combustível ou que a eletricidade vai ser reposta a determinada hora. Em Saúde, não podemos planear com base nisto”.O que ainda falta saberNesta terça-feira à tarde, a ministra da Saúde na visita que fez a duas unidades da Margem Sul, veio assegurar que “não ficou ninguém por atender no INEM”, depois de o representante do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar ter vindo dizer que ficaram centenas de chamadas por atender. Mas o DN quis saber mesmo como foi afetada a atividade clínica e pediu à Direção Executiva números sobre cirurgias e consultas adiadas e como as situações iriam ser resolvidas e foi-nos dito que “essa informação está agora a ser recolhida junto de cada ULS para um balanço final”.O que não se sabe mesmo, pelo menos o DN não conseguiu obter qualquer resposta em tempo útil, foi como funcionaram as linhas telefónicas de referenciação, como SNS24 e SNS Grávida. Segundo disse a presidente da Fnam ao DN “não funcionaram para os utentes, porque não havia comunicações”, mas o presidente da APAH disse nada saber sobre o assunto. Ao DN chegaram relatos de dois utentes que terão tentado contactar a Linha SNS 24, mas na impossibilidade procuram diretamente quer o seu centro de saúde quer um serviço de urgência. O Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, organismo que gere estas linhas telefónicas, foi contactado pelo DN nesta terça-feira para explicar como foi o seu funcionamento, quantas chamadas recebeu e como foram encaminhadas as pessoas, mas esta resposta não chegou.