António Feijó. Um professor de Literatura à frente da Gulbenkian
Eleito em Dezembro de 2021, António Feijó toma hoje posse como presidente de uma das mais importantes instituições nacionais, o sétimo desde Azeredo Perdigão.
Longe no tempo vai um Portugal sem bibliotecas dignas desse nome, às vezes sem escolas, em que as carrinhas da Gulbenkian levavam livros a miúdos e graúdos -- quantas vezes, os primeiros em que tocavam. Mas mesmo que esse Portugal pertença, felizmente, ao passado, tudo o que se passa na Gulbenkian continua a "mexer" com o país, sobretudo aos níveis da Educação, Cultura e Investigação Científica. Uma importância de que estará bem ciente o presidente do Conselho de Administração que toma posse esta 3.ª feira, António Feijó, 69 anos, administrador não executivo da direção agora cessante, presidida por Isabel Mota
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Mas quem é este professor de Literatura, tradutor de Shakespeare, o primeiro presidente com uma formação que não Direito ou Economia, a assumir o cargo? Oriundo de uma família do Minho, a que também pertenceu o diplomata e poeta de alguma nomeada na viragem do século XIX para o XX, o seu homónimo, António Feijó (1859-1917), é licenciado em Estudos Anglo-Portugueses pela Faculdade de Letras de Lisboa, doutorado em Literatura Inglesa e Norte-Americana pela Brown University, e, entre as várias obras e artigos que publicou, destaca-se a tradução para português de duas obras de Shakespeare, Hamlet e Noite de Reis. Tem ainda versões dramatúrgicas de Shakespeare, Thomas Otway e Fernando Pessoa. Com Miguel Tamen publicou A Universidade como deve ser (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017) e é autor de obras como O Ensino da Teoria da Literatura na Universidade ou Uma Admiração Pastoril pelo Diabo - Pessoa e Pascoaes (2015). Este interesse pelos dois autores levá-lo-ia, em 2019, a assinar o prefácio ao romance de Agustina Bessa-Luís, O Susto (edição Relógio d"Água), em que escreve: "Uma das obras mais notáveis de Agustina Bessa-Luís, O Susto é um roman à clef, um romance cujas personagens são modeladas em pessoas reais. O protagonista, José Midões, é o poeta Teixeira de Pascoaes. Agustina Bessa-Luís descreve-o como uma figura excepcional, acima de todos os contemporâneos, e não esconde o fascínio que Pascoaes lhe inspira. (...)."
Pró-reitor da Universidade de Lisboa, é professor Catedrático do Departamento de Estudos Anglísticos e do Programa em Teoria da Literatura, da Faculdade de Letras, onde foi também diretor e presidente do Conselho Científico (2008-2013). Como diretor foi o criador de uma licenciatura em Estudos Gerais, única em Portugal já que permite uma combinação entre as Artes, as Humanidades e as Ciências, um pouco à la carte segundo os interesses do aluno. Foi ainda presidente do Conselho Geral Independente da RTP e diretor não executivo da Fundação da Casa de Mateus.
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O diplomata Francisco Seixas da Costa, que esteve com ele no Conselho da RTP, destaca ao DN "o rigor, a cultura extraordinária, o humor fino e , sobretudo, o espírito livre e a grande independência. É um homem que não está preso a qualquer agenda, política ou outra. No caso da RTP, fazia muito bem a destrinça entre o que é uma televisão de serviço público e uma televisão de Estado." Uma liberdade e uma solidez intelectual que também são sublinhadas pelo seu colega de Faculdade, Mário Avelar, hoje diretor do departamento de Estudos Anglísticos: "Desde meados dos anos 80 que António Feijó tem sido uma presença constante no meu percurso académico, não só devido ao facto de ambos pertencermos ao departamento de estudos anglísticos na FLUL, mas, acima de tudo, por partilharmos uma ideia de universidade. A sua experiência americana terá contribuído para uma postura radicalmente dissonante face a uma atmosfera então dominada por comportamentos arcaicos e por obediências a hierarquias circunstanciais. Se tivesse que sintetizar o seu perfil académico, diria que ele se caracteriza pelo rigor, pela inteligência e pela liberdade." E dá quatro exemplos dessa postura: "O programa de Teoria de Literatura e a licenciatura em Estudos Gerais, concebidos com Miguel Tamen, o curso de mestrado em literatura americana, que concebemos com o saudoso António Botelho de Amaral, e a sua ação enquanto diretor da faculdade, determinante para a revitalização da escola." E conclui: "É com um júbilo algo melancólico que, agora, nestas minhas funções de diretor do departamento em que trabalhámos durante tantos anos, me despeço dele para o ver abraçar um novo projeto."
António Feijó chega à presidência da Gulbenkian num momento chave para o futuro da instituição. Recorde-se que, em Junho de 2019, esta renunciou à que fora uma das suas fontes tradicionais de financiamento desde a criação, em 1956, com a venda da petrolífera Partex à empresa pública tailandesa de exploração e produção de petróleo PTT Exploration and Production (PTTEP), pelo montante de 555 milhões de euros. No ano seguinte, a Gulbenkian contratou a Rockefeller Philanthropy Advisors (RPA) para "desenvolver uma metodologia para avaliar e reportar as contribuições para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de cada uma das Unidades Operacionais e Áreas de Intervenção da FCG." Uma realidade bem distante dos tempos em que o mundo das Artes e da Finança chamava a Calouste Gulbenkian - o que ele nunca escondeu - o "senhor cinco por cento".
Antigos presidentes
José Azeredo Perdigão (1896-1993)

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Advogado de Calouste Gulbenkian e presidente vitalício - cargo que exerceu de 1956 até à sua morte, em 1993 - José Henrique de Azeredo Perdigão desempenhou um papel crucial no lançamento e fixação da Fundação em Portugal, incluindo, a criação do serviço de bibliotecas itinerantes e o Centro de Arte Moderna, que imaginou e defendeu, em parceria com a sua segunda mulher, Madalena. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi, para além de advogado de sucesso e cofundador da revista Seara Nova, administrador de várias empresas e sociedades como o Banco Nacional Ultramarino ou a Sacor. Foi ainda presidente da Assembleia Geral do Banco de Portugal.
António Ferrer Correia (1912 -2003)

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Administrador da Gulbenkian de 1958 a 1993, assumiu a presidência entre 1993 e 1998. Licenciado e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, de que foi diretor e professor catedrático a partir de 1948, lecionou nessa instituição Introdução ao Estudo do Direito, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Comercial e Direito Internacional Privado. Foi ainda professor da Faculté Internacionale de Droit Comparé e da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Aveiro, de Santos e Federal do Rio de Janeiro.
Victor Sá Machado (1933-2002)

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Administrador da Gulbenkian de 1969 a 1974 e de 1977 a 1998, com os pelouros do Museu, Saúde e Proteção Social, Vítor Augusto Nunes de Sá Machado assumiu a Presidência do Conselho de Administração entre 1998 e 2002. Foi administrador da Companhia Nacional de Petróleos, vice-presidente da Partex e responsável pela realização da exposição Only the Best: Masterpieces of the Calouste Gulbenkian Museum, Lisbon no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, onde teve cerca de 1,5 milhões de visitantes. Licenciado em Direito e pós-graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra, foi deputado à Assembleia Constituinte, vice-presidente do CDS, presidente do Grupo Parlamentar do CDS, ministro dos Negócios Estrangeiros do 2.º Governo Constitucional, presidente da Comissão Nacional da UNESCO e representante honorário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Emílio Rui Vilar (nasceu em 1939)

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Presidente entre 2002 e 2012, apostou em novas áreas de intervenção, através dos Programas Gulbenkian - Criação e Criatividade Artística (2003), Estado do Mundo (2005), Ambiente (2008) e Próximo Futuro (2009) - e da plataforma educativa "Descobrir" (2008). Mas a extinção do Ballet Gulbenkian, em 2005, também lhe trouxe muita contestação.
A sua carreira política começou em 1974: foi Secretário de Estado do Comércio Externo e Turismo do I Governo Provisório (1974), ministro da Economia (1974/75) dos II e III Governos Provisórios, deputado (1976), ministro dos Transportes e Comunicações (1976-1978) do I Governo Constitucional e diretor-Geral da Comissão das Comunidades Europeias, em Bruxelas (1986-1989). Foi presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal (1996-2014), da REN (2014-2015) e do Conselho Geral da Universidade de Coimbra (2013-2017).
Artur Santos Silva (nasceu 1941)

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Participou no Conselho Consultivo Geral da Gulbenkian entre 1995 e 2002. Foi depois Administrador não executivo (2002 - 2012) e presidente do seu Conselho de Administração entre 2012 e 2017. Durante o seu mandato como Presidente, promoveu a elaboração de planos a longo prazo para o Serviço de Música, Museu Gulbenkian e Instituto Gulbenkian de Ciência; criou Conselhos Consultivos em todos os Programas e nas principais áreas de intervenção da Fundação
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi assistente de Finanças Públicas e Economia Política e professor convidado na Faculdade de Direito de Coimbra e na Universidade Católica no Porto.
Isabel Mota (nasceu em 1951)
Presidente do Conselho de Administração desde maio de 2017, depois de ter sido membro do seu Conselho de Administração entre 1999 e 2017. Licenciada em Finanças pela Universidade de Lisboa, foi, de 1987 a 1995, secretária de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional nos XI e XII Governos Constitucionais, responsável pelas negociações com a União Europeia dos Fundos Estruturais e de Coesão para Portugal. Foi ainda Conselheira do Conselho Económico e Social de Portugal (até 2016).
Mikhael Essayan (1927-2012)

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Presidente honorário de 1992 até à sua morte, era neto de Calouste Gulbenkian (filho da filha deste, Rita Sirvarte). Advogado, trabalhou na Iraq Petroleum Company, em Londres e no Médio Oriente, e foi membro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados britânicos.
dnot@dn.pt
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