"Antes de se voltar ao estado de emergência é preciso reforçar medidas"
Filipe Froes diz que perdemos duas semanas na análise da situação e se não antecipamos também não conseguimos antecipar o controlo da doença. Mas é preciso reforçar medidas. Estratégia deve incidir em "vacinar, rastrear, isolar e identificar contactos".
Portugal já atingiu de novo a linha vermelha. A incidência da doença a nível nacional está nos 120 casos por 100 mil habitantes. Ontem mesmo a ministra da Saúde, Marta Temido, alertou para níveis preocupantes de transmissão no Algarve. Em Lisboa e Vale do Tejo, os números não indicam descida no índice de transmissibilidade - o boletim da Direção-Geral da Saúde revelava ontem que o R(t) no continente estava em 1.19 e a nível nacional a 1.18, o que quer dizer que cada infetado irá infetar quase outras duas pessoas.
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Os números não são de todo os registados no início do ano, com milhares de casos diários e mais de 400 mortes. O processo de vacinação tem ajudado e ninguém quer voltar ao confinamento. "Um confinamento tem consequências económicas e sociais muito pesadas", defende Filipe Froes, pneumologista e coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos, sublinhando, no entanto, que, mais uma vez, estamos a perder tempo, pois o que é necessário agora "é uma estratégia de reforço na capacidade de vacinar, testar, rastrear, sequenciar e isolar os casos, sem que haja atrasos no diagnóstico, entraves nos inquéritos epidemiológicos ou atrasos na identificação dos contactos de alto risco".
No fundo, o que é necessário é o que sempre tem sido, "maior capacidade de análise da situação", diz o médico, argumentando: "Perdemos duas semanas em que não tivemos capacidade de olhar para a realidade e fazer as leituras necessárias e, enquanto não tivermos essa capacidade de antecipação, não temos capacidade para controlar o essencial. E, mais uma vez, estamos na mesma situação".
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"A possibilidade de recuo tem de ser analisada numa perspetiva mais ampla e só depois de todas estas medidas terem sido implementadas e avaliadas."
O especialista reforça: "Temos de ter uma capacidade de monitorização mais fina e num intervalo de tempo mais curto da realidade", porque o que está a acontecer agora "era antecipável se se tivesse olhado para a evolução da doença nas últimas semanas. Não podemos é chegar a esta altura a pensar ainda no que é preciso para atuar. Já devíamos estar a pensar nos meios que vamos precisar para daqui a 15 dias ou um mês". Exemplificando: "Quando os casos começaram a aumentar no início de maio era previsível de que iríamos precisar de mais do que 174 rastreadores para não haver atrasos no isolamento de casos, na identificação dos contactos e na realização dos inquéritos epidemiológicos. Não era preciso chegar à linha vermelha para se pensar nisso."
Recorde-se que o ministério da Saúde anunciou esta semana que equipas das forças armadas vão juntar-se aos profissionais de saúde pública a desempenhar estas funções para acelerar o processo de rastreamento. Antes, o governo proibiu também as entradas e as saídas da Área Metropolitana de Lisboa ao fim de semana, para tentar atenuar a passagem do vírus para outros concelhos.
1020. Este é o número de infeções registado no dia de ontem. Portugal soma agora 866 826 infetados, tendo neste momento 28 378 casos ativos e 41 659 contactos em vigilância, mais 1140 do que no dia anterior. Ontem houve a registar seis mortes e 450 internados, dos quais 101 em cuidados intensivos.
Mas Filipe Froes argumenta o combate à pandemia faz-se passo a passo e "otimizando a cada momento as medidas necessárias que têm de ser antecipadas face à evolução previsível da doença que já referi, porque se começam a aparecer atrasos nos inquéritos epidemiológicos é porque, provavelmente, tais medidas não foram previstas, otimizadas e nem implementadas na melhor altura".
Questionado sobre a questão de recuo no desconfinamento, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, Filipe Froes defende que "a possibilidade de recuo tem de ser analisado numa perspetiva mais ampla e só depois de de todas estas medidas terem sido implementadas e avaliadas". Na sua opinião, "só depois de estas medidas serem implementadas é que iria rever algumas situações e até a necessidade de rever horários comerciais. Não podemos alternar entre o não fazer tudo (no combate à covid-19) e o pedir o Estado de Emergência, porque entre estas duas situações há um conjunto de medidas que têm de ser adotadas na altura certa".
2 947 718. Este é o número de pessoas vacinadas com duas doses até ao dia de ontem, mais 381 498 pessoas do que na semana anterior, 29% da população. Com uma dose há já 4 688 551, mais 338 623 do que na semana passada, 46% da população.
O médico defende ainda que além destas medidas vai estar agora disponível mais um instrumento de controlo que pode ser útil: o certificado digital. "É uma das alternativas que pode ajudar a controlar a situação que estamos a viver, permitindo às pessoas entrarem em espaços ou participarem em eventos, como espetáculos, casamentos, batizados, a partir de um teste e deste certificado".
No entanto, sublinha também, e à semelhança do que já fizeram outros especialistas "temos sempre de cumprir as medidas de controlo de transmissão, uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social. A manutenção destes cuidados é fundamental".