Sociedade
02 julho 2022 às 05h00

"Estamos a pagar o bom nível de vida dos países desenvolvidos"

O vice-ministro da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente cubano, Jose Fidel Santana Núñez, esteve na conferência e falou ao DN dos desafios da ilha e do planeta e da "diferenciação das responsabilidades".

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o mundo enfrenta uma "emergência nos oceanos". Concorda?
Estou totalmente de acordo. Nos oceanos confluem as três grandes crises ambientais do planeta: as alterações climáticas, a contaminação e a perda de biodiversidade. Nisso ele foi enfático. E é uma das questões que temos que ser responsáveis como países, porque foi o Homem que criou estas crises. Esta conferência é para unir esforços e compromissos para poder, primeiro travar, e depois reverter estas crises.

Ainda não é tarde?
Guterres lembrava que estamos quase a passar a linha de não retorno e uma das questões não só importante, mas quase vital, é que é inevitável empreender ações para proteger a vida no planeta. Nós não herdamos o planeta dos nossos pais, pedimos emprestado a vida e o planeta dos nossos filhos e netos. É preciso ser consequente com isso, e às vezes esquecemo-nos.

Que desafios enfrenta Cuba?
Na sua condição de pequena ilha, comprida e estreita, a questão dos oceanos é vital. Desde logo porque uma percentagem importante de pessoas vivem na costa. Já temos um plano, a nível de estado, para enfrentar as alterações climáticas, que tem como objetivo criar capacidade de resistência e dar atenção à população costeira. Também o facto de a subida do nível dos mares incidir desfavoravelmente na qualidade das águas dos lençóis freáticos, com a água salgada a contaminar as águas de consumo.

Também há impacto no turismo, um dos principais setores de atividade.
Nós temos no plano que chamamos de "Tarea Vida" [tarefa de vida] três prioridades: a segurança das pessoas, a alimentação das pessoas e a terceira é o tema das questões turísticas, no âmbito do desenvolvimento sustentável.

Que balanço faz da Conferência?
Positivo, porque permite o intercâmbio entre governos e atores sobre as diferentes formas de enfrentar as problemáticas do oceano e a nossa responsabilidade nas suas soluções. A conferência tinha como objetivo encontrar um compromisso universal, entre todos os países, para poder minimizar os efeitos dos danos aos oceanos. O que pode fazer Cuba para que a temperatura dos oceanos não suba? Muito pouco. Se não houver um acordo concertado entre todos, um compromisso com rigor e seguimento, não podemos, de maneira isolada, resolver os problemas dos oceanos. O mar é partilhado, é o que nos une a todos.

E acha que os países desenvolvidos, os mais poluentes, deviam fazer mais para ajudar os países em vias de desenvolvimento?
Há um princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. A diferenciação da responsabilidade é que quem mais contamina são os países desenvolvidos. Tiveram um desenvolvimento económico barato porque não tinham em conta o meio ambiente e agora estamos a viver e a pagar o bom nível de vida dos países desenvolvidos. Para ser consequente e moralmente responsável têm agora que acompanhar os países em desenvolvimento, para transferir fundos, recursos, conhecimento, tecnologia... Cuba está em maior desvantagem, porque além das suas limitações económicas, é alvo de um acérrimo bloqueio da parte dos EUA.

O embargo também influencia a forma como Cuba consegue lutar contra as alterações climáticas?
Para os cubanos, o bloqueio é a causa fundamental que trava o desenvolvimento sustentável. Não só o acesso ao financiamento, o acesso à tecnologia, de acesso a investimento... O risco-país. E apesar de todos estes desafios, nós lutamos não só por ser sustentáveis, mas por ter desenvolvimento. O bloqueio é uma das coisas que afeta o desenvolvimento e afeta a capacidade de poder cumprir com os compromissos que adquirimos como país no contexto regional e mundial.

Aproveitou a visita a Lisboa para vários encontros bilaterais em Portugal. O que procura Cuba?
Portugal mostra liderança e compromisso, sobretudo nos temas da economia azul. Acho que podemos ter oportunidades de capacitação, de intercâmbio, de formação de pessoal, de estudo das energias renováveis. Também em questões de economia circular, em que nós estamos a dar os muito modestos primeiros passos. Estamos imersos num desafio comum e creio que Portugal e Cuba se podem ajudar mutuamente neste aspeto.

susana.f.salvador@dn.pt