Sociedade
24 setembro 2021 às 17h10

"Eles param onde servem bebidas." E PSP bloqueou acesso à rua da Atalaia

Com Santos a fechar mais cedo, os noctívagos foram para o Bairro Alto e Cais do Sodré. A PSP reforçou número de agentes e fechou acesso à rua da Atalaia. Serviu de teste para a fase de desconfinamento total.

Céu Neves

A noite de Santos acabou mesmo mais cedo esta quinta-feira, pouco depois das 23h00, quando os bares e os restaurantes fecharam, uma decisão proposta pelos próprios comerciantes. Os noctívagos começaram a dispersar, um ou outro ainda se arrastou para lá da meia-noite, grande parte foi para o Bairro Alto e Cais do Sodré., "Paramos onde servirem bebidas".

Destinos para a continuação da noite e que podem ser ilustradas por um grupo de amigos que decide para onde ir após o encerramento dos restaurantes de Santos. João Machado, 20 anos, Ana Rita Costa, 19, Miguel Carmo, e João Amaro, ambos de 21, todos estudantes universitários. Estão de saída do Largo Vitorino Nemésio, que vai dar à avenida de Dom Carlos I, o limite da freguesia da Estrela com a da Misericórdia, a que pertencem o Cais do Sodré e o Bairro Alto. Só na primeira os estabelecimentos encerraram mais cedo, ou seja, a diversão continua alguns metros à frente.

Decidem ir para o Bairro Alto, mas sentam-se no primeiro sítio onde há copos, uma pizzaria-bar. "Eles param onde servem bebidas", brincam, para argumentar: "Os bares fecharam em Santos, a polícia pediu para sairmos, parámos no primeiro sítio que encontrámos para beber uma cerveja".

Continuam a garantir que o Bairro Alto é o destino final, o que se advinha um percurso difícil já que ainda têm pelo caminho o Cais do Sodré. A noite anterior terminou às 06h00, bem depois dos bares fecharem no Bairro. É que, muitas vezes, acabam em casa de amigos.

Com o regresso às aulas dos estudantes universitários, voltaram as praxes e as "quintas académicas". E, na última quinta-feira, era o "enterro do caloiro" no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), faculdade mesmo ao lado de Santos. Mas os festejos foram interrompidos às 23h00. ""Fomos expulsos do nosso sítio. Estamos a chegar aos 85% de vacinados e quando chegar aos 100%, vamos manter as mesmas restrições ou continuar com a nossa vida?", protesta um dos elementos da comissão de praxe, de nome Gonçalo e que não diz o apelido.

Pedro Reis, 24 anos, auditor, é um dos poucos que parece concordar com o fecho prematuro dos estabelecimentos. "Faz sentido fecharem às 23h00. Enquanto as discotecas não abrirem, as pessoas têm de se juntar em algum lado e Santos era um dos sítios escolhidos para prolongar a noite. Havia ajuntamentos, confusão, a polícia tinha dificuldade em controlar a situação e encontrou-se esta solução". Gosta de jantar e beber uns copos em Santos desde que não haja desacatos, quando isso acontece, vai-se embora.

Pedro está com Juan Geishauser, 27 anos, estuda engenharia, e Joana Alves, 24, de gestão. Juan veio da Argentina há dois meses, país que diz ter desconfinado recentemente, e tudo em Lisboa o encanta. Tem a promessa de que a noite não vai ficar por ali. O relógio está quase a bater as 23h00.

Joana preferiria continuar por Santos: "Os bares deviam fechar às 02h00, já tivemos muito tempo confinados e a situação pandémica não justifica fechar tão cedo. E há demasiada carga policial. O facto de as coisas fecharam tão cedo faz com que a gente vá à procura do after party".

Miguel Góis também defende a manutenção do horário normal. Jantou em Santos, bebeu umas cervejas, o que faz com os amigos uma ou duas vezes por semana. "As pessoas agora vão para o Bairro, claro. A única coisa que esta medida fez foi desviar os confrontos para o Bairro Alto e o Cais de Sodré".

Os comerciantes também não estão muito satisfeitos, mas era fechar às 23h00 ou encerrar completamente à noite. A sugestão foi de José Almeida, 77 anos que há 20 explora o quiosque do largo. ""Eu é que tive a ideia. Tivemos praticamente 18 meses fechados e queriam fechar completamente o largo. Contestei e disse que, como as aglomerações e os problemas começavam depois das 23h00, poderíamos fechar a essa hora e toda a gente assinou".

José Almeida lamenta-se que o negócio já não é famoso por natureza. "Depende muito do tempo. Se chove, tenho de fechar". Costuma abrir o quiosque entre as 17h00 e 02h00, de segunda a sábado, horário que pretende continuar para a semana. "O que decidimos foi só para estes quatro dias, não faz sentido continuar, ainda por cima, quando toda a gente vai desconfinar [na sexta-feira 1 de outubro]".

Vai servindo a imperial a um euro cada, perguntando se quem a pede se tem mesa. "Vocês é que pagam a multa", avisa. A multa é de 100 euros mas os polícias no local referem que, ultimamente, não têm penalizado essas situações. A proibição de beber na via pública não foi focada quando anunciaram as últimas medidas do desconfinamento.

Contabiliza o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton, que 13 comerciantes assinaram a proposta para encerrar mais cedo e que, na própria quinta-feira, outros sete anuíram.

"Começou a haver enchentes e os desacatos iniciavam-se às 23h00 e duravam até às 02h00. Estávamos a monitorizar a situação e a tentar criar zonas de segurança, o que era difícil com os bares abertos. Foram os próprios comerciantes a sugerir fechar mais cedo", explica o autarca. Acredita que a medida não terá de ser repetida, até porque para a semana tudo desconfina. Sublinha: "O problema nem era as pessoas estarem aqui, o problema eram outros grupos que se aproximavam para roubar, etc.".

O autarca e a sua equipa estiveram na rua para perceber como foi acatada a medida. Recolheram a casa às 01h30, quando não havia praticamente ninguém.

O policiamento foi reforçado não só em Santos, como no Cais de Sodré e no Bairro Alto, colocaram grades entre algumas artérias para delimitar as zonas com excesso de ocupação. "Colocámos efetivos nos limites do largo Vitorino Damásio para o caso de ter de condicionar o acesso, o que não chegou a ser preciso. Os estabelecimentos estão a encerrar no horário previsto, não tivemos desacatos até agora", resume o oficial de serviço em Santos, o comissário Dinarte Diniz.

Esta quinta-feira não foi dos dias com mais aglomeração, conta quem por lá andou outras noites. E quem está, concentra-se em divertir-se. O Cais do Sodré ficou mais cheio depois das 23:30, esplanadas cheias, grupos a confraternizar, sobretudo na rua Rosa.

Quatro irlandesas, duas com bandoletes de luzes, estão a meio da noite, que esperam não se alongar por tão tarde como a última, na quarta-feira. Foi o dia em que chagaram da Irlanda e a primeira em Lisboa, regressaram ao Airbnn às 04h00. Ellen Megarty (vendas), 23, Katie McAtce (marketing), 24, Mairéad Cleary (jornalista), 24 e Katie Phelan (estudante de Direito), 23, estão sentadas na esplanada da discoteca Liverpool, que com a pandemia se converteu em bar. FIcam até domingo.

"Ontem [quarta-feira], ouvimos fado em Alfama e depois fomos para o Bairro Alto, gostámos muito. A noite é muito mais relaxante em Lisboa que na Irlanda, há mais diversão, muito simpática", elogiam. No seu país, os bares fecham às 23h30 e o desconfinamento total está previsto para 22 de outubro.

Divertidas, pedem gins, mojitos e cubas livres em duplicado. "O serviço é demorado e pedidos já duas bebidas para cada uma", justificam. Além de que são muito baratas comparativamente ao que pagam na Irlanda.

Continuando pela noite de Lisboa, pela rua do Alecrim em direção ao Bairro Alto, muita gente mas sem aglomerações exageradas, ou seja, sem se acotovelarem uns aos outros. Até porque a polícia desta vez está preparada para que evitar que isso aconteça.

No Bairro Alto, já depois da meia-noite, os agentes acabam por impedir a entrada na rua da Atalaia, de tão cheia que está. "Podem sair mas não podem entrar. Sabes quantas pessoas lá estão?, umas 600", explica o agente. Mas a insistência é sempre muita, sempre alguém cujos amigos estão precisamente nessa rua. "Aceita lá a decisão. Olha, sabes quanto é a multa por estares a beber na via pública? 100 euros". Um argumento que parece convivente.

"Está a ser muito giro. Consegui dançar num bar, uma coisa que já não fazia há ano e meio. E está muita gente, o que é ótimo. Estamos a precisar disto, embora eu ultimamente tenha continuado a fazer a minha vida. Não podia ir aos bares, ia para casa de amigos", conta Teresa Alves, 19 anos, que tem vários grupos com quem sai, o desta quinta-feira foi do Liceu Francês, onde estudou.

A rua da Atalaia é o local de eleição da Teresa para diversão noturna. A última noite que saiu acabou às 04:00, mas esta quinta promete deitar-se mais cedo. Tem aulas à sexta, é estudante de Direito.

Daniel Amado, 18 anos, 12.º ano e a pensar em que curso quer seguir, junta-se ao grupo. "Venho às sextas, mas hoje, como é a última semana de férias, aproveitei. Prefiro o Bairro porque conheço bem e tem menos gente que Santos, hoje está com uma afluência normal. E já estamos todos vacinados, é seguro", afirma.

As 02h00 estão perto, voltámos a encontrar o comissário Dinarte Diniz, agora no Bairro Alto. Deslocou-se de Santos, depois de tudo ter terminado e as pessoas deixarem essa zona sem confusão. "As admissões nos bares só podem acontecer até à 01h00, para fecharem às 02h00. E estamos a barrar a entrada nas ruas em que há excesso de ocupação. É um teste piloto para ver como se comportam as pessoas até para ver o que se passará com o desconfinamento".

Mas entradas no bar continuaram bem para lá da 01h00 e nem todos fecharam necessariamente às 02h00. Independentemente disso, o balanço foi bastante positivo para a PSP. "A noite correu muito bem. Fizemos uma detenção por roubo às 04h30 na zona do Cais do Sodré".