Sociedade
28 novembro 2021 às 00h32

"Não apanhei o comboio, foi o comboio que me apanhou a mim"

Joana e Alcenira. 22 anos e 51, uma portuguesa e uma brasileira, uma cantora e uma auxiliar de escritório. Em comum, acidentes com comboios, pernas amputadas, uma longa espera por justiça. Casos exemplares de uma legislação confusa que desprotege passageiros e de companhias ferroviárias que nunca têm culpa de nada.

Fernanda Câncio

Uma bolsa de estudo do Conservatório de Amesterdão. Foi o que levou Joana Reais, 22 anos, a Santa Apolónia naquele 5 de julho de 2008. "Estava ansiosa e feliz por estudar no estrangeiro. Era uma grande valorização do meu sonho de ser cantora, uma oportunidade incrível que ia mudar a minha vida, estudar naquela universidade."

Para lá chegar, escolheu o comboio Sud-Express com destino a Hendaia, França. "Na altura ainda não havia voos low cost, os bilhetes de avião estavam caríssimos. Achei que tudo correria às mil maravilhas - porque não correria?" Respira. "Mas não apanhei o comboio. Foi o comboio que me apanhou a mim."

Passaram 13 anos e meio. A voz cheia, habituada a palcos - cumpriu o sonho de ser cantora -, já não falha a contar o que aconteceu ali e depois, as dores e pavores, os meses de hospital, as sucessivas operações ("A partir da 10ª perdi a conta"), fisioterapias e mais terapias, próteses, cadeiras de rodas, reaprender o corpo num mundo outro; é deste lado que as perguntas enrouquecem. Como quando ela conta o que sentiu e pensou quando o comboio lhe passou por cima, que esteve sempre acordada, só perdeu os sentidos quando a anestesiaram no hospital.

"Não, não desmaiou, nunca perdeu a consciência. Estava consciente e perguntava o que se tinha passado." Alzira Leite, 72 anos (então 59), agente imobiliária, não sabe quanto tempo esteve, debaixo do Sud-Express, abraçada àquela miúda desconhecida. "Ela dizia "e se ficar sem a perna?" Eu respondia: com esse decote quem te vai olhar para as pernas?" Então como agora, o riso é armadura. "Nunca tinha assistido a nada assim. Quando fui apanhar o comboio chorei de Lisboa ao Porto."

Estivera precisamente a fazer horas para o seu comboio, a contemplar "aquela juventude toda que ia embarcar no Sud-Express", até ouvir "uns berros com pessoas à volta mas sem se aproximarem". Foi ver. "Vi a Joana debaixo do comboio e saltei para o pé dela. Havia muito sangue. Usei o cinto para um garrote."

Quando a agente imobiliária saltou para a linha já lá estava Nuno Pinhal, o namorado de Joana, que fora despedir-se dela à estação. Mais ninguém se chegou para ajudar, garante: "Estava ali eu, ela, e o coitado do namorado. Da CP não veio ninguém. Só um senhor alto que me disse que ia guardar o meu trolley. Também não veio polícia ajudar, zero. Achei estranho."

Tanto mais estranho quando a CP assegura ao DN que "as estações estão equipadas com caixas de primeiros socorros" e "os trabalhadores da CP que ali prestam serviço, "nomeadamente de apoio ao cliente e de venda de bilhetes, têm formação em primeiros socorros e prestam esse apoio sempre que necessário."

Talvez ninguém da CP ou da Infraestruturas de Portugal (IP, antiga Refer), a empresa pública que detém as estações e respetivo pessoal, tenha achado necessário. Alzira, revoltada, faz contas a tanta indiferença. "Quando a Joana me ligou agora, por causa do julgamento, pensei que já tinha desistido com tanta demora. Mas disse-lhe: "Claro que contas comigo, mais 13 anos se passem, nunca me vou esquecer de uma coisas dessas." É escandaloso que não se tenha passado nada. Estão à espera de que as pessoas se esqueçam, que desistam?"

Não, Joana não esquece. "A partida era às 16H06 e chegámos, eu e o meu namorado, pelas 15H45, mais ou menos. A minha amiga Filipa também lá foi dizer-me adeus. O comboio era dos antigos, com aquela aparência de latão. Estava na linha da esquerda, perto da entrada [a número 3], e havia um corrupio de pessoas que entravam e saíam. Fui com o Nuno pôr a bagagem no meu lugar, fiquei só com uma mochila de campismo cheia de roupa. Deviam faltar uns 10 minutos para a partida quando saí para me despedir. E de repente, acho que ainda não eram 16H06, o comboio começa a andar, sem qualquer anúncio prévio, de portas abertas. Todas as pessoas que ainda estavam na plataforma apressam-se a entrar. Vejo um grupo de estrangeiros que dão uma corridinha ligeira e é aí que percebo que tenho de correr para entrar no comboio, até porque tinha lá os meus pertences. Um desses estrangeiros fica para trás, estende-me a mão e no momento em que consigo colocar o pé no degrau do comboio há um solavanco, desequilibro-me e sou sugada para o fosso."

Cai de costas para baixo, com a mochila a amortecer a queda e a proteger tronco e cabeça. Ouve gritos. Talvez seja ela também a gritar. "Para além de um barulho ensurdecedor e de um cheiro horrível, enquanto estava a ser atropelada pensei "que chatice não vou poder ir hoje, só amanhã", e tentei proteger a cabeça. Passados segundos, que pareceram uma eternidade, o comboio pára. E percebi o que acontecera: tinha apenas a coxa da perna esquerda e o pé direito a esvair-se em sangue. Foram dores horríveis. Tenho a sensação de que os meus gritos se deviam ouvir por Lisboa inteira."

É Nuno (que não quis falar ao DN) quem a socorre, fazendo garrotes com o que arranja - roupa, cintos - enquanto várias pessoas ligam para o 112. Ao constatar a gravidade, a primeira equipa que vem chama outra. "Levaram ainda uns bons 20 ou 30 minutos a tirar-me dali e a apanhar o que restava da perna, que serviu para fazer enxertos. Da ambulância lembro-me das dores a cada buraco na estrada e de falar com a enfermeira, que estava transtornada."

Entra no hospital de S. José às 17H18. O olhar sério dos médicos é a última memória dessa tarde. "Acordei dias depois nos cuidados intensivos. Lembro-me de lá receber os meus pais e o Nuno lavados em lágrimas. Daí fui para a unidade de cirurgia estética e reconstrutiva e vou fazendo cirurgias, medicação, recebo visitas. A realidade ainda não me tinha batido - estava noutro planeta, também por causa da medicação. E ao mesmo tempo tinha aquela perspetiva: "Sobrevivi, alta cena.""

É quando lhe permitem o primeiro fim de semana fora do hospital que começa a aterrar. "Percebi como era difícil entrar dentro de um carro, como me assustava com tudo. Fui para casa dos meus pais porque eles tinham elevador e o apartamento onde vivia com o Nuno era em Alfama, sem condições para cadeira de rodas. Mas de repente nada era familiar, era tudo estranho e difícil - até sair da cadeira para o sofá ou para a cama. E aí percebi: eu estou diferente e o mundo está diferente."

Começou aí "todo um processo de adaptação" que tem às vezes "a sensação de ser contínuo e nunca acabar": "Reaprender a andar, uma verticalidade que é diferente, porque o corpo não está igual, uma adaptação a uma vida social, a uma vida sexual." E ao olhar dos outros. "Uma coisa de que me apercebi logo foi do gigante preconceito e discriminação para com a deficiência e as limitações motoras. Tive de aprender a lidar com isso."

E no meio disso tudo, que é tanto, o resto: próteses, cadeiras de rodas, adaptações de casa, tudo é caro. "Fui sempre acompanhada pelo SNS e tenho uma dívida enorme ao Serviço de Saúde de Lisboa Central e ao Serviço de Amputados. Mas uma prótese simples custa no mínimo 50 mil euros, tem uma vida útil de dois anos, e na minha família ninguém é rico. Foi pedida uma para mim em 2018 e ainda não a tenho - a anterior, que é de 2016, é como um carro que até funciona mas já não tem pneus. A última vez que a usei foi em dezembro de 2019 num espetáculo no Brasil [Joana viveu em São Paulo, onde esteve a fazer um doutoramento sobre arte como inclusão, de 2014 a 2020; regressou a Portugal na pandemia]. Agora ando de cadeira de rodas."

Da CP, nestes 13 anos e meio, nem um cêntimo. "A CP nunca nada. Nada nada. Tem sido essa a atitude da empresa ferroviária nacional", comenta, cortante. "A falta de atenção, o descaso, a negligência, o desrespeito, a falta de humanidade e o comportamento profundamente sacana, a tentativa de responsabilizar a vítima - e ter isto a durar 13 anos, este capítulo na minha vida que não consigo encerrar."

Terá sido pela noção de que as vítimas de acidentes podem ficar totalmente desmunidas ante empresas todo-poderosas que a 23 de outubro de 2007 um regulamento do parlamento e conselho europeus sobre direitos e obrigações dos passageiros dos serviços ferroviários estabeleceu, além da obrigatoriedade de as empresas contratarem seguros de responsabilidade civil no montante mínimo de 10 milhões de euros, que em caso de ferimentos ou de morte de um passageiro estas devem proceder a "pagamentos adiantados".

Tal significa que, "no prazo máximo de 15 dias a contar do estabelecimento da identidade da pessoa singular com direito a indemnização", e proporcionalmente ao dano sofrido, devem ser pagos adiantamentos que lhe permitam fazer face a necessidades económicas imediatas.
Estabelecendo-lhes um valor máximo de 21 mil euros, que poderá ser descontado numa indemnização futura e não é reembolsável - a não ser quando o dano tenha sido causado por negligência ou por culpa do passageiro -, o regulamento, diretamente aplicável nos estados membros, frisa que tais pagamentos nunca poderão ser entendidos como reconhecimento de responsabilidade. Não fica claro, porém, a quem caberá avaliar a proporcionalidade ao dano e a "culpa ou negligência do passageiro".

Para Joana, o Regulamento (CE) n.º 1371/2007 viria sempre tarde de mais; só entrou em vigor em dezembro de 2009. Mas a maior parte dos passageiros dos serviços ferroviários nacionais não poderão ainda hoje contar com "pagamentos adiantados" em caso de acidente. Isto porque esta legislação europeia permite aos países pedir, em relação a várias normas, "isenções" de aplicação por períodos de cinco anos renováveis por duas vezes (num máximo de 15 anos) e o artigo 13º, respeitante a essa espécie de seguro automático dos passageiros, é uma das normas em que tal é permitido. Portugal pediu essa isenção, renovando-a até ao limite: o prazo termina em 2024.

Uma decisão que Daniel de Bettencourt Silva Morais, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, reputa de "escandalosa": "Há situações que implicam investimentos e adaptações técnicas, compreende-se um período de isenção. Mas numa questão que se prende com a integridade física dos passageiros e portanto com direitos fundamentais? Porquê? Para poupar dinheiro?"

Acresce, explica este especialista em Direito ferroviário, que a isenção em causa cria uma situação de absoluta desigualdade entre passageiros, pois aplica-se aos serviços nacionais e não aos internacionais. Significando que se houver um acidente entre um comboio de serviço internacional [um Sud-Express, por exemplo] e um suburbano, só quem viaja no primeiro tem direito aos "pagamentos adiantados".

Ou seja: se o acidente com Joana tivesse ocorrido depois de dezembro de 2009 ela teria direito. Mas Alcenira Claudiana de Oliveira, uma auxiliar de escritório brasileira que aos 51 anos, a 4 de dezembro de 2013, ao sair de um comboio Intercidades na estação lisboeta de Sete Rios foi por ele atropelada, perdendo as duas pernas, não pôde beneficiar de qualquer "pagamento adiantado".

Não será tal desigualdade inconstitucional? A questão nunca foi levantada, até porque muito poucos se terão dela apercebido: o direito ferroviário é, como sublinha Daniel de Bettencourt, "matéria muito complexa", "uma floresta muito confusa de normas nacionais e internacionais, em relação à qual não há praticamente trabalho publicado cá e onde até um jurista se vê aflito, porque é preciso andar a pescar coisas em diplomas diferentes." Para as vítimas, então, será impenetrável: "Mesmo existindo vários direitos consagrados é difícil as pessoas terem noção deles e capacidade de os efetivar."

Apesar de a CP assegurar ao DN que "a maior parte das vezes a indemnização [correspondente a acidentes] é paga extrajudicialmente" desde que (busílis da questão) a empresa "reconheça que a responsabilidade do acidente lhe é imputável", não existe qualquer contabilidade que permita saber qual a percentagem de acidentes em que a via do acordo foi seguida (ou sequer quantos chegam a tribunal). Nos dois casos aqui analisados, porém, não houve qualquer sinal nesse sentido.
Professores do ensino secundário, os pais de Joana, "mesmo se virados do avesso" com o que sucedera à filha única, tentaram. "O meu pai enviou algumas cartas registadas à CP. Recebemos - meses e meses depois - uma das primeiras e únicas respostas que dizia: "Não nos podemos responsabilizar pela queda.""

Restava pois a via judicial. "Algures entre julho e setembro de 2008 estava com os meus pais e amigos e cada um dava o seu bitaite. Diziam "vais ter de fazer isto e aquilo" e eu dizia "sim, vou ter de processar a CP mas agora não consigo"."

O pedido de indemnização à CP, no montante de 608.984,86 euros, havia de entrar três anos depois do acidente, a poucos dias da prescrição, e no Tribunal Administrativo de Lisboa - uma opção de Rodrigo Santiago, o advogado que representou Joana até junho de 2021 (atualmente é patrocinada pela advogada Rita Rosário Duarte), baseada no estatuto de empresa pública da CP.

A doutrina diverge sobre qual o foro competente para este tipo de ações; juristas ouvidos pelo DN consideram os tribunais administrativos mais lentos que os cíveis e com tendência para arbitrar indemnizações mais baixas. Rodrigo Santiago não respondeu à tentativa de contacto efetuada para o seu escritório, ficando assim por esclarecer o motivo da escolha e do facto de ter demandado apenas a CP, quando poderia também incluir a IP no pedido. E por que razão não foi apresentada uma queixa-crime - no caso de Alcenira esta existiu e resultou em acusação contra o revisor do comboio.

Seja como for, o processo de Joana arrasta-se, incompreensivelmente, há mais de 10 anos: o despacho saneador - a peça processual em que o juiz estabelece o que dá como assente e as questões a que o julgamento deve responder -, só surge em 2013; mais oito anos passam até o julgamento ser, finalmente, marcado para julho de 2021.

O processo de Alcenira, diga-se, sofre do mesmo mal: vão contar-se seis anos sobre a petição inicial. Um dos motivos de tanta demora é a questão do foro: o juiz ao qual o processo foi distribuído achou que a ação deveria correr no tribunal administrativo. Os advogados da cidadã brasileira, Joaquim Cardoso dos Santos e Paulo Tavares Santos, recorreram dessa decisão para a Relação, que a 25 de junho de 2019 lhes deu razão. Devolvido ao mesmo juiz, o processo aguarda marcação do julgamento.

Já o de Joana sofreu novo adiamento devido à mudança de advogado e ao facto de ter requerido a alteração do montante da indemnização para mais do dobro: 1 918 551,50 euros. Aguarda agora a resposta do tribunal a essa pretensão e nova data. Mas com a marcação do julgamento houve uma novidade. A CP fez-lhe, por via da nova advogada, duas propostas de acordo, no mesmo dia e com horas de intervalo: cinco mil e 300 mil euros.

Ambas muito abaixo da franquia de um milhão de euros do seguro de responsabilidade civil que a empresa possui desde o início de 2008, e que não chegou sequer a acionar neste caso. Não houve pois investigação da seguradora (que, supõe-se, não poderá já ser chamada a cobrir a despesa caso haja condenação). Ao DN, a companhia ferroviária explica: "Não foi solicitada a peritagem, uma vez que os factos apurados permitiram concluir que o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva da vítima."

Como chegou a CP a esta conclusão não diz. Mas na contestação à ação que Joana lhe moveu o tom é acusatório: "O acidente em causa ficou a dever-se, unicamente, à manifesta incúria e inconsideração da Autora [da ação], pelo que lhe cabe a exclusiva culpa na respetiva produção"; "a única pessoa que tentou entrar na composição já com esta em andamento foi a Autora, revelando imprudência e desconsideração total pelo perigo que representa tentar entrar num comboio nestas condições."

As testemunhas apresentadas pela empresa são cinco funcionários seus - incluindo o maquinista do Sud-Express, Sérgio Conceição, e o respetivo revisor, Rui Lopes, que a CP admite ser o responsável pela ordem de partida, assim como um "operador comercial", um "controlador de circulação" e um "técnico licenciado".

Questionada sobre como se processa tal "apuramento de factos" e quem é dele encarregado, a CP é vaga: "Cabe ao órgão competente do Gestor de infraestruturas e/ou das Empresas Ferroviárias decidir se se justifica a realização de uma investigação técnica, interna, a um acidente, com o objetivo de determinar as suas causas e consequências. (...) A averiguação interna dos factos (...) poderá ser menos complexa, consoante as situações (por exemplo nas situações em que as causas estão perfeitamente identificadas e não oferecem qualquer tipo de dúvida quanto à sua natureza)."

Já na contestação ao processo judicial que lhe foi movido por Alcenira de Oliveira em 2015 no Tribunal Cível de Lisboa, a empresa refere-se a uma "comissão de inquérito sumária" constituída por um seu trabalhador e outro da IP, que teria ouvido a vítima e várias testemunhas "para esclarecimento do acidente".

Como no caso de Joana, a conclusão foi de que "o que aconteceu é unicamente imputável à infeliz vítima", "única culpada do acidente." Também a peritagem da companhia de seguros da CP, a Lusitânia - que só ocorreu em 2015, depois de os advogados de Alcenira repetidamente contactarem a seguradora e esta lhes dizer que não tinha autorização da ferroviária para pegar no caso - responsabiliza a vítima.

E, porque Alcenira trazia consigo "quatro volumes, uma carteira de senhora e três malas volumosas", cujo desembarque está relacionado com o acidente, a CP invoca uma norma de que nenhum passageiro habitual de comboios portugueses ouviu alguma vez falar: a de que só se pode transportar um volume e que "o excesso de bagagem" está "sujeito à cobrança de uma taxa suplementar".

Aquela passageira do Intercidades Faro-Lisboa (Alcenira estava de férias em Portugal e ficara em casa de uma amiga no Algarve) deveria, lê-se na contestação, ter dito ao revisor quantos volumes transportava, para pagar o suplemento - que é calculado em 6,50 euros - e para que assim aquele funcionário ficasse alertado para a "consequente dificuldade ou morosidade do desembarque".

A vítima é aliás acusada de ter sido atropelada por, ao ir buscar a sua última mala (teria já colocado as outras duas na plataforma), ser surpreendida pelo aviso sonoro do fecho automático da porta, impedindo-a de fechar e saindo do comboio em andamento. "Mesmo assim", diz a CP, "podia ter evitado o acidente, visto que não foi na descida do comboio que caiu à linha. (...) Só caiu para baixo do comboio porque não largou um dos volumes que transportava, que ficou preso na porta do comboio, o que a fez desequilibrar e arrastar finalmente à linha através do espaço entre duas carruagens."

Uma vez que existiu investigação judicial, várias testemunhas foram ouvidas, com versões distintas: há quem diga que o revisor não saiu do comboio para verificar, como lhe competia, que toda a gente que tinha de sair saíra em segurança e que não havia ninguém para entrar (sendo a estação de Sete Rios curva, permanecendo dentro do comboio não conseguiria ver todas as portas das carruagens), e quem afiance que o viu na plataforma. Para além do próprio, que afirma ter saído para a plataforma e percorrido todo o comboio para se certificar de que não havia ninguém para desembarcar; a seguir "entrou na primeira carruagem, que fica a seguir à máquina, fechou as portas e deu sinal para o maquinista partir".

Lisete Maria da Costa, 48 anos, chefe de bar em Quarteira, faz parte do grupo de testemunhas que contribuiu para que o funcionário da CP tenha julgamento marcado para janeiro. Está, por ter alegadamente violado "o dever de vigilância e fiscalização do embarque/desembarque de passageiros", acusado dos crimes de ofensa à integridade física por negligência agravada e por omissão (o processo cível, de pedido de indemnização à CP e no qual o revisor também é réu, corre separadamente do criminal e, como referido, ainda não tem audiência marcada).

"Vinha no comboio com uma amiga e já estava na plataforma quando a senhora me pediu para a ajudar a tirar a última mala - creio que ela já tinha tirado as outras duas", narra Lisete ao DN. "Subi para o degrau do comboio para puxar a mala, mas ele começou a andar e só tive tempo de saltar. Não sei exatamente o que aconteceu, se a senhora ficou presa na porta: sei que caiu para a linha e a última carruagem passou-lhe por cima."

Apesar disso, espanta-se esta testemunha, "o comboio foi embora, não parou [só em Entrecampos, a paragem seguinte, a tripulação terá sido avisada do que sucedera]. Foi estranho como ninguém deu por nada. E como não me viram: mesmo que não a vissem a ela, como não me viram a mim, que estava na escada? Dá medo."

No caso de Joana, não tendo havido queixa-crime, nada existiu que se pareça com uma investigação.

A PSP, que foi chamada ao local, via rádio, pelas 16H15, limitou-se, de acordo com o auto de notícia a que o DN teve acesso, a atestar que houve um acidente e a recolher sucintamente o relato de Nuno Pinhal (o namorado de Joana, que frisou não ter existido anúncio sonoro prévio à partida do comboio), do chefe da estação José Amorim, funcionário da IP (atestando a ocorrência de anúncio sonoro dois minutos e meio antes do arranque), e do maquinista do comboio (o qual afirmou não ter dado pelo acidente, só parando por ordem do chefe da estação).

Sem referir mais testemunhas - apesar de Filipa Campos, amiga de Joana, garantir que, depois de ir ao hospital saber se ela estava viva, esteve com Nuno na esquadra -, o auto não esclarece o fundamental. A saber, a quem cabe o anúncio prévio à partida (é à IP), quem deu ordem para o comboio partir, e se o facto de ter arrancado de portas abertas é normal. Aliás, a PSP nem se interessa por saber se mais alguém além de Joana tentou entrar depois do arranque.

Mas é a própria CP a certificar ao DN que os comboios não podem arrancar de portas abertas: "Do ponto de vista regulamentar, o revisor tem de se assegurar que as portas se encontram fechadas antes de dar indicação ao maquinista para iniciar a marcha" e de que "o serviço de passageiros se encontra concluído (todos os passageiros desembarcaram/embarcaram)."

Para além de ficar clara qual a obrigação do revisor, convém igualmente saber que meios técnicos tem a tripulação para saber se as portas estão realmente fechadas no arranque e se existe algum mecanismo de segurança que o garanta. Ora, de acordo com um perito ouvido pelo MP no processo de Alcenira, a CP tem em serviço comboios que podem arrancar de portas abertas. E pelo menos nos Intercidades "não há dispositivo que avise a tripulação do facto de as portas ficarem encravadas ou não trancadas".

Aparentemente, esta questão nunca foi objeto de recomendação do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), o organismo independente criado em 2007 para investigar "acidentes graves" -"qualquer colisão ou descarrilamento de comboios que tenha por consequência, no mínimo, um morto ou cinco ou mais feridos graves, ou danos significativos [cujo custo possa ser imediatamente avaliado num total de pelo menos dois milhões de euros] no material circulante, na infraestrutura ou no ambiente" - e "qualquer outro acidente semelhante com impacto manifesto na regulamentação de segurança ferroviária ou na gestão da segurança".

Os acidentes que vitimaram Joana e Alcenira, ou quaisquer outros do mesmo tipo, não mereceram investigação ao GPIAAF. Que no entanto se debruçou recentemente sobre a questão da abertura e fecho de portas, na sequência de um acidente em 2014 na linha de Sintra. Neste, um passageiro com limitações visuais e cognitivas caiu à linha porque o comboio em que viajava parou fora da plataforma e as portas não estavam trancadas, permitindo que as abrisse.

A recomendação do GPIAAF foi de que o Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, "enquanto entidade reguladora, garanta que a CP implemente um procedimento operacional para que a abertura de portas apenas seja permitida depois da confirmação de estarem reunidas as condições de segurança para o efeito." Parece lícito concluir que tal mecanismo deveria impedir também que comboios possam pôr-se em movimento com as portas abertas.

Mas voltemos ao auto da PSP sobre o acidente de Joana: se faz questão de referir que o comboio que a atropelou partiu com 49 minutos de atraso, não contém qualquer menção a testes de alcoolemia efetuados ao maquinista e ao revisor - algo que, num acidente de viação com feridos, seria mandatório (e que, de acordo com o testemunho do revisor no inquérito judicial, terá sucedido após o acidente com Alcenira).

O agente policial parece não se ter igualmente lembrado das câmaras de videovigilância que segundo a IP já existiam em julho de 2008 em Santa Apolónia. A empresa, porém, não responde à pergunta sobre se as ditas estavam a funcionar no dia do acidente e, caso afirmativo, se alguém visionou as imagens; limita-se a dizer que "a obtenção deste tipo de registos é realizada apenas a pedido do MP e no âmbito de processo crime." A CP tem uma versão algo diferente: "As imagens das câmaras de videovigilância só podem ser acedidas a pedido das autoridades de segurança."

Coincidência: também em Sete Rios, em 2013, havia câmaras; também essas imagens nunca apareceram. "Por condicionalismo de ordem técnica no sistema de CCTV não foi possível proceder à preservação das imagens inerentes ao sinistro (...)", respondeu a então Refer 14 dias após o acidente aos advogados de Alcenira, que solicitaram repetidamente quer àquela quer à CP esclarecimentos sobre esses "condicionalismos", recebendo explicações vagas e não coincidentes.

Sem imagens que permitam tirar teimas, tudo se resumirá, em tribunal, aos testemunhos e à apreciação das questões de direito. E essas são, quer atendendo aos exemplos de decisões consultadas pelo DN quer à opinião do especialista em direito ferroviário Daniel de Bettencourt, bem pouco claras.
Desde logo no que diz respeito ao chamado "concurso de responsabilidades": "O regulamento europeu de 2007 diz que a transportadora não é responsável se o acidente se deve a falta do passageiro." Mas, pergunta o jurista, "e quando a responsabilidade é partilhada?"

Essa questão é por si analisada em Notas sobre a proteção do passageiro no transporte ferroviário, texto publicado em fevereiro na Revista de Direito Comercial. Referindo o que a legislação nacional define como "faltas do passageiro" -ações que lhe estão proibidas e dão azo a contraordenação, incluindo, para o que importa aos casos de Joana e Alcenira, "entrar ou sair da carruagem quando esta esteja em movimento ou depois do sinal sonoro que anuncia o fecho das portas ou sempre que, por aviso sonoro ou equivalente, tal seja determinado"-, o jurista considera todavia que se deve entender que a responsabilidade da transportadora "só será totalmente excluída se houver uma falta do passageiro que constitui a causa exclusiva do acidente."

E exemplifica com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nesse sentido. Este, em 2005, decidiu que a CP deveria ser, em "concorrência de culpas", parcialmente responsabilizada pelo acidente que causou incapacidade de 60% a uma criança de 11 anos. Esta, ao tentar entrar para um comboio em andamento cujas portas estavam abertas, foi por ele atingida. Permitir que o comboio arrancasse de portas abertas foi considerado comportamento culposo por parte da empresa e, em conjunto com a atitude temerária da criança, "concausa adequada do acidente", pois "as portas abertas funcionavam como convite".

Entendimento diferente teve o Supremo Tribunal Administrativo no caso de uma jovem que a 6 de agosto de 2007 tentou entrar num comboio na Gare do Oriente e caiu, sendo por ele atropelada e perdendo parte de um pé.
"O desequilíbrio da Recorrente [a jovem recorrera da decisão do tribunal inferior] (...) que provocou a sua queda à linha ocorreu já depois de o revisor ter dado sinal ao maquinista de que o serviço estava concluído e não é, por isso, gerador de responsabilidade civil da CP", diz o acórdão de 2019. "O facto de o comboio ter uma porta aberta não pode ser considerado como causa adequada do sinistro; (...) o acidente ficou-se a dever tão só a uma conduta imprudente e temerária da Recorrente que nas condições antes indicadas tentou entrar no comboio."

Ainda assim, o acórdão citado admite a possibilidade de a CP ser condenada com base na responsabilidade pelo risco (artigo 503º do Código Civil: "Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo") e reenviou o processo para o tribunal de primeira instância para julgar dessa questão.

O artigo 503º é de resto invocado, como fundamento de condenação, em vários acórdãos de tribunais superiores relativos a processos instaurados quer à CP quer à IP por ferimentos sofridos aquando de quedas de comboios que partiram com portas abertas.

Assim sucede com uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2005, que condena a então Refer e um seu chefe de estação a indemnizar uma senhora que caiu à linha quando o comboio do qual tentava desembarcar se pôs em marcha: "Ao demandado [o chefe da estação] era exigível uma atitude ativa consubstanciada em atos demonstrativos de que este verificou se nos locais que dão acesso ao exterior do comboio existem ou não pessoas que pretendam sair para o seu exterior ou, ainda, se há pessoas que pretendam embarcar e ainda se encontram no exterior. (...) Cabia-lhe zelar pela segurança dos passageiros. Por isso, competia-lhe verificar as saídas de molde a dar o "sinal" de partida com segurança e de forma a evitar acidentes."

No mesmo sentido, e com a mesma fundamentação, vai uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 1995: "O revisor-condutor de um comboio é presumivelmente culpado dos danos sofridos por um passageiro que indo a descer numa estação caiu à linha quando aquele deu sinal de partida ao maquinista, não provando que nesse acidente não teve culpa. E solidariamente com ele a comitente CP."

Tais decisões são de molde a dar a Alcenira de Oliveira alguma esperança, mesmo se as indemnizações arbitradas estão muito longe da que pede à CP (1 057 201,76 euros).

Regressada ao Brasil em outubro de 2015, esta ex-auxiliar de escritório está aposentada por invalidez e vive com dificuldades económicas. A cadeira de rodas que usa é doada e teve de mudar de casa: aquela onde residia antes do acidente não permitia adaptação. "Não consigo usar próteses, porque as que me podiam dar são muito pesadas e os meus cotos são muito curtos. Como vivo sozinha é muito difícil. Tento fazer tudo, mas há coisas que não consigo: limpar a casa, por exemplo. E não tenho como pagar a alguém. Também não consigo fazer fisioterapia, é muito cara e pelo sistema público de saúde não dá."

Como Joana, nunca perdeu a consciência durante o acidente. Recorda-o, doce e pausada, ao DN. "Quando abri a porta para sair do comboio coloquei a primeira mala na plataforma e como as pessoas começaram a descer pus-me de lado para não atrapalhar. Depois arremessei uma mochila que ficou parada no degrau. Estava na porta do trem, na escada, a segurar a porta para tirar a última mala e aquela moça [Lisete] veio ajudar-me. O trem começou a andar, ela saltou e caí porque a escada subiu quando a porta começou a fechar."

Depois de o comboio passar, percebeu que perdera as pernas. "Vi muito sangue. Gritei, pedi socorro. Uma moça desceu ali e pegou na minha mão. Disse-lhe "ó filha, eu tou morrendo." E ela respondeu: "Vai morrer um dia, mas hoje não." Ficou comigo até o INEM chegar. Depois, quando soube que tinha sobrevivido, foi visitar-me ao hospital. Deu-me um abraço forte e nunca mais a vi. É um anjo."

Ficaria seis meses e meio hospitalizada, mais três e meio no centro de reabilitação de Alcoitão. Os seus advogados, que assumiram o patrocínio logo em dezembro, tentaram insistentemente que a CP assumisse a responsabilidade pelo acidente, mas, queixam-se, as cartas e tentativas de contacto ficaram meses sem resposta.

"Infelizmente", comenta Alcenira, "a companhia do trem não me ligou a mínima. No início ainda foram ao hospital e na presença do advogado disseram que iam tomar providências, mas em março já comunicaram que não tinham nada a ver." Para regressar ao Brasil, teve de ser o consulado, que também custeou a sua estada em Alcoitão, a pagar a viagem.

À pergunta sobre o que espera dos processos, responde no mesmo tom calmo, meigo, de toda a conversa: "Devolver minhas pernas não vai ter como, não é? Mas que eu tenha uma vida decente, mais tranquila. Uma cadeira melhor, mais confortável. Para isso é preciso dinheiro - tudo o que é para deficiente é muito caro." Suspira. "Não quero insultar ninguém. A questão do revisor aconteceu, já o perdoei, foi uma fatalidade. Só quero justiça."

Diferente de Alcenira, Joana está em modo combate. Espera que o julgamento seja o seu momento - como autora da ação, pediu para ser ouvida; terá 30 minutos.

"É revoltante o tempo que a justiça leva para acontecer, sendo que não há garantias nenhumas de que se faça justiça. Mas estou mais preparada do que nunca para esta batalha. Não sei se teria a postura que tenho hoje se este julgamento tivesse sucedido em 2009. Eu não era assim." Ri. "No próximo acidente que tenha com a CP já sei tudo o que devo fazer."

Como ela, falarão em tribunal testemunhas que contrariam os "factos apurados" pela empresa ferroviária. Como Josu Eizagirre Barco, basco de San Sebastian, hoje com 37 anos e professor de formação profissional. Com o amigo Ugaitz Mendonza, da mesma idade e nacionalidade, estava na plataforma, "tranquilamente", a despedir-se dos amigos antes de embarcar no Sud Express, "e de repente o comboio começa a andar".

Não houve, conta Josu ao DN, "um sinal sonoro ou um aviso - normalmente há o aviso de que "vai sair o comboio da linha nº 3 com destino a ...", estamos habituados a isso em Espanha. Vi outras duas raparigas a correr para entrar e fomos também. A Joana veio atrás - e quando apoiou o pé na entrada desapareceu." Ficou, confessa, "paralisado", sem se atrever a sair. "Fui o último a entrar, tentei dar-lhe a mão e não consegui. Foi muito trágico, não consegui ajudá-la."

No amigo Ugaitz, que saiu do comboio "para ver o que se passava", essa impotência e terror tiveram consequências. "Havia muito sangue e o namorado da Joana tentava fazer um torniquete. Estavam dois homens em cima a olhar sem fazer nada, não sei se eram da CP. Passei a minha tshirt ao Nuno para fazer o segundo torniquete mas não consegui ter força para o ajudar. Hoje sou bombeiro, em parte por isso, por não querer nunca mais estar numa situação dessas sem saber o que fazer."

No resto, o relato é igual ao de Josu: "O comboio partiu sem aviso e corremos para o apanhar. Não sei se partiu à hora ou não, mas não houve aviso." Também Angelo Ferrara, um amigo italiano dos bascos que se fora despedir deles à estação, corrobora. "Não houve anúncio pelo altifalante e o comboio começou a andar com as portas abertas. 10 ou mais pessoas correram para o apanhar. Até se percebe que pode haver uma pessoa distraída - mas 10 ou 20?"

Este arquiteto de 37 anos que reside em Viena de Áustria viu Joana a tentar entrar, rodar e cair. "Começámos a gritar e a correr para ela e o comboio parou. Depois de chegar a ambulância não me lembro de mais nada, estava a chorar. Mas sei que não apareceu ninguém dos Caminhos de Ferro para ajudar nem para saber o que vi. É estranho ninguém das autoridades ter falado connosco, que assistimos a tudo. Dei o meu contacto à amiga da Joana, a Filipa, disse-lhe que testemunharia porque fiquei muito chocado e achei muito estranho o que aconteceu. Se sabemos a verdade não temos de ter medo."

Filipa Campos, 38 anos, ainda se choca com o que ouviu do chefe da estação: "Isto não é nada, a menina devia ter visto o que já vi aqui". Era, comenta, "como se fosse normal morrer ali gente. E parecia que só queriam limpar a linha para o comboio partir." Com um relato muito semelhante ao dos três estrangeiros, Filipa acha "estranhíssimo nunca ter sido ouvida, nem sequer pelos advogados da Joana. Este acontecimento teve consequências em todas as pessoas envolvidas - tivemos de fazer terapia, levámos anos a recuperar. Mas a ela basicamente destruiu-lhe a vida, tudo o que tinha planeado. É óbvio que devia ser indemnizada."

Na conclusão, uma última pergunta a Joana. Em tantos anos, porque nunca contou publicamente a sua história? "É desconfortável falar disto. Sempre trabalhei para que o acidente não me defina. Há uma certa ambivalência: sou uma vítima, é um facto que tenho na minha vida. Mas na minha vida profissional não sou vítima nenhuma. Sou uma mulher do caraças que canta muito bem. Não quero e espero que não aconteça ser conhecida como a Joana amputada que está numa cadeira de rodas e que canta."