Alunos regressam esta semana às aulas. Muitos desafios e já uma greve
Cerca de 1,2 milhões de alunos do ensino obrigatório começam esta semana as aulas, que arrancam com uma greve anunciada num ano marcado pelo início do plano de recuperação de aprendizagens ainda em ambiente de pandemia de covid-19.
Quando chegarem às escolas, o ambiente será semelhante ao do ano passado: há corredores de circulação, obrigatoriedade do uso de máscara e os alunos continuam a estar apenas com os colegas da sua "bolha".
Os bares e as máquinas automáticas poderão ser uma das poucas mudanças visíveis, já que passou a ser proibida a venda de alimentos prejudiciais à saúde, como folhados, batatas fritas, refrigerantes, chocolates ou bolas de Berlim.
Mas os cerca de 120 mil professores há muito que preparam mudanças, que os alunos vão descobrir quando chegarem às salas de aulas, entre terça e sexta-feira, e arrancar o Plano 21/23 Escola +.
A ideia é que até 2023 os estudantes recuperem as aprendizagens perdidas durante o confinamento dos últimos dois anos letivos, mas diretores e professores queixam-se de não ter havido este ano um novo reforço das equipas.
"Este será um enorme desafio para as escolas, porque vamos ter de fazer mais com os mesmos recursos", disse à Lusa o vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), David Sousa.
O novo ano letivo será marcado também pela transferência de competências da educação para as autarquias. Esta mudança, que estará concluída no final de março de 2022, é uma das razões da greve de professores e pessoal não docente anunciada pelo Sindicato de Todos os Professores (STOP).
Os quatro dias de greve - entre 14 e 17 de setembro - coincidem precisamente com o começo do novo ano letivo nos diferentes estabelecimentos educativos.
Além da municipalização da Educação, o protesto é também contra os concursos de professores, que os sindicatos classificam de injustos, a precariedade, a avaliação com quotas, a idade da reforma, a falta de subsídios de transporte e alojamento e os salários.
Este será também o ano em que Ministério da Educação e sindicatos iniciam as negociações para rever as normas dos concursos de colocação de professores.
À Lusa, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, disse que a tutela espera com este processo "poder dar mais estabilidade às escolas e aos docentes", sendo por isso "uma forte luta contra a precariedade".
Tiago Brandão Rodrigues lembrou que nos últimos anos vincularam 25 mil trabalhadores, dos quais metade são professores.
Em ano de concurso geral de professores e com um aumento de professores reformados - quase 1600 este ano - os sindicatos alertaram já que este ano deverá voltar a haver turmas sem todos os docentes atribuídos.
Tal como aconteceu há cerca de um ano, também agora professores, funcionários e alguns alunos voltam a ser testados ao novo coronavírus: arrancou há uma semana com os trabalhadores e, a 20 de setembro, começam os alunos a partir do 3.º ciclo.
Este ano, a maioria dos jovens entre os 12 e os 17 anos já está vacinado contra a covid-19 e há uma maior flexibilidade nos isolamentos quando surgem casos positivos.
A Direção-Geral da Saúde alterou as regras de isolamento profilático das turmas quando surge um caso positivo, acabando com a obrigatoriedade de turmas inteiras ficarem em casa durante duas semanas: Os alunos de contactos de baixo risco ou que testem negativo devem regressar à escola.
Neste processo de regresso às aulas foram também já entregues mais de 5,6 milhões de 'vouchers' relativos a manuais novos e reutilizados, no âmbito do programa de disponibilização de manuais gratuitos lançados pelo atual Governo.
O programa prevê a reutilização dos manuais e, segundo a tutela, a taxa de reutilização dos livros rondou este ano os 70%.
O plano de recuperação de aprendizagens perdidas durante a pandemia de vocid-19 arranca agora, mas professores e diretores dizem que não houve um reforço de recursos para este ano letivo.
"Este será um enorme desafio para as escolas, porque vamos ter de fazer mais com os mesmos recursos", disse à Lusa o vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), David Sousa.
Em causa está o Plano 21/23 Escola +, divulgado em junho pelo Ministério da Educação para apoiar os alunos na recuperação das aprendizagens perdidas durante os dois períodos de ensino à distância provocados pela pandemia de covid-19.
David Sousa explicou que no passado ano letivo houve um reforço de equipas nas escolas: "Cada turma teve direito a um crédito de mais oito horas semanais".
Foi criado um programa que permitiu aos estabelecimentos de ensino contratar técnicos especializados e professores e esses contratos foram prolongados para este ano. As escolas que no ano passado não aderiram ao programa puderam fazê-lo neste, mas, além disso, "do ano passado para este não houve mais nenhum aumento", lamentou.
Confrontado com as críticas, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues disse tratar-se de "uma falsa questão", sublinhando que o trabalho de recuperação das aprendizagens começou precisamente no ano letivo passado, altura em que foram dadas às escolas a possibilidade de contratar mais docentes e assistentes técnicos.
"A recuperação das aprendizagens não começa em 2021/2022. Em 20/21 já houve por parte das escolas ações concretas e plano pedagógicos", disse, explicando que "os recursos que o Ministério da Educação deu ao longo deste último ano custaram muitas centenas de milhões de euros e agora são suplementados num plano para dois anos que está calculado em mais de 900 milhões".
As equipas de trabalho chegaram às escolas no início de setembro do ano passado. "Obviamente que esses recursos humanos seriam descontinuados se nós não tivéssemos este plano de recuperação de aprendizagens. Mas é preciso dizer de forma clara que temos esses e mais recursos", acrescentou, dando como exemplo as equipas de apoio a educação inclusiva que puderam dobrar o número de horas disponíveis.
Tiago Brandão Rodrigues sublinhou ainda que o Plano 21/23 Escola + é "um alicerçar de medidas que vão muito além de única e simplesmente dar recursos humanos às escolas". São mais de 50 medidas que permitem às escolas possibilidades curriculares e pedagógicas para responder aos problemas que encontram.
No entanto, as palavras do ministro não convencem os sindicatos de professores que garantem que faltam reforços: "Temos recebido muitas queixas de falta de profissionais. Quer dizer, vamos trabalhar com o mesmo número de pessoas que havia nas escolas no ano passado quando não havia nenhum plano de recuperação", disse o secretário-geral da Fenprof, em declarações à Lusa.
Mário Nogueira acrescentou ainda que o "despacho de organização do ano letivo para este ano vem de 2018, ou seja, é igual a um ano em que nem sequer havia pandemia".
Estudos nacionais e internacionais revelaram que os alunos de famílias mais carenciadas voltaram a ser os mais penalizados: depois de uma fase inicial em que faltavam equipamentos para poderem assistir às aulas 'online', muitos tentaram aprender a partir de casas onde não havia condições para estudar nem apoio familiar.
As crianças do 2.º e 3.º ano de escolaridade estão também entre os grupos mais prejudicados pelo confinamento, nomeadamente que toca à leitura e escrita, recordou David Sousa.
Os diretores escolares dizem que as escolas estão a trabalhar desde o final do ano letivo passado para pôr em marcha o Plano Escola 21/23, que foi conhecido em junho.
"Este é um programa de dois anos e nós estamos a correr uma maratona", disse David Sousa, lembrando os milhares de professores que estão nas escolas desde o início do setembro para preparar a reabertura das escolas.
O presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, acrescentou que os docentes têm tido muitas reuniões de trabalho para definir estratégias, mas também conhecer as suas futuras turmas.
No agrupamento de Manuel Pereira a aposta inicial será também nos alunos do 2.º e 3.º anos de escolaridade e haverá um reforço na disciplina de Inglês para os mais velhos, do 2.º e 3.º ciclo. Em novembro será feita uma avaliação do impacto e da eficiência das medidas que poderá implicar alterações.
As escolas vão reabrir as portas esta semana para cerca de 1,2 milhões de estudantes ainda em ambiente de pandemia, mantendo-se as já conhecidas regras de higiene e etiqueta respiratória, com circuitos de circulação, "bolhas" de alunos e a obrigatoriedade do uso de máscara.
Professores e diretores defendem que docentes colocados em escolas longe de casa deveriam ter apoios para pagar as despesas, como acontece com juízes e médicos, apontando que os baixos ordenados podem ser impeditivos de aceitar as vagas.
Subsídios de deslocação e habitação, programas de alojamento acessível ou um regime fiscal que contemple despesas com viagens e alojamento são algumas das propostas defendidas por professores que dizem que há casos em que é financeiramente impossível aceitar dar aulas em algumas escolas.
Todos os anos, surgem vagas em estabelecimento de ensino que ficam por preencher, em especial nas zonas de Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve, resultado de baixas médicas e da aposentação de docentes.
Este ano, por exemplo, já se reformaram cerca de 1600 professores e as estimativas dos sindicatos é que se atinjam as duas mil aposentações, contou à Lusa o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira.
A razão para não se preencherem esses lugares é há muito conhecida e a sindicalista Paula Vilarinho resume-a em poucas palavras: "São oferecidos salários muito pequenos para despesas muito grandes".
"Muitos destes professores que estamos a falar já não são novos. Têm família e uma casa para pagar, quando são colocados longe de casa ficam com duas rendas, o que torna impossível aceitar a colocação", disse à Lusa a representante do Sindicato de Professores da Zona Norte.
Em muitos casos, são atribuídos horários incompletos que significam menos horas de trabalho na escola e salários mais baixos. "Com rendas a 600 euros como é que um professor pode aceitar se não ganha para as despesas", acrescentou o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).
Manuel Pereira acredita que uma das formas de minimizar este problema passaria pela ação das autarquias onde faltam professores e que poderiam ponderar avançar com apoios, tais como programas de alojamento acessível para docentes.
"Quando faltaram médicos no interior as autarquias mobilizaram-se para arranjar uma solução", recordou Manuel Pereira. Em Lisboa, por exemplo, existem também vários programas de arrendamento acessível para quem quer viver na cidade.
"As autarquias deveriam assumir o desafio de ajudar estes professores, que são uma peça fundamental nas escolas", defendeu Manuel Pereira, lembrando que "uma turma sem aulas traz problemas complicados" que vão para além do ensino dos currículos.
Sem avançar sugestões, o vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), David Sousa, também defende que são precisas "medidas inovadoras e criativas para conseguir contratar os professores".
A Lusa falou, na semana passada, com vários docentes colocados na zona de Lisboa: uns contaram que teriam de recorrer às poupanças e outros que iriam dividir casa para poder dar aulas.
Paula Vilarinho lembrou a história de um casal de professores que ficou colocado em escolas na zona de Lisboa. "Tinham dois filhos e ficaram os quatro a viver num quarto, porque já estavam a pagar ao banco uma casa que tinham comprado no Norte. Ficaram três anos em condições muito pouco condignas".
Para o SPZN e para a FNE deveria haver um regime fiscal próprio que contemplasse, ao nível das deduções específicas, as despesas realizadas com as viagens e alojamento.
"Os juízes têm apoios quando têm de trabalhar longe de casa, mas os professores, que têm salários muito mais baixos, já não têm direito", criticou a sindicalista.
Este ano realizaram-se os concursos gerais de professores que os dois representantes dos diretores consideram ter corrido bastante bem.
As listas de colocação foram conhecidas mais cedo do que nos anos anterior e "os professores estão praticamente todos colocados. Mas em Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve estimamos que haverá os problemas habituais", lamentou Manuel Pereira.
A partir de terça-feira, arrancam as aulas para os cerca de 1,2 milhões de alunos do ensino básico e secundário. Os cerca de 120 mil professores já estão nas escolas desde o início do mês a preparar mais um ano letivo, que volta a ser marcado pela pandemia de covid-19.