Almaraz gera choque diplomático entre vizinhos ibéricos
Decisão de Espanha, de construir armazém de resíduos nucleares apanha governo português de surpresa. Construção pode começar já em 2017
Portugal pode avançar para uma queixa em Bruxelas contra a construção de um armazém de resíduos nucleares na central de Almaraz, autorizada pelo governo espanhol sem que tivesse havido uma avaliação do impacto ambiental transfronteiriço. Se o projeto for para a frente, a construção deverá iniciar-se já em 2017, diz o El País.
Para os ambientalistas ibéricos, a decisão do executivo de Mariano Rajoy é um sinal claro de que Espanha pretende prolongar a vida útil desta central que está instalada junto ao Tejo, a pouco mais de cem quilómetros da fronteira portuguesa, que tem sido afetada por várias falhas e que deveria ser encerrada em 2020.
A decisão do governo espanhol apanhou de "surpresa" o ministro português do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que ontem afirmou haver aqui "incumprimento" das leis europeias que, num projeto destes obrigam à avaliação de impactos ambientais transfronteiriços, o que "não foi feito", como sublinhou o ministro.
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"Não deixaremos em situação alguma de recorrer à Comissão Europeia, que é quem tem a responsabilidade máxima pelo cumprimento dessas diretivas, para deixar claro que isso não foi cumprido", afirmou o ministro à agência Lusa.
Sobre a situação criada entre entre os dois países por causa desta decisão, João Pedro Matos Fernandes falou de "um princípio de lealdade na relação entre dois povos vizinhos", que considera não estar em causa. Por isso mesmo, adiantou, estão em curso "um conjunto de démarches diplomáticas, a tentar que essa mesma lealdade volte a estar em cima da mesa". E sublinhou: "Existindo uma reunião marcada [com a ministra do ambiente de Espanha] em que o primeiro ponto de agenda é discutir, a 12 de janeiro, não posso deixar de me interrogar sobre a pertinência dessa mesma reunião e, com base nas démarches diplomáticas a decorrer, vamos perceber se essa reunião faz ou não sentido".
Preocupadas estão também as associações ambientalistas de ambos os países que já agendaram para o próximo dia 4 de janeiro, em Lisboa, uma reunião ibérica para discutir a questão e as ações a tomar na sequência desta decisão, como explicou ao DN Nuno Sequeira, da direção nacional da Quercus.
Uma das hipóteses que vai estar em cima da mesa nessa reunião "é a possibilidade se avançar para uma ação judicial, para travar este processo e para que Espanha inicie o processo de encerramento de Almaraz", adiantou Nuno Sequeira. Mas poderão ser decididas ali, também, "ações de rua, de protesto, em Portugal e Espanha, e certamente faremos pedidos de reuniões com as autoridades espanholas e portuguesas que tutelam a questão", afirma o dirigente da Quercus.
A central nuclear de Almaraz é há muito uma preocupação dos ambientalistas ibéricos, que já haviam alertado para a possibilidade deste mesmo desfecho.
"Não é surpreendente para nós a a posição agora tomada pelo governo espanhol, tendo em conta o historial de atuação do PP [o partido do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy], mas é uma decisão dececionante, e é grave porque abre a porta ao alargamento do prazo de vida da central", explica Nuno Sequeira.
Francisco Ferreira, presidente da associação ZERO, é da mesma opinião. "Este é claramente um truque para que a Almaraz fique a funcionar para além de 2020", afirma. "Os procedimentos mínimos de avaliação de impacto ambiental transfronteiriços não foram respeitados e há um claro afrontamento de Espanha em relação àquilo que estava programado em termos de diálogo com o Governo português", nota o presidente da ZERO, considerando "há aqui um problema político que é urgente resolver".
Tanto a ZERO como a Quercus alertaram para a possibilidade de a central de Almaraz ser um dos problemas em foco em 2017. Afinal, não foi preciso esperar pelo fim de 2016 para que a questão se agudizasse desta forma. Resta saber qual será o desfecho. No imediato, da situação, no mínimo delicada, agora criada entre os dois países. E depois em relação à própria central. Será que fecha mesmo em 2020?