Alguns partidos querem Portugal atómico e outros reduzir as emissões
Com maior ou menor especificidade, todos os partidos com assento parlamentar dedicam parte dos seus programas ao ambiente e ao clima. Mas os temas da energia, da pobreza energética e da redução de emissão de gases de efeito de estufa são os pontos de convergência entre todos. E há quem defenda a introdução de energia nuclear em Portugal (Chega). A Iniciativa Liberal (IL) e o Livre admitem-na também, mas não de forma tão concreta quanto o Chega.
Uma primeira análise aos programas eleitorais permite ver, desde logo, que a CDU tem um dos mais generalistas nesta área - ainda que apresente propostas concretas. Os comunistas (que concorrem coligados com Os Verdes) referem que “os problemas ambientais não se resolverão sem pôr em causa as soluções do capital”, isso exige, defendem, “planificação e gestão criteriosa dos recursos naturais”. Essa exploração pode, então, “ser compatível com a defesa do ambiente, desde que não se realize numa lógica que visa apenas a apropriação de matérias-primas sem salvaguarda das necessidades ambientais e sociais, para garantir um desenvolvimento sustentável”.
À direita, o programa da Aliança Democrática (AD) dedica pouco mais de cinco páginas ao ambiente e ao clima. Incluindo-o numa secção maior, dedicada à sustentabilidade, a AD propõe, entre outras medidas, desenvolver a “fiscalidade verde”, ao dar seguimento às alterações introduzidas pela anterior reforma (datada de 2015). A coligação liderada pelo PSD (e que junta ainda CDS-PP e PPM) defende também que devem ser implementadas “políticas para reduzir a produção de resíduos plásticos” (quais, ao certo, não é especificado) e é também advogada uma aposta “na economia circular, na gestão dos resíduos, da água e recursos hídricos e na gestão dos solos”.
Já o PS aposta na continuidade em relação ao que tem sido feito desde que formou Governo há oito anos. Recorrendo a passagens laudatórias (“Portugal fez um caminho de sucesso nas energias renováveis”), os socialistas definem como prioridade “consolidar a ambição e uma vantagem internacional de ter mais recursos que permitem a produção de energia renovável, contribuindo para a descarbonização da economia”. Para isso, propõem implementar a Lei de Bases do Clima e, até 2030, mobilizar um investimento privado de 60 mil milhões de euros, dividido da seguinte forma: “40 mil milhões na energia offshore, 5 mil milhões em energia solar, até 9 mil milhões em hidrogénio, 4,5 mil milhões em energia eólica e o restante em redes de transporte de energia”.
Por seu lado, o Chega dedica um capítulo do programa ao “equilíbrio na defesa do ambiente e do bem-estar animal”. O partido de André Ventura define como prioridade, entre outras, “reconciliar os valores de preservação e conservação dos recursos naturais, florestais e biodiversidade com o potencial económico dos mesmos” ou preparar o país “a mitigação dos riscos e catástrofes naturais”. É também deixada uma palavra em relação à “corrupção nos processos ambientais” na alçada Ministério do Ambiente, que o Chega quer “reestruturar” para garantir também “a desburocratização e a transparência”. A IL pede, por exemplo, que se desburocratize e acelere “o investimento em energias limpas”, tal como “implementar um sistema de depósito e retorno em Portugal em circuito aberto aos privados”. O partido liderado por Rui Rocha defende também “concluir o cadastro florestal, incentivando o emparcelamento por via da não cobrança de taxas administrativas”.
À esquerda, o BE argumenta ser “preciso uma nova política de investimento” para o setor. Os bloquistas apontam, por exemplo, à destruição de habitats “protegidos e de áreas sensíveis para a construção de imobiliário de luxo ou de turismo”. O BE pede também uma mudança no “paradigma da resposta climática”. “Em vez de medidas que castigam a população (como o aumento do IUC), criar alternativas em áreas da economia incompatíveis com o planeta: interditar jatos privados, garantir a completa eletrificação dos navios cruzeiro e limitar a sua permanência nos portos nacionais”, lê-se no programa eleitoral do partido de Mariana Mortágua.
Por fim, o PAN e o Livre são dos partidos que mais atenção dedicam ao ambiente. O partido de Inês Sousa Real tem, por exemplo, o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2040. Para isso, defende a produção descentralizada de energias renováveis e a avaliação do potencial energético da geotermia. Entre outros tópicos, o partido de Rui Tavares é mais ambicioso: toda a eletricidade consumida em 2030 deve ser proveniente de fontes renováveis.
Seca e incêndios também abordados
A seca e os incêndios, dois dos problemas que mais têm afetado Portugal (e de forma cada vez mais violenta) também têm lugar nos programas.
O Livre defende que se deve “elaborar uma estratégia nacional de sensibilização para um comportamento responsável face aos incêndios, com metas concretas para a redução do número de ignições involuntárias” e considera que se deve, entre outros, definir caudais mínimos nos rios partilhados com Espanha, de forma a mitigar os impactos dos fenómenos de seca extrema - algo que o BE também defende.
Autocarro movido a hidrogénio. (Pedro Granadeiro / Global Imagens)
O PAN pede, por sua vez, que seja revisto o Plano Nacional da Água, “dando prioridade à mitigação dos efeitos das alterações climáticas e da seca”. Quanto aos incêndios, o partido pede que se reveja a Estratégia Florestal Nacional, “incidindo numa cuidadosa cartografia e caracterização dos prédios rústicos do território com o objetivo de integrar a adaptação da floresta às alterações climáticas, minimizando o risco de incêndios”.
Já o BE diz que é necessário implementar de forma “adequada” o Plano Nacional de Fogo Controlado, que o partido entende ter “ficado muito aquém dos objetivos, para se conseguir uma defesa eficaz contra os incêndios”.
À direita, o Chega pede que o “flagelo” dos incêndios seja combatido “através da definição de uma política consistente de prevenção e combate”. A AD defende, por exemplo, “uma gestão integrada do território, manutenção dos espaços agroflorestais e incentivo da atividade agrícola” para diminuir o risco de incêndio. Já a IL inclui o tema numa revisão mais alargada da revisão da “legislação estruturante” da Proteção Civil.
A CDU praticamente não refere nenhum dos temas e o PS acaba por, também aqui, apostar na continuidade do que tem sido feito.
“É preciso não reduzir o tema às alterações climáticas”
Ao DN, Viriato Soromenho-Marques defende que os partidos deviam ir mais longe. Lamentando que o tema tenha caído um pouco para segundo plano “desde que começou a guerra [na Ucrânia]”, o professor catedrático na Faculdade de Letras de Lisboa (FLUL) refere que “praticamente nenhum dos debates com os partidos” se focou no tema. Além disso, diz, “é preciso não reduzir o tema às alterações climáticas e à energia”, risco que considera existir. Na sua opinião, devia haver “uma procura de consensos verdadeiramente construtivos entre os diferentes partidos. A temática ambiental é referida, mas de uma forma mais retórica do que, de facto, séria. Ou seja, aparece no discurso dos políticos, mas não aparece nas decisões”.
Usando a agricultura intensiva como exemplo de uma indústria pouco sustentável, o académico considera que o setor é cada vez mais de “fundos de investimento” e muito pouco de agricultores. “Esses proprietários anónimos investem, e ao fim de uma dezena de anos aquilo é deserto. Estamos a assistir a um processo de desertificação suportado por políticas públicas”, critica. Viriato Soromenho-Marques afirma que “não há uma equação entre vertentes importantes da política de ambiente, mas que estão a ser postas em rota de colisão”.
Segundo o professor, a seca - “um problema histórico” - é “um bom exemplo da capacidade de fazer intervir o Estado, os funcionários públicos, na implementação de políticas” públicas para o setor, como no combate “aos furos ilegais”. E deixa a sugestão: é necessário “fazer um verdadeiro inventário de fontes de águas subterrâneas, porque só tendo isso é que se pode depois também perceber como essas águas estão a ser utilizadas”.
Tema também na agenda da ONU
O ambiente e o clima têm-se vindo a tornar temas cada vez mais prementes na agenda da ONU. Na última edição da cimeira do clima (a 28.ª, que decorreu no Dubai em 2023), Portugal esteve representado com um pavilhão. Aí, os 197 países participantes assumiram o compromisso de abandonar progressivamente os combustíveis fósseis nos sistemas de energia, “de forma justa, ordenada e equita tiva”. Portugal subscreveu, também, a declaração.
Segundo disse o Governo após a aprovação do documento, “um acordo global assume grande importância” para o país, “particularmente exposto” às alterações climáticas.
Considerando que “os esforços coletivos atuais ficam aquém do necessário para cumprir o Acordo de Paris e para limitar o aquecimento global”, o Governo saudou a declaração, que diz “acelerar a ação global e coordenada, estabelecendo metas concretas já para a década de 2030”.