Agência do Ambiente recua e garante que vai abrir Lagoa de Santo André
Quando há cerca de duas semanas o presidente da Câmara de Santiago do Cacém recebeu um e-mail da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), desfez as dúvidas: este ano não havia intenção de abrir a Lagoa de Santo André. A notícia espoletou uma onda de protestos, encabeçados pela própria autarquia, e que redundaram ontem numa manifestação popular junto à lagoa. Autarcas, ambientalistas, pescadores e outros agentes locais concentraram-se para fazer valer como a abertura da lagoa é importante.
Na comunicação da APA para o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), enviada com o conhecimento do presidente da câmara, a que o DN teve acesso, ficava claro que a medida se prendia com questões orçamentais, em primeiro lugar. Mas não só. “A Agência Portuguesa do Ambiente foi sujeita a uma cativação orçamental no início do mês de janeiro do corrente ano, o que veio criar fortes constrangimentos a esta entidade, não sendo por isso possível contratar os serviços relativos à abertura ao mar da Lagoa de Santo André”, pode ler-se.
Nesse extenso documento, o presidente da APA lembra que “compete ao ICNF, IP, promover a abertura ao mar da Lagoa de Santo André, recorrendo sempre que possível à colaboração da Câmara Municipal de Santiago do Cacém, da Direção Regional dos Recursos Florestais e de outras entidades públicas ou privadas, de forma a permitir a renovação das águas e o repovoamento natural por organismos aquáticos de origem marinha, com recurso às técnicas que forem consideradas mais adequadas e tendo em atenção o impacto desta ação de gestão sobre todas as componentes do ecossistema lagunar e marginal”.
De resto, enfatizava ainda que “a abertura ao mar deve procurar minimizar eventuais impactos negativos sobre as espécies e habitats de conservação prioritária presentes no ecossistema lagunar, respeitando alguns princípios”, nomeadamente a abertura ser feita “uma vez por ano, preferencialmente em data anterior a 15 de março”, sendo que “o recurso a datas posteriores apenas pode ser considerado em circunstâncias excecionais e após devida ponderação das suas vantagens e inconvenientes, com particular atenção para os efeitos prováveis sobre as aves aquáticas nidificantes”.
Água “com níveis de oxigénio adequados”
“Nesta presente data, a água da Lagoa de Santo André apresenta níveis de oxigénio dissolvido adequados, não evidenciando problemas de qualidade que potenciem eutrofização e possui um volume de água bastante superior ao dos anos de 2023 e, sobretudo, ao de 2022, ano em que a lagoa não foi aberta ao mar devido à muito baixa quantidade de água, não se tendo então registados quaisquer problemas de degradação da qualidade da água e, além disso - e de acordo com informação da comunidade piscatória local -, coincidiu com um dos melhores anos de sempre para a pesca comercial da enguia”, sublinhava André Matoso.
Até que, ontem, quando já soavam notícias do protesto, Álvaro Beijinha recebeu um contacto do vice-presidente da APA, José Carlos Pimenta Machado, garantindo que, afinal, a decisão voltara atrás.
“Decidimos manter o protesto porque há aqui outras questões que se levantam, para o presente, mas também para o futuro, explica ao DN o autarca de Santiago do Cacém. Tem sérias dúvidas de que seja cumprida a data limite de 15 de março, que consta do regulamento, mesmo com este recuo da APA. Porque nem sequer foram tratados “todos os procedimentos a que obriga a contratação pública”. “Quando é mais tarde, o ICNF normalmente opõe-se. E normalmente, só com intervenção direta da tutela é que há orientações para abrir”, explica Afonso Beijinha, habituado a ver “a APA com uma posição e o ICNF com outra”.
“Nós consideramos há muito que a forma como a Lagoa tem sido aberta ao mar não é a mais correta”, afirma o presidente da câmara, exemplificando: “Em vez de ficar aberta ao mar por um período mais longo de tempo, acaba por fechar logo, porque o processo é mal feito.” Já teve ocasião de transmitir isso mesmo ao secretário de Estado, por mais do que uma vez. A última aconteceu em novembro, quando Hugo Polido Pires esteve no local, com o objetivo de “articularmos uma solução conjunta, entre a APA, o ICN, a câmara, e até ouvido os próprios moradores locais, e os pescadores, que conhecem a Lagoa desde sempre”, conta o presidente da autarquia. O governante concordou, ficou de marcar uma reunião para janeiro, mas tal nunca aconteceu.
Álvaro Beijinha defende que a Lagoa de Santo André “deveria ficar aberta pelo menos uns dois ou três meses”, permitindo que a entrada do mar, em maré cheia, facilitasse uma renovação do ecossistema. “Para nós há uma questão fundamental, que tem a ver com as enguias”, adverte o presidente, lembrando que se trata de uma iguaria muito importante para a restauração, para a economia local.
Ao lado do autarca esteve também o presidente da Junta de Santo André, David Gorgulho, que mobilizou os fregueses para o protesto. “É uma situação gravíssima e de desrespeito enorme pela população e pelas autarquias. Por isso esta ação de protesto serve para todos juntos alertarmos, lutarmos para que seja possível salvar a nossa lagoa de mais uma atrocidade”, disse o autarca.