Aeroporto de Lisboa é visto com atenção da sociedade civil desde a morte do cidadão ucraniano Ihor Holmeniuk.
Aeroporto de Lisboa é visto com atenção da sociedade civil desde a morte do cidadão ucraniano Ihor Holmeniuk.Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens

Aeroporto: advogados denunciam que PSP os impede de atender estrangeiros retidos

A PSP afirma ao DN que os procedimentos operacionais e administrativos "em nada diferem" dos realizados pelo antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
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"A PSP que está a ter uma postura muito mais autoritária do que o SEF tinha”. A avaliação é do advogado José Gaspar Schwalbach, impedido recentemente de ter contacto directo com um cidadão cuja entrada em Portugal foi recusada. Schwalbach, que defendeu em tribunal a família de Ilhor Homeniuk, agredido até à morte nas instalações do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), afirma que a situação no aeroporto é “grave”. 

Ao DN, conta que a PSP não o deixou aceder à sala onde poderia ter contacto com um cidadão estrangeiro. Schwalbach, é um dos advogados que atua em regime de plantão no local, serviço que funciona desde março de 2021, após acordo fechado com a Ordem dos Advogados (OA). “Sem acesso aos clientes não podemos prestar uma boa assistência jurídica”, justifica.

A PSP confirma que não deixou o profissional aceder à área, com a justificação de que o advogado não havia sido chamado por nenhum estrangeiro, como é o procedimento padrão. “O advogado da escala solicitou o acesso à área reservada do Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT), a pretexto de querer verificar quantos cidadãos estavam instalados, falar com os mesmos e fazer utilização das salas existentes no espaço reservado”, refere a PSP a este jornal.  A mesma força de segurança afirma que a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) abriu um inquérito para apurar o ocorrido e que não pode se pronunciar com pormenores por conta da investigação.

José Gaspar Schwalbach cita outras situações, nomeadamente que viu dois jovens de Timor Leste “a chorar” porque pediram advogado e lhes foi negado.“Passado um dia, mandaram-me uma mensagem dizer que foram expulsos para Timor. Portanto, é falso que eles deem apoio”, critica o advogado.

Ao caso de José Gaspar Schwalbach soma-se uma queixa-crime apresentada pelo advogado Nelson Tereso contra agentes da PSP que o impediram de ter acesso a dois clientes detidos no EECIT em fevereiro. “Abuso de autoridade. Dá-me a ideia que os direitos ali naquela área internacional do aeroporto são letra morta”, denuncia o profissional, contratado numa manhã de domingo para atender um casal de brasileiros que, mesmo com título de residência válido, ficaram detidos mais de 48 horas no aeroporto de Lisboa e depois foram liberados “sem nenhuma decisão, como se nunca tivessem lá estado”.

Depois de se ter identificado aos agentes como advogado  por telefone por volta das 10h da manhã já no aeroporto, Tereso conta que já passava das 16h e tornou a ligar e teve o “telefone desligado na cara duas vezes”. Foi quando o profissional e o colega que o acompanhava foram até à esquadra da PSP e efetuaram a queixa-crime, já enviada ao Ministério Público. “Eu sou advogado há 27 anos e nunca tinha acontecido uma coisa igual, e eu lido muito perto com os órgãos de polícia criminal e fiquei indignado, chegámos a um ponto em que não podíamos exercer a nossa profissão, porque a polícia não estava a deixar que nós cumpríssemos o nosso papel”, relata ao DN.

Por volta das 19h o profissional foi autorizado a reunir-se pessoalmente com os clientes, detidos desde às antes das 7h, sem comida e água. 
Além da queixa-crime já registada, o advogado  vai apresentar uma queixa junto da Direção Nacional da PSP, para eventual instauração de processos de investigação e levar o caso ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados. 

Ao DN, a PSP afirma que o casal foi detido porque “surgiram dúvidas quanto ao cumprimento das regras legais que habilitam tais cidadãos a entrarem em Território Nacional”. Sobre o horário de encontro com o advogado, as autoridades não confirmam com exatidão, apenas refere que foi ainda no primeiro dia da detenção. Segundo a força de segurança, os procedimentos adotados no aeroporto “em nada diferem” dos realizados pelo antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

“É como se tivessem medo que as pessoas conhecessem os seus direitos”

De acordo com João Massano, presidente do Conselho Regional da OA, há mais relatos de advogados sobre a atuação da PSP no aeroporto. “É como se tivessem medo que as pessoas conhecessem os seus direitos”, diz. Massano explica que, por lei, todas as pessoas que chegam ao país possuem o direito a ter aconselhamento jurídico, situação reafirmada em um comunicado divulgado pelo Conselho Regional após o caso apresentado por José Gaspar Schwalbach . “O que nós temos de fazer é permitir o acesso sempre a um advogado, para as pessoas conhecerem os seus direitos e depois, naturalmente, os tribunais e as entidades administrativas competentes tomam as decisões, não é deixar as pessoas da forma que me é relatada pelos colegas, à espera, sem condições e sem acesso ao advogado”, argumenta o advogado.  

Segundo Massano, nem todas as pessoas sabem do direito e que o serviço de advocacia é disponibilizado gratuitamente, informação rebatida pela PSP.  “ Todos os cidadãos estrangeiros com entrada recusada são notificados por escrito da decisão e contém uma menção expressa dos direitos (...), nomeadamente a possibilidade, querendo, de requerer assistência jurídica”. 

Também é entregue um panfleto informativo, concebido pela Organização Internacional das Migrações (OIM), em diferentes idiomas, onde estão escritos “todos os direitos que assistem a um cidadão estrangeiro que viu recusada a sua entrada em território nacional”. A direção nacional do órgão ainda complementa que “são facultados os meios de contacto para com um advogado à sua escolha”, caso não queira fazer uso do profissional em regime plantão por meio do protocolo com a Ordem dos Advogados.

Ao assumir o serviço no aeroporto, os agentes que atuam no local receberam uma formação adicional  em temas como  o quadro jurídico e regulamentar, técnicas de intervenção policial em ambiente condicionado, técnicas de comunicação, gestão de conflitos e técnicas básicas de emergência. A PSP avalia que a formação “se tem relevado útil e ajustada às tarefas policiais ali desenvolvidas”.

João Massano afirmou ao DN que já solicitou uma audiência com o Ministério da Administração Interna (MAI) para tratar do tema, mas, com a mudança de Governo, o encontro ainda não aconteceu. Margarida Blasco, que já foi Inspetora Geral foi recém empossada como titular da pasta. “É urgente que o Ministério da Administração Interna intervenha e faça cessar esta violação de Direitos dos Cidadãos que chegam ao nosso País e que são impedidos de ter acesso a Advogado”, refere a nota do Conselho Regional e reforçada por Massano ao DN. 

A recomendação de ter um advogado desde o iníco dos procedimentos é um consenso entre a Ordem dos Advogados e a A IGAI. Recentemente, a Inspeção publicou a recomendação de número 2/2024, em que defende a permissão de assistência jurídica na segunda linha de controlo, isto é, depois que o estrangeiro é sinalizado e quando as autoridades realizam uma avaliação pormenorizada da documentação apresentada, com objetivo de decidir se autoriza ou recusa o cidadão a entrar no território nacional. A IGAI reforça que “não poderá ser recusado tal apoio jurídico, por se tratar de um direito constitucionalmente garantido” e que a decisão “afeta a esfera jurídica do cidadão estrangeiro”.

A medida é também defendida pela OA, que garante estar atenta à situação das chegadas de estrangeiros ao território nacional desde o início deste mandato. A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro visitou as instalações do aeroporto em janeiro e conheceu três cidadãos congoleses que não sabiam do direito de ter assistência jurídica. 

Em entrevista recente ao DN, a bastonária abordou o assunto. “A maioria das pessoas nem sabe que pode pedir a assistência jurídica. E isso é uma das coisas que nós chamamos a atenção das autoridades, porque aquilo pode ser uma situação aterrorizante”, explicou Fernanda de Almeida Pinheiro. “Cabe ao Estado garantir todas estas condições para que as pessoas possam exercer livremente os seus direitos de proteção internacional”, complementa a bastonária. A jurista pontua que também pode estar em causa a segurança de vítimas de tráfico internacional e que os órgãos de polícia criminal sejam “ainda mais treinados” para esta atuação. 

“Se a vítima estivesse sozinha com o advogado para explicar a sua história, antes de começar a ser entrevistada, poderia ajudar a que ela contasse com maior grau de confiança a sua história, para que nós a conseguíssemos ajudar”, defende a bastonária. Em Portugal, o crime teve 32 vítimas sinalizadas em 2022 e 54 no ano anterior, conforme estatísticas do Relatório Anual de Imigração, Fronteiras e Asilo. 
Sobre o caso específico denunciado por José Gaspar Schwalbach, a OA afirmou ao DN que só vai manifestar-se quando “tiver toda a informação para poder tomar uma decisão”, o que ainda não ocorreu. 

amanda.lima@globalmediagroup.pt

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