Açores. Três milhões de prejuízo com fraude em passagens aéreas
O esquema não é inédito. Já tinha acontecido em julho de 2019, na Madeira, mas também nos Açores, em janeiro do mesmo ano. Trata-se de obter lucros ilícitos através do subsídio social de mobilidade. Este subsídio é atribuído a residentes nas regiões autónomas e cobre uma parte do valor das passagens, entre os arquipélagos e para o continente.
Desta vez, voltou a acontecer nos Açores. “Isto é uma investigação que se iniciou no final do verão de 2023, quando começámos a obter informações, por parte dos CTT, de pedidos de reembolso muito suspeitos, em que estavam encerrados alguns indícios de práticas de fraude”, começa por explicar ao DN Renato Furtado, diretor do Departamento de Investigação Criminal dos Açores.
“Fomos desenvolvendo a nossa investigação, obtendo os nossos indícios, e desde o dia 12 deste mês que arrancámos com a Operação Mayday. Não se reporta a nenhum problema no âmbito da segurança aérea mas sim a uma preocupação de fraude e da forma como ela está a delapidar erário público, na ordem de vários milhões de euros”, avança o mesmo responsável.
O esquema rendeu de tal maneira, que o prejuízo total para o Estado ainda não está apurado. “Os valores não estão totalmente quantificados nesta fase, porque é uma escala muito significativa de transações de passagens aéreas. Nesta fase não é possível determinar objetivamente qual é o valor exato mas é bastante elevado: no mínimo é superior a três milhões de euros”, adianta Renato Furtado. “No mínimo!”, reforça.
A Polícia Judiciária (PJ) deteve noves pessoas - seis homens e três mulheres - e apreendeu 460 mil euros em numerário e cheques emitidos pelos CTT. No âmbito da Operação Mayday foram ainda apreendidos “11 veículos de alta cilindrada mesmo caros, como Lamborghini, Mercedes, Tesla ou BMW, da valor patrimonial muito elevado, e uma embarcação”, revela Renato Furtado. “Reunimos fortes indícios dos crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, fraude na obtenção de subsídio e branqueamento de capitais”, confirma este responsável da PJ dos Açores.
Ao mesmo tempo, Renato Furtado explica como funcionava o esquema que lesou o Estado em, pelo menos, três milhões de euros. “Abriram duas agências de viagens, na Ilha Terceira e, a partir do momento em que se instalaram no mercado, por alturas do verão do ano passado, disponibilizaram um conjunto de viagens a preços muito abaixo do valor de custo das mesmas, junto das companhias aéreas. Tinham viagens a 10, 25 ou 50 euros, consoante a tipologia do cliente: fosse um estudante, alguém de certas categorias profissionais ou ao público em geral”.
Estes baixos preços atraiam a clientela. “Com isto pretendiam ter uma escala de movimento e de venda de passagens que potenciasse a subsequente fraude”.
Ao cliente era passada a respetiva fatura, com o valor pago. Depois, como explica Renato Furtado, “emitiam uma nova fatura, em nome de um colaborador da agência de viagens - normalmente alguém muito próximo, um familiar ou amigo - e, nessa segunda fatura, adulteravam o valor da tarifa aérea para valores acima dos efetivamente pagos”. Havia ainda outro esquema: “Na segunda variante de atuação, mantinham o valor da tarifa aérea mas metiam valores de taxas de serviço exorbitantes, por vezes acima de três mil euros. Esta taxa de serviço que eles colocavam na segunda fatura não se destinava a ser paga pelo passageiro mas sim para apresentar nos CTT, para obtenção do subsídio social de mobilidade. Portanto, não havia problemas, porque eles não entravam em concorrência com o restante mercado. Era uma forma de defraudar em muitos milhões o erário público”, explica o diretor do Departamento de Investigação Criminal da PJ dos Açores.
“A segunda fatura era emitida para um funcionário da empresa que levava consigo uma cópia autenticada do cartão de cidadão do passageiro que, efetivamente, voou com aquela passagem. E era isto que legitimava todo o procedimento para que os CTT pudessem pagar todos os valores que estavam faturados naquele documento”.
A fraude era facilitada por uma falha legal perante a qual, apesar de não ser a primeira vez que leva a estas situações, nada tem sido feito pelos governos regionais. “Quando é uma abordagem particular, tem de ser o próprio a fazer os levantamentos. Quando é uma abordagem empresarial, os CTT podem fazer essa atribuição a um funcionário dessa entidade empresarial [agência de viagens], desde que tenha uma cópia autenticada do cartão de cidadão do passageiro que voou, bem como os restantes documentos necessários, nomeadamente os cartões de embarque”, acrescenta Renato Furtado. “É uma autêntica subversão dos princípios aplicados ao subsídio de mobilidade”, conclui.