“A Virgem fez o milagre em Fátima como prova da existência de Deus”
Reinaldo Rodrigues

“A Virgem fez o milagre em Fátima como prova da existência de Deus”

Em Lisboa para apresentar 'Deus, a Ciência, as Provas', de que é co-autor, Michel-Yves Bolloré, engenheiro informático, empresário e mestre em Ciências, fala ao DN deste projeto.
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Em pleno século XXI, como explica que dizer que ciência e fé não são necessariamente contraditórias e usar a ciência para provar que Deus existe ainda seja polémico?
Falamos muitas vezes de ciência e de fé, mas não é uma questão de fé. A fé é uma adesão. Podemos acreditar em Deus mas não aderir a Deus. Em filosofia, os deístas, como Voltaire, eram pessoas que no século XVIII diziam: “eu acredito em Deus, mas não me interesso por Deus e Deus não se interessa por mim”. Nós neste livro não estamos num diálogo entre a ciência e a fé - procuramos apenas saber se existe um espírito superior que criou o universo. Se esse espírito se chama Iavé, Alá ou outra coisa qualquer, pouco importa. Hoje o que é importante é que, através da razão e através da ciência, podemos chegar à certeza que existe um espírito criador do universo. E porque é que isso é tão apaixonante? Porque a questão da existência de Deus é logo sentida pelas pessoas como uma limitação à sua liberdade. Ou seja, se Deus existe, é obrigatoriamente um tirano e vai dizer-me coisas que não tenho o direito de fazer e vai julgar o que fiz no passado. Ora eu não quero que julguem o que fiz no passado, não quero que me digam o que tenho de fazer. Quero ser livre - ni Dieu ni maître. Por isso não quero que Deus exista, porque se existir a minha liberdade é limitada. Tudo isto é falso. Mas é preciso compreender que é uma reação epidérmica da parte da maior parte das pessoas. Deus existe é uma questão passional, mas posso dar-lhe outra questão semelhante que não é: será que os marcianos existem? Alguém que nunca vimos, que talvez exista mas não sabemos. Mas quando perguntamos se os marcianos existem, toda a gente fica calma, sorri - “ah, eles existem, ainda bem”, “ah, não existem, que pena”. E porquê? Porque os marcianos não têm impacto na nossa vida. Enquanto Deus é muitas vezes visto como um tirano. 

Como é que um empresário, engenheiro de formação, mas também católico, decide um dia escrever - com Olivier Bonnassies - este livro?
O assunto fascinou-me a vida toda, talvez desde os meus 18, 19 anos. Era ao mesmo tempo engenheiro e cristão - por isso esta questão sempre me fascinou. Mas esperei até 2017 ou 2018, quando conheci Olivier Bonnassies, que é formado na École Polytechnique, a maior escola de matemáticas francesa, e apercebemo-nos que tínhamos ideias comuns sobre este assunto e que havia um livro que gostaríamos de ler, mas que ainda não existia. Era um livro com um panorama explicativo da existência de Deus - na ciência, na filosofia, na moral, na história, nos enigmas históricos, etc. Então decidimos escrevê-lo, escrever um livro muito preciso, mas para toda a gente. Eu, por exemplo, pensei na minha família quando o escrevi. Tenho três filhos e tenho um genro que é americano e agnóstico. Escrevi um pouco para ele, pensei “o que é que lhe quero dizer”. Mas também para outras pessoas da minha família. Quando vejo jovens a ler o livro e a interessarem-se, fico muito feliz. 

Foi por isso que decidiu fazer com que o livro, por vezes, interpele o leitor, o obrigue a tirar a sua conclusão?
Sim, porque é para ele. Não é uma tese de doutoramento. O que quero é que este livro possa ser lido por qualquer pessoa com mais de 16 ou 17 anos. E os capítulos são muito independentes uns dos outros. É como um buffet, podemos por exemplo ler apenas o capítulo sobre Fátima, ou só o capítulo sobre Jesus, ou só o capítulo sobre a morte térmica do universo

O livro está dividido em duas partes. Uma sobre as provas ligadas à ciência e outra sobre as provas não científicas. Sendo o Michel-Yves católico, tal como o Olivier Bonnassies, isso não torna as vossas conclusões imediatamente enviesadas?
Claro que somos sempre influenciados por aquilo que somos. Dito isto, é interessante porque, no caso do Olivier, que estudou na École Polytechnique, aos 20 anos ele era ateu. Foi ao ler livros que descobriu que podíamos provar a existência de Deus através da razão. No caso dele, toda a sua família era ateia. E ele converteu toda a família - o irmão até se tornou padre. Isto prova que quando temos espírito aberto, quando colocamos a questão, a razão dá-nos elementos convincentes e isso é acessível a toda a gente. 

Habituámo-nos a que as relações entre Igreja e ciência sejam um pouco tensas - dá-se sempre o exemplo do Julgamento de Galileu. Mas a Igreja ensina que a fé cristã e a ciência são complementares. Hoje é mais a ciência que desconfia da Igreja do que a Igreja que desconfia da Ciência?
Sim, sem dúvida. No livro há uma questão histórica muito interessante que é que desde o Renascimento e até 1900, durante 400 anos, todas as descobertas que foram feitas, desde Copérnico até Darwin, talvez até um pouco mais tarde, pareciam dizer que não precisamos de Deus para explicar o Universo. E se não precisamos de Deus para explicar o Universo, é fácil dizer que então ele não existe. Essa vai ser a posição de todos os intelectuais. Pior, em meados/finais do século XIX não só dizem que não precisamos de Deus para explicar o Universo, como surge a ideia de que Deus é prejudicial aos Homens. torna-os infelizes. Estamos a falar de Freud e Marx. Marx dirá que a religião é o ópio do povo. E Freud vai dizer que se somos infelizes e complexados, é porque aprendemos uma data de coisas parvas quando éramos crianças. Portanto Freud e Marx não só disseram que Deus não existe, como disseram que é preciso suprimi-lo totalmente, é preciso destruí-lo e só assim o povo será feliz. Quando chegamos a 1900 podemos dizer que 80% ou mesmo 90% dos intelectuais são ateus. Isso vai provocar revoluções em quase todos os países ocidentais, porque tem impacto político. Provocou a revolução de 1917 na Rússia. Também na Alemanha, uma vez que Hitler e os nazis são ateus. Mussolini, em Itália. Em França em 1905, no México, etc. Vai haver revoluções socialistas ateias um pouco por todo o mundo. Fala-se dos conflitos entre Ciência e Igreja, e foram verdadeiros, mas também foram instrumentalizados por pessoas que rejeitavam Deus. Temos esta imagem no livro [pega no seu exemplar em francês e abre numa dupla página] que mostra a evolução da crença em Deus no Ocidente. É muito alta na época de Copérnico, quase toda a gente acreditava em Deus, depois seguem-se Galileu, Newton, Buffon, que vem explicar que a Terra é muito antiga, Laplace, que diz a Napoleão que não precisa de Deus para explicar o movimento dos planetas, Lamarck, com a evolução, e Darwin, a evolução através da seleção natural. Marx, Freud. E nessa altura quase todos são ateus. Há uma inversão. Mas o que surpreende é o que se passa num único século em que a ciência vai dizer o contrário: se queremos explicar o universo, não podemos abdicar de Deus.

Voltemos a Fátima, um acontecimento que, segundo o Michel-Yves e o Olivier, só tem uma explicação possível: é um milagre.
Para mim a questão de Fátima não é religiosa. Não falo de Fátima no plano religioso. Não quero saber o que a Virgem disse às pessoas, o que lhes pediu para fazer. Nós propomos um jogo aos leitores, e até lhes damos um prémio. O jogo é: passou-se alguma coisa, isso é certo. Dê-nos uma explicação natural, plausível. Ora, o caso de Fátima é muito particular porque é o único milagre que foi anunciado antecipadamente, inclusive em jornais anticristãos, já que Portugal era anticristão. Houve 70 mil pessoas, que foram convocadas por crianças analfabetas, que disseram que naquele dia, ao meio-dia, se ia passar algo. Então quais são as possibilidades: não aconteceu nada; foi um fenómeno meteorológico; foi um fenómeno cosmológico; foi uma alucinação; foi um embuste. Não há mais explicações. E se chegarmos à conclusão que nenhuma destas é possível, então só resta admitir que foi um milagre. Recebemos imensas cartas de pessoas que achavam vergonhoso misturar um capítulo sobre um milagre em Fátima com um livro de ciência. Eu respondi: enviem-me uma explicação para o que se passou e eu rasgo o capítulo e meto-o no lixo. Houve muitas críticas mas nunca ninguém… na verdade, sim…

Deus, a Ciência, as Provas
Michel-Yves Bolloré e Olivier Bonnassies
Dom Quixote
584 páginas

Houve alguém que lhe mandou uma explicação?
Houve alguém que nos escreveu a dizer que estávamos enganados e que talvez tivesse sido o Diabo. Respondemos à pessoa que o objetivo do livro era o de provar que Deus existe. Ora se o Diabo existe, Deus existe. Logo, chegámos à mesma conclusão. Houve ainda outras pessoas que disseram que foram marcianos. Bom, é bastante cómico porque se Deus não existe mas os marcianos existem, porque é que viriam a Portugal pedir a pessoas analfabetas para acreditarem em Deus? Estas foram as explicações. Mas o jogo é interessante e propomos às pessoas que o joguem de forma honesta. 

É por isso que reproduzem fotografias e artigos de jornais da época, inclusive do Diário de Notícias? Podemos dizer que os media da época, como os de hoje, têm dificuldade em reproduzir aquilo que não compreendem?
Sim, porque continua tudo igual. Porque todos sabem que a questão da existência de Deus continua a fascinar. Deixa as pessoas curiosas. Mesmo grandes sábios ateus a consideram fascinante. Se ler a citação 66, nela George Wald, que não é um sábio da Idade Média, é um cientista do século XX, que ganhou o Nobel da Medicina, diz “isto deixa-nos com uma única conclusão: que a vida foi criada por Deus. Não o posso aceitar por razões filosóficas porque não quero acreditar em Deus. Logo, escolho acreditar no que sei ser cientificamente impossível”. É formidável porque ele não é o único. E tem a ver com aquilo de que já falámos: a ideia que as pessoas têm que Deus é um tirano logo preferem negar a sua existência. É mentira, mas é por isso que as pessoas reagem. Como não querem Deus, não querem um milagre. Porque se aceitarem que é um milagre, então a conclusão é que foi Deus.

Escrevem no final do capítulo sobre Fátima que este milagre aconteceu para que as pessoas acreditem…
Há duas características extraordinárias em Fátima. É o único milagre, que eu saiba, que foi anunciado com antecedência nos media anti-cristãos. Um dia, um local, uma hora. A segunda é que todos os milagres são feitos para fazer bem às pessoas. Cristo devolveu a visão aos cegos, fez andar os paralíticos, curou os doentes, devolveu a vida a uma menina morta. Portanto, há milagres para ser bondoso. Mas há sempre um objetivo. O que é interessante em Fátima é que este milagre não serve para nada. Não tem qualquer finalidade. Então para que é que aconteceu? É a própria Virgem que o diz: “faço um milagre para que todos acreditem”. Ela fez o milagre em Fátima como prova da existência de Deus. Não tem outro propósito.

Se as provas são tão claras, porque é que as pessoas continuam a duvidar?
Pela mesma razão: porque Deus é visto como um tirano, como um juiz e um obstáculo ao conhecimento. São três acusações do Diabo contra Deus que têm imenso sucesso e as pessoas aceitam-nas como verdadeiras.

Como foram as reações ao vosso livro? Qual foi a mais surpreendente?
A reação que mais nos surpreendeu, foi o sucesso do livro. Quando o primeiro editor me propôs fazer cinco mil exemplares pareceu-me muito bem. Um livro sobre Deus não é sucesso óbvio. Sobretudo um livro com muita ciência, mesmo que esteja escrito de forma agradável e fácil de ler. Mas o nosso editor em França, que não é nada cristão, disse-me: “o vosso livro é um best-seller, vou fazer 50 mil exemplares”. E fez bola de neve. Neste momento vendemos 250 mil exemplares, apesar da hostilidade de muitos media. Hoje em França 50% dizem acreditar em Deus, contra 50% que não acreditam e isso causa grande ansiedade. Há ansiedade nas famílias, porque muitas vezes os pais são crentes e os filhos não, a mulher é crente mas o marido não. É o que acontece com a minha filha e o meu genro. E as pessoas perguntam-se “o que é que posso dizer? O que devo pensar?” Agora viram que escrevemos um livro para elas. E o interesse veio também de muçulmanos, de judeus, da maçonaria. Fiz uma conferência para 500 pessoas no Grande Templo da maçonaria, fomos capa de uma revista em Israel e fomos convidados por rádios muçulmanas. Estou muito feliz com este interesse.

Falou de França, mas o mundo inteiro está cada vez menos crente, hoje em dia a ciência é a melhor aliada de Deus?
Sim, sem dúvida. Isso irrita muita gente que estava muito satisfeita quando a ciência parecia provar que Deus não existia. Agora estão furiosos porque a ciência diz que Deus existe.

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