A Quinta, uma escola diferente. "Apesar de a nossa formação ser essa, nós aqui não somos professores”
Quem passa pela Estrada Nacional 378 , em direção a Sesimbra, nem se apercebe. Mas, atrás de um dos portões que ali está, bem junto à estrada, encontra-se uma escola. Ou, melhor dizendo, uma comunidade educativa.
Quando chegamos ao portão, tudo parece normal. Mas, quando se abre, veem-se, ao fundo, crianças a brincar ao ar livre; um cão que por ali fareja; e, à nossa esquerda, uma horta que está a ser mantida pela mãe de uma das crianças que faz parte d’A Quinta, a comunidade educativa onde os professores são tutores e o ensino é feito de forma mais “disruptiva” do que o habitual.
“Temos um cuidado enorme em não designarmos os espaços, nem a nós próprios”, começa por explicar a coordenadora pedagógica, Mónica Antunes, que nos recebe e nos guia pelo terreno. À medida que andamos, várias crianças, de diferentes faixas etárias vêm cumprimentar a tutora Mónica. “Apesar de a nossa formação ser essa, nós aqui não somos professores, somos tutores. Isto serve, até, para iniciar aqui um bocadinho desta nossa forma mais disruptiva, para começar as pensar as coisas de outra forma”, explica.
Aqui, o tempo letivo não funciona como no ensino tradicional. Os horários vão das 10.00 às 16.30, mas A Quinta funciona das 8.00 às 18.00, garantindo assim um espaço para as crianças fora das atividades letivas. Durante o período letivo, a autonomia de cada criança é estimulada e, até, incentivada. “Não fazemos as coisas por eles. Isso aplica-se desde as pequenas idades. Cada espaço, como o trampolim, tem as suas regras. Eles percebem os funcionamentos desde muito cedo, respeitam, acedem e a coisa funciona”, explica Mónica Antunes. Ali ao lado, enquanto falamos, o pequeno Tomás, de 2 anos, prepara-se para entrar no trampolim. Antes, descalça-se sozinho, sobe para uma pequena cadeira e, dali, para o trampolim.
Atualmente, A Quinta tem “perto de 50 crianças”, com as idades a irem dos seis meses aos 10 anos. Dentro desta quase meia centena, há também um aluno com autismo. Neste caso, diz Mónica Antunes, a comunidade educativa traz, algumas vezes por semana, uma “especialista em terapia e educação especial” para acompanhar e estar com a criança.
Com uma forma diferente de ensinar, o calendário escolar é, também ele, distinto. “Aqui é contínuo”, ou seja, a comunidade educativa está aberta todo o ano e fecha “apenas na semana entre o Natal e o Ano Novo”. As férias escolares são, por isso, articuladas consoante a necessidade de cada um. “Temos um mínimo de 22 dias de férias, que escolhemos tirar quando quisermos, ao longo do ano. Essas interrupções são depois agilizadas, consoante o calendário de férias dos tutores, e os pais são informados, claro.”
Apesar de não terem essa designação, n’A Quinta há também um conjunto de atividades extracurriculares, que vão desde as artes ao yoga. No recinto onde estamos, há também um espaço para as crianças dormirem quando lhes apetecer e, ainda, um refeitório.
“Nós temos o cuidado de conhecer os alunos”
Fundada em 2020 por André Rosendo, que seguiu as ideias de José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, A Quinta (parte integrante da Open Learning School) é coordenada, desde então, por Mónica Antunes. O número de crianças tem aumentado e há já planos para alargar este tipo de ensino, criando mais comunidades do tipo e, também, mais ciclos de ensino. Atualmente, há mais espaços da Open Learning School em Braga e Albergaria-a-Velha.
A avaliação, explica a coordenadora, “é feita em dois momentos: janeiro e julho, com um portefólio de competências”, que é mostrado aos pais, contendo vídeos e trabalhos dos filhos. As crianças não estão, também, agrupadas por anos, mas sim por graus de independência consoante as idades.
Com o foco a ser essa autonomia, Daniela Galveias é tutora do 1.º ciclo n’A Quinta há um ano e meio. “Já trabalhei no ensino convencional e prefiro ensinar aqui”, diz, enquanto estamos sentados no espaço equivalente à sala de aula do 1.º ciclo. “Nós aqui temos o cuidado de conhecer os alunos. Há crianças de 8 anos com maturidades diferentes e por isso são diferentes, fazem outro tipo de coisas mesmo tendo a mesma idade”, diz Mónica Antunes.
A Quinta tem recebido, também, crianças de diferentes nacionalidades e, no caso de um aluno russo que chegou, a comunicação foi feita com recurso a aplicações de telemóvel, até que tivesse capacidade de verbalizar e juntar sílabas, por exemplo.
Sendo o ensino adaptável às competências de cada aluno, Daniela Galveias destaca: “Nós temos aqui uma criança que veio do ensino tradicional, era muito fechada, muito tímida. Agora, os pais notam diferença em casa. Começou a conversar muito mais, a falar mais alto. No fundo, começou a ter maior confiança nela própria e, mesmo aqui, começámos a ver isso. Ela, aqui, começou muito fechada, com medo até de colocar dúvidas e agora não. Já é uma criança completamente autónoma e capaz de fazer as suas questões. E os pais sentiram isso. Aliás, foram eles que chegaram ao pé de mim e disseram que realmente já tinham sentido ‘esta diferença, desde que a criança veio para cá' [em setembro].”