"A pessoa que faz o bullying consegue pôr a outra com medo"
Na véspera do dia mundial de combate a este tipo de violência, o DN foi a uma escola ouvir o que pensam os mais novos
"É quando as pessoas más fazem que as boas fiquem tristes. É quando gozam, chateiam." É esta resposta pronta de Isis Gomes, de 9 anos, à pergunta "o que é o bullying". Ficou nos últimos lugares da fila que se formou no intervalo da manhã, ontem, na Escola da Glória, em Aveiro, para falar com o DN, mas não arreda pé sem dar a sua opinião. "Já vi isso a acontecer milhões de vezes. Todos os dias há meninos que gozam com outros meninos", diz, empolgada com o tema.
Em casa de Sofia Coutinho, de 10 anos, fala-se muitas vezes sobre esta problemática: "Quando a minha mãe andava na escola, gozavam com ela a toda a hora, porque era gordinha." Diz-nos que o bullying "é quando as pessoas dizem mentiras, gozam, batem e ofendem os outros", mas acha que isso não acontece na escola. Sabe, no entanto, o que faria se presenciasse um caso de violência física ou psicológica, reiterada. "Às vezes as pessoas acham que tem piada, porque não sabem o que é estar a sofrer. Não devemos fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós. Se acontece, temos de falar com os adultos. Eles não têm uma bola de cristal para adivinhar."
Rafael Nogueira também tem algumas palavras a dizer: "O bullying é quando uma pessoa bate nos outro, chateia, goza. Já me aconteceu e eu disse às funcionárias", confidencia o rapaz de olhos verdes e cabelo claro. "Podias ter-te defendido. Andas no judo para isso", responde o amigo Diogo Carrola, que tem uma opinião parecida sobre o que é o bullying. "É quando os mais velhos maltratam os mais novos, aleijam, gozam. Há um rapaz que faz isso com o meu irmão mais novo. Pensa que manda em toda a gente."
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Hoje assinala-se o dia mundial de combate ao bullying, razão pela qual o DN esteve à conversa com crianças do 4.º ano para saber o que pensam sobre este fenómeno. Na confusão do intervalo surgiram algumas respostas mais elaboradas do que outras e, frequentemente, equívocos no que diz respeito ao conceito. "Há muita confusão", reconhece Carlos Simões Cruz, professor do 4.º ano. De acordo com o também coordenador da escola, "é por isso que estão previstas formações para professores e pais durante o ano letivo, para desmistificar". Um dos problemas, refere, "é que há a ideia de que qualquer contacto físico é bullying".
Melanie Tavares, coordenadora da Mediação Escolar do Instituto de Apoio à Criança (IAC), reconhece que "por vezes há confusão em relação ao que é o bullying". "Tem de haver intencionalidade, frequência, desequilíbrio de poder. É uma situação reiterada, com intenção de magoar, humilhar, ofender", diz ao DN. Como explica Dinis Teixeira, aluno do 4.º ano, "a pessoa que faz o bullying consegue pôr outra pessoa com medo e controlá-la".
Pais desvalorizam
Os problemas relativos ao conceito estendem-se aos adultos. Segundo Melanie Tavares, existem dois tipos de posturas dos pais que estão erradas: "Tanto consideram que tudo é bullying como não dão o devido valor às queixas porque há a ideia que "quando era pequeno também levava porrada dos outros"." Quanto às crianças e adolescentes, a responsável diz que "já ouviram falar muito das coisas, mas os agressores ainda acham que não existem consequências, enquanto as vítimas acham que não vale a pena falar, porque têm medo de represálias". As próprias escolas, prossegue, "dificilmente assumem que há bullying, porque acham que assumir o problema é ter uma escola má".
Melanie Tavares diz que, nos agrupamentos onde há Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF) do IAC, os números relacionados com o bullying têm-se mantido estáveis nos últimos anos. Em 2015-16, 2,7% dos 2100 alunos sinalizados estavam referenciados como agressores e 1,4% como vítimas. Já no ano letivo passado, 2,6% entre 2747 estavam sinalizados como agressores e 2% como vítimas. "Tendo em conta que há mais alunos, até tivemos menos agressores e vítimas, mas os números andam sempre nesta ordem." Geralmente há mais agressores, porque agem em grupo, e os mesmos podem ter várias vítimas.
Mais injúrias e ameaças
No ano letivo 2015-16, a PSP registou 4102 crimes nas escolas portuguesas (agressões, injúrias e ameaças, atos de vandalismo), mais 172 do que no ano anterior. Mas não existem, no entanto, dados referentes ao bullying. De acordo com Hugo Guinote, coordenador do Programa Escola Segura, o aumento das participações criminais deve-se "sobretudo a um aumento da interação entre as escolas e as equipas do programa". O que aumentou, frisa, foram sobretudo as ocorrências menos gravosas (mais cem por injúrias e ameaças).