"A missão que eu tenho é construir sorrisos"
Uma jovem de 17 anos, natural do Estoril, já recorreu milhares de livros, cadernos e todo o material escolar para crianças de países de língua oficial portuguesa. Em plena pandemia, criou uma associação e mobilizou tudo e todos, à sua volta.
Marta Pais de Almeida só faz 18 anos em setembro, mas desde pequena que a maturidade casa bem com ela. De modo que a não precisou de atingir a maioridade para ser maior: nos gestos, nas ideias, na forma como olha para o mundo e para os outros. A data de nascimento no cartão de cidadão só a impede, por ora, de ser no papel aquilo que é na prática - a diretora de uma associação juvenil que se dedica a recolher material escolar para crianças dos países de língua oficial portuguesa.
O pai prometeu-lhes desde cedo uma viagem a África, no momento em que chegasse aos 50 anos. Vivera em Angola, e por isso sentia que uma parte do legado aos filhos teria de ser aquele. Marta, a mais nova, tinha 9 anos quando a família aterrou em Moçambique. Na viagem a Pemba, pararam em Mútua para visitar uma escola. "Eu tinha plena noção de que sempre tivera uma vida privilegiada (a família vive no Estoril), mas quando chegámos àquela escola, consegui percebê-lo de outra maneira: eram crianças de idades completamente diferentes, todas juntas, uma realidade completamente diferente. As professoras vestidas de bata branca, a matéria que lecionavam, tudo era outra realidade. Eles não tinham paredes nem mesas nem cadeiras, estavam sentados no chão. Para mim foi um choque", conta ao DN Marta Pais de Almeida.
Marta, os dois irmãos mais velhos e os pais levaram na bagagem tudo o que conseguiram, desde equipamentos desportivos e bolas ao material escolar. "Houve um momento em que a professora lhes disse que iam fazer um corta-mato. E a alegria com que as crianças ficaram, era algo que eu nunca tinha visto aqui, no colégio onde andava".
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A viagem haveria de lhe ficar gravada na memória de tal maneira, que nunca mais a largou. Ninguém diria. "Na altura, quando regressámos, a minha mãe pediu a cada um dos filhos para fazer um texto, e eu fui a única que não fiz". Mas as imagens não a largavam. Até que em 2019, as notícias do ciclone na Beira e da devastação que provocou em terras moçambicanas vieram sacudi-la do conforto. "Sempre tive uma paixão gigante pelo material escolar, pelas canetas, pelas cores. Estava a escolher canetas para colocar no estojo, e quando dei por mim tinha três canetas iguaizinhas, e pensei: eu nunca vou usar isto ao mesmo tempo, posso perfeitamente dar a quem precisa", conta ao DN, recuando até ao momento em que lhe "caiu a ficha", encaminhando a vontade pessoal para um projeto coletivo. Falou com um amigo, ambos falaram com os pais, que os advertiram para a realidade: não era assim tão simples juntar material e enviá-lo para África. Mas isso Marta só perceberia mais tarde. Foi então que o amigo se lembrou da HELPO, a Organização Não Governamental que atua em Moçambique, por forma a encontrarem um canal. "Num mês recolhemos mais de cinco mil unidades de material", recorda Marta.
Uma Associação nascida em pandemia
À medida que as campanhas de angariação avançavam, a jovem Marta percebeu que faltava um suporte institucional ao grupo. O pai, advogado, ajudou-a a colocar a Associação em marcha. E assim, em 2020, em plena pandemia, nasceu a EstuDar. Do grupo de 30 voluntários que se juntou em 2019 nem todos permanecem. Mas há um núcleo duro que se mantém, com o hábito de discutir cada problema e tentar arranjar-lhe solução. Entretanto, foi preciso constituir os órgãos sociais. Como Marta é menor, foi a irmã mais velha que se dispôs a fazer esse papel, embora na prática seja ela a diretora da associação. O resto da família também dá apoio quando é preciso.
"Acho que isto foi uma causa tão inesperada, que as pessoas à volta se quiseram juntar", conta Marta, que entretanto foi reunindo mais amigos e vontades para uma campanha de material escolar com destino a São Tomé e Príncipe.
Por causa da pandemia, em que todos os contactos se tornaram mais restritos, a associação abriu a possibilidade de doações em numerário, através de MBway ou outras formas de donativos. Chegaram até de Braga, por correio. No final, a associação faz sempre questão de mostrar a quem deu as "provas de que há sorrisos do outro lado, sempre que as coisas chegam", documentando em imagens.
O objeto social da associação abrange todos os países de língua oficial portuguesa, o que quer dizer que a EstuDar pode promover campanhas também em território nacional. A associação tem como objetivo promover a educação e a escolaridade de jovens carenciados nos países de língua oficial portuguesa, através da angariação, recolha e entrega de material escolar, procurando contribuir para melhorar as condições de aprendizagem e uma futura integração e sucesso profissional das crianças-alvo das campanhas. Através do site www.estudar.eu é possível ajudar também. Há inclusive um formulário para futuros voluntários.

A associaçã EstuDar faz questão de mostrar a quem deu as "provas de que há sorrisos do outro lado" quando o material chega.
Em setembro, quando fizer 18 anos, Marta poderá finalmente ser a presidente da direção. Ao mesmo tempo entrará na universidade, para estudar Direito. Ainda não sabe se vai ser advogada, ou se escolherá outra área. "O que eu gostava mesmo era de estar no terreno a trabalhar, um bocado com este mote de construir sorrisos. Sinto que é essa a minha missão", afirma ao DN. Aos 17 anos, também gosta de fazer o que fazem os jovens da sua idade: estar com os amigos, conversar e rir. Um encontro feliz é quando "ao final de duas horas me doem as bochechas de tanto rir". E se conseguir que, lá longe, os materiais que angaria provoquem o mesmo sorriso nas crianças que a associação ajuda, será feliz.
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