A ferramenta para travar os fogos que veio da Califórnia 
Maria João Gala

A ferramenta para travar os fogos que veio da Califórnia 

Wade Salverson está em Portugal para apresentar o Forest Resilience Bond, instrumento financeiro que mobiliza recursos do sector privado para estimular gestão florestal e prevenção de incêndios. No nosso país durante um mês, com apoio da Embaixada dos EUA, o cientista americano diz que ferramenta é aplicável por cá.
Publicado a
Atualizado a

Enquanto Portugal lutava contra fogos mortíferos, na Califórnia também os bombeiros procuravam conter as chamas que desde o início do mês já consumiram mais de 40 mil hectares de floresta e obrigaram à retirada de dezenas de milhares de pessoas das suas casas. É neste cenário que Wade Salverson está em Portugal para apresentar o Forest Resilience Bond, um instrumento financeiro para estimular a gestão florestal e a prevenção de incêndios. Uma iniciativa inovadora que o Engenheiro Florestal Sénior na Divisão de Recursos Florestais dos EUA garante poder servir de inspiração a Portugal. 

Lançado pela primeira vez na Califórnia, em 2018, o Forest Resilience Bond é um modelo financeiro que mobiliza recursos do setor privado e dos intervenientes florestais para acelerar a conservação das florestas, prevenir incêndios e gerar retorno para os investidores. Em conversa com o DN, Wade Salverson dá um exemplo: “esta ferramenta, que neste momento é exclusiva dos EUA, está a ser usada para melhorar a gestão da floresta e manipular os combustíveis florestais para a tornar mais resiliente ao fogo”. O cientista explica que tal está a acontecer numa zona onde não existia financiamento local suficiente para garantir esta gestão em larga escala. “Então encontraram alguns investidores que estariam dispostos a dar o financiamento para começar aquele projeto de larga escala. E conseguiram encontrar entidades que poderiam beneficiar do tratamento e recuperariam o investimento com o tempo”, explica o cientista. E acrescenta: “no caso do projeto na Califórnia, o beneficiário era uma empresa que tirava água de um reservatório de montanha que tinha uma barragem.” Mas as condições da floresta acima daquele reservatório eram de alto risco de incêndio. “Então, ao  desbastar a floresta e deixar um suporte resistente ao fogo, a empresa conseguiu ver um aumento na produção de água no seu reservatório, o que é um benefício direto para eles porque produzem energia hidroelétrica a partir daquela água. Então, para cada unidade a mais de água que eles recebem, conseguem produzir mais receita. E também conseguem evitar um incêndio grave acima do reservatório, o que poderia causar problemas na qualidade da água.”

Wade Salverson.

Ao longo deste mês que veio passar ao nosso país, Wade Salverson está empenhado em partilhar a sua experiência com os portugueses. “Estamos à procura de um amplo conjunto de potenciais serviços do ecossistema em Portugal, não apenas a qualidade da água. Outros serviços do ecossistema que podem impactar investidores, empresas que querem contribuir para a sustentabilidade ambiental e podem investir”, explica. Para isso, diz, “vamos visitar uma série de regiões piloto e tentar entender que tipo de serviços do ecossistema teriam potencial para o financiamento da conservação, para o fundo de resiliência florestal.”

Ora esta ideia de gestão das florestas para as tornar mais resilientes pode ajudar a combater os fogos tanto na Califórnia, com as suas imensas áreas, como em Portugal, um pequeno país onde o impacto da área ardida se faz logo mais sentir. “A supressão de incêndios é complexa. Varia dependendo do tipo de combustível, do tipo de vegetação, seja relva, arbustos, madeira, mistura de madeiras. E de acordo com isto, a abordagem para a gestão dos combustíveis difere. Na Califórnia temos todos esses tipos diferentes e é possível aplicar a comunidade arbórea e a dinâmica climática mediterrânea que temos na Califórnia ao exemplo português”, garante Salverson. 

O impacto das alterações climáticas

Nos últimos anos, os cientistas tiveram de aprender a lidar também com o desafio das alterações climáticas e tiveram de adaptar as suas técnicas e ferramentas de combate aos incêndios e gestão da floresta a esta realidade. “Um fenómeno que vemos é que as temperaturas não estão a descer tanto quanto seria desejável à noite e a humidade não aumenta - portanto numa altura em que poderíamos fazer progressos no combate ao fogo, as condições continuam a ser propícias para a sua propagação”. E, claro, as próprias florestas aprenderam a lidar com os incêndios e adaptaram-se aos fogos frequentes. “O resultado foi a contínua acumulação de biomassa durante décadas. Agora, temos milhões de hectares de floresta com condições que podem produzir um comportamento de fogo muito severo. Isso explica em parte os imensos fogos que vemos este ano nos EUA - mas é um fenómeno que já vem acontecendo há algum tempo”. 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt