Integração de refugiados. "A falta de cursos de português é um entrave"

A paróquia do Campo Grande, em Lisboa, apoiou 221 refugiados da guerra na Ucrânia, que transportou de centros de acolhimento na Polónia. Estão a tentar integrar-se mas sem um futuro à vista.
Publicado a
Atualizado a

Kateryana, Khrystyna, Alona e o pequeno Vladislav chegaram a Portugal com o apoio da paróquia do Campo Grande. A instituição religiosa mobilizou recursos para trazer ucranianos que tinham familiares no país. Ao todo 221, dos quais 49 por via terrestre e 172 por via aérea, que se espalharam por todo o país, até na Ilha do Corvo. O destino das três irmãs e do filho da mais velha era Bragança mas a ajuda prometida não se realizou, situação que se repetiu algumas vezes, dizem os voluntários que acompanham estas viagens. E foi um deles que os ajudou, levando-os para a sua terra, Águeda. Esta família e muitas outras estão a integrar-se, mas o grande problema é a falta de cursos de português não materno.

As três irmãs são de Dnipro, no sudoeste do país: Kateryana Tereshchenk, 33 anos, Khrystyna Romanova, 30, Alona Khlystova, 20, e o filho da Kátia, Vladislav Lytvynenko, (Vlad) de 8. Os homens adultos foram mobilizados para a guerra, companheiros e pai. Embarcaram no aeroporto de Chopin, na Polónia, e quando chegaram a Lisboa viram que não tinham acolhimento, como aconteceu com outras três famílias.
"Acontece muitas vezes com as redes informais, pessoas que oferecem casa, alimentação, etc., mas depois esse apoio desaparece", diz José Maria Pereira, estudante de Gestão Comercial na Universidade de Aveiro e que esteve génese da iniciativa da paróquia. É de Águeda mas estudou Direito em Lisboa e conheceu Olana, uma ucraniana de quem se tornou amigo.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia [a 27 de fevereiro], pensou nos familiares da amiga e veio para a capital para lhe dar apoio. Conseguiram uma carrinha e foram à Polónia para trazer dois primos de Olana e os filhos, cinco pessoas.

Choveram pedidos e os jovens perceberam que não podiam ficar por ali. Lançaram a plataforma Help-UKR-PT e pediram o apoio à paróquia do Campo Grande, lançaram assim as sementes de um grande projeto que terminou com o fretamento de um avião (172 pessoas e animais de estimação). Antes tinham viajado de autocarro, mais 49 refugiados. Trouxeram quem fugia da guerra e levaram alimentos, medicamentos e artigos de higiene.

Março e abril foram meses intensos para quem se envolveu em acolher o mais rapidamente possível os refugiados da Ucrânia. Um mês depois, estão por todo país. As crianças frequentam as escolas (ou acompanham online as aulas ucranianas) e há quem já trabalhe, até, quem esteja em teletrabalho. O maior problema é o ensino do português não materno, que não existe, segundo o padre Hugo Gonçalves, o pároco de Campo Grande.


"A falta de cursos de língua portuguesa é um grande entrave à integração destas pessoas, desde logo para arranjarem emprego. Diversas entidades prometeram cursos de português e, até agora, não sabemos de nenhum que tenha resultado. Os nossos ucranianos tem tido dificuldade em encontrar oferta, inscreveram-se mas não foram chamados, houve quem iniciasse um curso mas quem dava as aulas não era indicada para a função", lamenta o padre Hugo Gonçalves.


É, também, esta a perceção de José Maria: "O principal obstáculo à integração é a língua, parece algo óbvio, mas a generalidade das pessoas não fala inglês, apenas os mais jovens e os que têm cursos superiores. Conseguimos comunicar utilizando a tradução automática mas é sempre uma limitação."


Outro obstáculo que encontram é o acolhimento depender muito das entidades locais e nem todas estarem em sintonia quanto à realidade da guerra. Acabou por levar as três irmãs para a sua terra, Águeda , e contou com total apoio do CLAIM (Centro de Apoio e Integração a Migrantes). Vivem numa casa de emergência da autarquia (para socorrer vítimas de incêndios, derrocadas, etc.), que lhes fornece tudo o que é necessário. E estão a renovar quatro habitações com o apoio do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana para as famílias ucranianas, uma delas a de Kátia. Falta o passo seguinte, o trabalho, e, aí, o conhecimento da língua portuguesa é muito importante. As três mulheres inscreveram-se no Instituto do Emprego e Formação Profissional para frequentar um curso de português e ainda não foram chamadas.

"As respostas locais têm sido boas em alguns concelhos, como Águeda, mas, por exemplo, em Aveiro ou Ílhavo não têm disponibilidade de habitação. O que está concentrado é mais complicado. Este não é um problema local, é um problema global e devia ter uma resposta nacional, não estar dependentes das autarquias", critica o jovem.
A empresa que pagou o transporte de avião foi a Fundação Santander, doou 40 mil euros dos 76 mil que a paróquia angariou para ajudar a Ucrânia, contas publicadas no jornal Ágape. A Fundação uniu-se à Universidade Aberta que vai dar cursos online de língua portuguesa, oferecendo 500 a refugiados ucranianos. Estão na fase de inscrição.

Muitos dos refugiados têm famílias no Algarve, aliás Albufeira é a quinta cidade com mais vistos de proteção temporária atribuídos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (ver infografia). O que se compreende já que estão registados na região 5869 ucranianos com autorização de residência e muitos mais têm a nacionalidade portuguesa. Aqui, há dificuldades acrescidas: a falta de habitação no período balnear e os turnos laborais. "Não existem creches noturnas. O Algarve é diferente de todo o país, há trabalho ao longo das 24 horas e as pessoas não podem aceitar porque não têm onde deixar os filhos. É um entrave tanto à integração como à autonomia das mulheres e crianças", sublinha José Pereira.

Outra refugiada ucraniana que o estudante-trabalhador tem acompanhado é Alina Storchak, de 25 anos, que viajou a seu lado no avião. Veio para Portugal através de um amigo que conhecera nas redes sociais, o que fez José Pereira ficar com atenção redobrada. "Ouvíamos relatos de pessoas que tinham sido contactadas através das redes sociais para ajudar e, depois, viram-se envolvidas em redes de tráfico".


Mas este era um amigo de longa data e Alina está no alojamento que lhe arranjou em Quiaios, Figueira da Foz. "Leio muito sobre Portugal, como as pessoas são recetivas e acolhedoras. Escrevo num grupo no Facebook, algo como Portugal/Ucrânia e encontrei os primeiros portugueses. Agora somos amigos muito próximos", conta Alina. A Figueira foi o melhor que lhe aconteceu depois da guerra. "É um local muito bom para descansar depois de todo o stress que tive no caminho". Mas pondera ir viver no Porto. Alina Storchak vivia em Irpin, junto a Kiev, que deixou três dias antes da invasão da Rússia para ir viver com amigos em Kiev.

Trabalhava como diretora de marketing. Fala inglês, o que tem sido uma grande vantagem, reconhece. "Para já, não tenho problemas. As pessoas são muito recetivas e prestativas comigo. E falo inglês, o que facilita muito a minha vida aqui". Quanto ao futuro, é uma incógnita. "Todos os ucranianos esperam o fim da guerra e só então podemos tentar fazer planos".

Zoriana Husarova, 20 anos, formada em hotelaria está a viver na Ilha do Corvo, com os sogros e a filha Milana, de 5. O marido, de 35 anos, está no exército militar ucraniano. Os pais dele vivem na Ilha do Corvo e foi para lá que Zoriana e a filha viajaram. Viktor Husarova, de 67 anos, chegou a Portugal há 21, está no Corvo há 16. Trabalha nos serviços florestais e tem a nacionalidade portuguesa. A mulher, Zoia Hurasova, de 64 anos, veio há cinco, é auxiliar educativa. O casal tem, ainda uma filha e dois netos, refugiados na Polónia.

Os ordenados são baixos e pediram ajuda à paróquia do Campo Grande para trazerem a nora e a neta da Polónia. O casal vive no Corvo num quarto e, segundo eles, a autarquia tinha-lhes prometido alojamento para a família refugiada, o que ainda não aconteceu. Têm poucos meios financeiros e acabaram por lhes alugar um segundo quarto. O DN questionou o gabinete do presidente da Câmara Municipal do Corvo, José Manuel Silva, mas não obteve resposta.
Voluntários retomam vidas

Oksana Khrushch, ucraniana, foi a intérprete e quem elaborou a lista dos refugiados que iriam transportar. Fez mais de 500 entrevistas. "Choveram pedidos de todo o lado, muitas pessoas não tinham para onde ir em Portugal e não os podemos trazer, ou queriam condições especiais, outros basicamente eram turistas e houve quem arranjasse entretanto outro transporte", explica.


Oksana trabalha numa imobiliária, lidou com muitos clientes russos (vistos gold), carteira que anulou a 24 de fevereiro, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. "Não fazia sentido". Foram três semanas em que não trabalhou e não fez mais nada, argumenta que não poderia continuar assim por muito mais tempo, regressou à sua profissão.

O mesmo aconteceu com José Maria Pereira, que mudou de curso e está a estudar na Universidade de Aveiro. "Perante o que estava a ver, tantas pessoas obrigadas a sair da Ucrânia, não podia ficar parado. E, como costumo dizer, tenho recebido mais do que dei. Continuo a acompanhar as famílias, mas durante semanas não fiz mais nada, não podia ser".


O que mais o impressionou foi "a leveza, a inocência das crianças". Sublinha: "Não sou muito dado a crianças e, de repente, comecei a lidar com muitas. Não estão preocupadas, dizem que são fortes, que vão reconstruir a Ucrânia, acho incrível a sua inocência. Tem apoiado pontualmente essas famílias.


O padre Hugo diz que tiveram mais alguns pedidos de transporte, mas deram por terminada essa fase. "Tem havido muita gente a transportar os refugiados, achamos mais importante apoiar quem já cá está. Há quem não precise e queira manter-se autónomo e na esfera da família e há quem peça apoio. Também parámos de recolher alimentos e medicamentos, percebemos que havia em excesso e estava a tornar-se num problema de logística. Ajudámos na aquisição de competências, a encontrar emprego, com equipamentos como computadores. Ficámos com uma bolsa de dinheiro e que direcionamos para essas necessidades". Entre esses gastos está por exemplo a ajuda a uma pessoa diagnosticada já em Portugal com uma doença grave e que não tem aqui familiares.


Hugo Gonçalves diz que o que que mais o impressionou em todo este processo foi a ausência de barulho no autocarro que acompanhou, transportando quem estava em centros de acolhimento na Polónia. " O silêncio, o ar tenso, pesado. Entraram para um autocarro e em direção a um país que não conheciam, alguns já tinham sido rejeitados por vários transportes. Esse gelo foi sendo quebrado aos poucos, penso que perceberam que estavam seguros. Começamos a ouvir as crianças".
ceuneves@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt