Como nasceu a Open Medicine Foundation?.Chamo-lhe a minha terceira carreira. A minha formação é em diagnóstico de laboratório. Era cientista em laboratórios clínicos antes de a minha filha ficar doente. Ela ficou doente em 2006 e fiz todos os testes possíveis em laboratório, mas a maioria deles estavam normais, por isso, não tínhamos ideia do que é que estava errado com ela. A minha filha esteve acamada e, depois de irmos a 20 médicos diferentes, descobrimos que ela tinha Síndrome da Fadiga Crónica (SFC) e Encefalomielite Miálgica (EM). Então comecei a pesquisar o que era esta doença, porque não havia tratamento nem muitas investigações sobre isto. Então decidi que quando deixasse de ser a cuidadora dela - se isso fosse possível, porque estava com ela 24 horas - iria criar uma fundação para descobrir como diagnosticar a SFC e EM, e tratá-la. Os investigadores não estavam a dar atenção ao assunto, não havia financiamento, e então decidi criar a Open Medicine Foundation, em 2012, para angariar dinheiro e juntar investigadores. Sendo nós os fundadores e facilitadores, os investigadores poderiam partilhar dados e resultados. Estamos a fazer isto há 12 anos, temos 8 pessoas a trabalhar connosco e 7 centros diferentes de pesquisa colaborativa que apoiamos e financiamos. Cada centro tem um diretor e investigadores a trabalhar com eles. Atualmente estamos a financiar investigação em todo o mundo através destes centros colaborativos..Criou a Open Medicine Foundation devido à falta de recursos que encontrou aquando do diagnóstico da sua filha. Como é que a Fundação conseguiu implementar-se e abrir portas a nível internacional?.A minha formação não era no domínio da angariação de fundos ou de organizações sem fins lucrativos, mas tive de encontrar uma forma de poder financiar investigação. Começámos totalmente do zero. O meu marido trabalha nos bastidores e ajudou com todas as tecnologias que precisávamos para começar algo - primeiro com voluntários, até que começámos a ganhar dinheiro suficiente para contratar pessoas. Começámos a construir e expandir o nosso conhecimento, as nossas bases de dados. A Fundação ganhou dimensão internacional porque alguém na Europa começou uma associação sem fins lucrativos e combinámos esforços, o que fazemos já com outras organizações em diferentes países, incluindo Portugal, para espalhar a palavra do que fazemos. A Fundação foi crescendo com o tempo e começámos a partilhar o que estávamos a fazer com esperança de que alguém estivesse a prestar atenção e a validar o interesse nesta doença..A que recursos é que se pode aceder através da Fundação?.No nosso site temos muito recursos de educação médica e colaboramos com o Bateman Horne Center para educação médica também. Temos recursos que encorajamos os pacientes a ver e a levar aos seus médicos, e esse é o melhor recurso que temos. E claro, temos recursos para médicos..Considera que a semelhança de sintomas entre a covid-19 longa e a SFC e EM trouxe uma nova luz para o impacto que estas doenças têm na vida das pessoas?.Absolutamente. Uma das coisas positivas da covid-19 é que abriu uma janela para estas doenças crónicas e complexas. Estas doenças existem há anos e têm sido ignoradas, não validadas ou não têm sido consideradas doenças reais. Agora as pessoas conhecem tantas outras pessoas que ainda estão doentes depois de terem tido covid-19 e entendem que se pode ter estas doenças crónicas, elas são reais. Quando nos referíamos apenas à SFC e EM, poucas pessoas falavam ou escreviam sobre isso e, quando escreviam, era para questionar se se tratava de uma doença real. Agora sabem que estas são doenças reais, tal como a covid longa..Já há alguma explicação para esta semelhança de sintomas entre SFC/EM, e a covid longa?.Sabemos que pelo menos 70 a 75% das pessoas que tem SFC/EM sabe que teve uma infeção viral. Quando surgiu a covid-19, que foi uma grande infeção viral, sabíamos que muitas pessoas acabariam com os mesmos sintomas da SFC/EM porque várias infeções virais e bacterianas levaram aos sintomas destas síndromes. E agora a covid longa está a conduzir a estes mesmos sintomas..Em vários países as pessoas podem pedir uma baixa quando estão doentes. Com a SFC/EM pode ser um pouco diferente porque não é uma doença visível. O que pensa que os governos deveriam fazer nestes casos?.Muitas pessoas não podem receber benefícios por doença e não podem trabalhar. E é principalmente pela falta de consciência que o sistema de saúde tem quanto a estas doenças. Não há compreensão sobre o quanto estas doenças são devastadoras e debilitantes. Só porque não se consegue vê-la, não deixa de ser uma doença física. Então os governos precisam de ser mais conscientes da natureza debilitante destas síndromes e de que as pessoas afetadas por elas não conseguem realmente trabalhar. Os governos devem pelo menos contribuir para melhorar a qualidade de vida destas pessoas para que elas não tenham de se esforçar demasiado para ir trabalhar..Como é a vida da sua filha hoje em dia?.A minha filha esteve acamada durante alguns anos, mas está muito melhor agora. Posso dizer que ela é uma das sortudas que conseguiu melhorar o suficiente para viver a sua vida. Há uma percentagem muito pequena de pessoas que conseguem melhorar um pouco e ter alguma qualidade de vida. Ela perdeu o 11º e 12º anos da escola, mas conseguiu recuperar mais tarde. Também foi para a faculdade. No entanto, as recaídas são muito comuns e, por isso, estamos sempre preocupados que ela fique doentes e possa ter uma recaída que a leve a ficar tão mal quanto já esteve antes. Mas por agora, se ficar no nível em que está, pode viver a sua vida assim. Atualmente ela é terapeuta e ajuda pessoas com grandes traumas. Por isso, ela está sempre a retribuir..sara.a.santos@dn.pt