"A covid-19 foi uma tragédia mundial, mas todas as tragédias trazem oportunidades"

Garantia foi dada por Pedro Simões Coelho durante a apresentação de um estudo sobre a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Documento indica que 73% dos portugueses consideram que o sistema de saúde respondeu de forma eficaz à pandemia.
Publicado a
Atualizado a

Além da pressão exercida sobre o sistema de saúde, a pandemia obrigou ao aumento da despesa e à diminuição da atividade assistencial no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 2020. Esta conjugação de fatores resultou numa descida acentuada do Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela Nova Information Management School (Nova-IMS), que na sua última edição procurou analisar os efeitos da crise sanitária na capacidade de resposta do SNS. "Temos um índice que tem vindo a evoluir - em 2019 tinha atingido o valor de 101,7 - e que este ano tem uma queda muito significativa para 83,9. É uma queda que só é explicável pela covid-19", detalhou Pedro Simões Coelho. O investigador apresentava as principais conclusões do estudo na conferência "Sustentabilidade em Saúde", uma iniciativa AbbVie/DN/TSF, que decorreu ontem no Museu do Oriente, em Lisboa.

A análise do desempenho da prestação de cuidados no setor público, que acontece anualmente desde 2014, parte de uma pontuação base de 100 valores que sobe ou desce consoante a evolução, positiva ou negativa, do sistema em quatro dimensões. São elas a qualidade, percecionada e técnica, a atividade, a despesa e a progressão da dívida, que depois de ponderadas dão origem à nota final. "Num ano normal, deveríamos ter tido um índice de sustentabilidade, em 2020, à volta de 103,6 pontos", refere o também líder da escola de gestão de informação. Porém, e embora estes resultados sejam influenciados pelos efeitos do novo coronavírus, existem dados positivos a reter e que devem, segundo o especialista, orientar as políticas do setor em Portugal nos próximos anos. Entre eles, o registo de "mais um ano de redução da dívida vencida" em 15%, mas também a eleição, pelos cidadãos, dos profissionais de saúde como o ponto forte do sistema. "Acho que é um orgulho para os profissionais, para o SNS e para os portugueses verificarmos 84 pontos numa escala de zero a 100. É um valor absolutamente impressionante", sublinha Pedro Simões Coelho.

O anterior ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, aproveitou a oportunidade para saudar a dedicação de médicos, enfermeiros e auxiliares ao longo dos últimos 15 meses de covid-19. "Com os prédios, equipamentos e máquinas que temos, se não tivéssemos esta gente que temos e que se entrega, de facto, à causa pública de uma forma que a todos nos impressiona desde sempre, não teríamos tido estes resultados", acredita. O perito e ex-governante considera essencial "revisitar as carreiras", porque, diz, não basta agradecer e felicitar o empenho dos trabalhadores, é preciso garantir-lhes perspetivas de desenvolvimento do seu percurso profissional. Ainda sobre a doença crónica do sistema público de saúde, Campos Fernandes mostrou-se "moderadamente desiludido" com o montante previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cerca de 1383 milhões de euros, para investimento em infraestruturas e equipamentos no setor. "É pouco face às necessidades do país", defende.

Momentos antes, num discurso de abertura da conferência, Diogo Serras Lopes, secretário de Estado da Saúde, procurava realçar o contributo do PRR para questões que considera fundamentais: a prevenção e o reforço dos cuidados primários. Para esta última rubrica, o programa de investimentos prevê alocar 467 milhões de euros. Porém, apontou que "os fundos e os orçamentos não são ilimitados e vai sempre existir restrição", reconhecendo ainda a importância de "otimizar a gestão" das instituições do setor e de tornar o SNS mais eficiente.

Apesar das dificuldades sentidas ao longo do último ano, o Índice de Saúde Sustentável revela que cerca de 73% dos portugueses têm a perceção de que o Serviço Nacional de Saúde respondeu de forma eficaz aos desafios da covid-19.

"Vale a pena discutir que há uma fatia não residual, de mais de 20%, que acha que o SNS não respondeu eficazmente à pandemia", lembrou Pedro Simões Coelho. Esta percentagem pode ser explicada pela suspensão de consultas, exames, cirurgias e rastreios, bem como pela redução da procura de prestação de cuidados de saúde. "Mais de 7% [dos doentes] deixaram de recorrer a uma urgência no sistema público", acrescenta o especialista. Ainda assim, refere Simões Coelho, "a covid-19 foi uma tragédia mundial, mas todas as tragédias trazem oportunidades". Uma delas é a digitalização de parte do relacionamento entre médico e paciente através da telemedicina, método que 40% dos utentes garantem ter utilizado durante o primeiro ano pandémico.

No que respeita às lições a reter, Ricardo Baptista Leite afirma ser necessário um "melhor planeamento" e mais "flexibilidade" no sistema de saúde para evitar que, em situações de emergência, no futuro, existam patologias prejudicadas e sem resposta.

Adalberto Campos Fernandes concorda e acrescenta que "todos temos que aprender as lições, mas temos que ter bom aproveitamento" para não repetir erros. Por outro lado, pede uma "despoluição ideológica" na discussão pública sobre o papel da medicina privada e do setor social no apoio ao SNS. "Os privados, por muito que isso possa custar a algumas pessoas, também podem ser chamados a servir o interesse público", afiança.

O médico e deputado do PSD, Baptista Leite, apela também à criação de "capacidade interna de articulação entre a saúde, Proteção Civil e Forças Armadas", à semelhança do verificado na task force da vacinação, como ferramenta para melhor responder às "ameaças que vão continuar a pairar".

dnot@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt