"A ansiedade pode limitar uma pessoa a ponto de se sentir incapaz até para sair de casa"

Pedro Morgado é o coordenador do livro <em>Manual de Tratamento da Ansiedade</em>, que será lançado esta segunda-feira. Segundo este psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Universidade do Minho as perturbações de ansiedade devem continuar a aumentar nos próximos anos e alerta para que Portugal está entre os três países europeus com a maior prevalência destas perturbações.
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Já ouvi vários profissionais ligados à saúde mental falarem da ansiedade como o mal do século XXI. Concorda?

A ansiedade é uma experiência universal que garante as respostas necessárias para a adaptação a situações potencialmente ameaçadoras para a sua integridade física e psíquica. Em muitas circunstâncias é algo protetor e que contribui para melhorar a performance. O sistema ansioso desenvolveu-se ao longo da evolução das espécies para responder a ameaças que são muito diferentes dos problemas com que temos lidar no século XXI. No fundo, o nosso sistema ansioso evoluiu a fugir de leões mas agora temos que correr contra o tempo e isso faz com que o risco de desenvolvimento de perturbações da ansiedade tenha aumentado significativamente. As perturbações de ansiedade são o conjunto de doenças psiquiátricas mais frequentes e estima-se que a prevalência continue a aumentar ao longo dos próximos anos, a menos que alteremos significativamente os nossos estilos de vida.

Quais são os sinais de alerta de que se tem um problema de ansiedade?

A ansiedade pode apresentar sintomas muito variáveis de pessoa para pessoa. O mais comum é manifestar-se por preocupações excessivas, pela hiperativação dos mecanismos de alerta, por alterações do sono e do apetite e por vários sintomas somáticos como palpitações, aceleração da respiração, dores de cabeça, dores musculares, alterações gastrointestinais, sintomas urinários.

Quais são os tipos de ansiedade mais comuns?

As perturbações de ansiedade mais comuns são as fobias específicas, isto é, o medo excessivo e irracional de um animal ou de uma situação concreta, como andar de elevador ou de avião. Apesar de serem as doenças de ansiedade mais comuns, o seu impacto por vezes é menos significativo porque a pessoa não tem que estar necessariamente exposta às situações que provocam essa ansiedade patológica. Na nossa prática clínica, a perturbação de ansiedade mais comum denomina-se Perturbação de Ansiedade Generalizada, que é uma situação em que a vida da pessoa está dominada por preocupações excessivas e permanentes. É frequente que estes sintomas sejam incapacitantes e estejam acompanhados por queixas corporais. Outra doença de ansiedade relativamente comum é a Perturbação de Pânico. Nesta situação, a pessoa sofre um, ou mais, ataques caracterizados por ansiedade extremamente intensa, tipicamente com dor torácica e sensação de falta de ar. Apesar de não terem consequências físicas importantes, a pessoa acredita que pode estar a sofrer de uma doença grave e fatal.

Já existe muita gente em Portugal a procurar ajuda especializada por questões de ansiedade? Há muita gente em Portugal com ansiedade? O número tem crescido?

De acordo com os dados conhecidos, Portugal encontra-se entre os três países europeus com maior prevalência de perturbações de ansiedade. A nível global tem-se verificado um aumento da prevalência destas doenças e Portugal tem acompanhado essa tendência.

Quão incapacitante pode ser a ansiedade na vida de uma pessoa?

Existem níveis de gravidade muito variáveis. Embora as Perturbações de Ansiedade estejam invariavelmente relacionadas com níveis muito elevados de sofrimento, algumas pessoas conseguem manter uma vida aparentemente normal. Noutras situações, a ansiedade pode limitar completamente a vida a ponto de que a pessoa se sinta incapacitada para trabalhar ou até para sair de casa.

Uma equipa do Centro de Medicina Digital P5 da Universidade do Minho liderada por si lançou recentemente uma aplicação para telemóvel que promove a automonitorização dos sintomas de ansiedade e depressão por parte dos utilizadores. Fale-me desta aplicação.

A aplicação P5 Saúde Mental foi desenvolvida durante a pandemia e tem como objetivo promover o aumento do conhecimento acerca da saúde mental e também de estratégias que podem ajudar a lidar com os pensamentos e as emoções mais difíceis de gerir. Além disso é possível que cada pessoa autoavalie os seus sintomas ansiosos e depressivos para perceber se estão presentes níveis que merecem atenção por parte de um profissional de saúde.

Acha que a saúde mental é algo que já preocupa os portugueses? Ou que preocupa mais os portugueses?

A saúde mental é algo fundamental para as nossas vidas individuais, mas também coletivas. É uma dimensão que tem merecido uma atenção crescente por parte dos portugueses e isso terá consequências muito positivas a curto, médio e, sobretudo, longo prazo.

Acha que há um défice em Portugal ao nível dos cuidados de saúde mental no Serviço Nacional de Saúde, bem como ao nível das escolas?

Penso que existe uma consciência generalizada de que precisamos de colocar mais recursos na saúde mental. As respostas de saúde mental tanto no Serviço Nacional de Saúde como nas escolas têm vindo a ser melhoradas ao longo da última década mas, apesar disso, temos um longo caminho a percorrer para resolver alguns problemas de acessibilidade. A reorganização dos serviços que está a ser implementada irá contribuir para a resolução de alguns desses problemas através da criação de equipas multidisciplinares que trabalharão mais próximo das comunidades. É preciso mais investimento, mas é também necessária uma melhor organização e articulação dos recursos que já existem.

Os 85 milhões do PRR que o governo vai usar para fazer a reforma da saúde mental são suficientes? Do que conhece do plano o seu uso vai ser o adequado?

O investimento em saúde mental no âmbito do PRR é muito importante. Em primeiro porque sinaliza que o governo interpretou bem a necessidade de investimento nesta área. Em segundo por irá permitir reforçar a rede de internamentos de agudo em saúde mental, melhorar as repostas no âmbito dos Cuidados Continuados e investir em equipas comunitárias. Os investimentos previstos estão completamente alinhados com o Plano Nacional de Saúde Mental e isso é muito positivo.

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