Afonso, 21 anos, foi atropelado por um taxista em Lisboa.
Afonso, 21 anos, foi atropelado por um taxista em Lisboa.DR

373 atropelamentos com fuga. Há cada vez mais casos e família de vítima quer mudar lei

A família do jovem Afonso Gonçalves, atropelado por um taxista em Lisboa, em setembro do ano passado, conseguiu reunir as assinaturas necessárias para levar ao Parlamento proposta de alteração na lei.
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Em 2024, pelo menos uma pessoa por dia foi atropelada e não recebeu socorro de quem a atropelou, de acordo com dados provisórios da Polícia de Segurança Pública (PSP) fornecidos ao DN. No total, foram 373 registos, número que tem vindo a crescer todos os anos desde 2020. Era ano de pandemia com menos pessoas e carros nas ruas, e registaram-se 200 casos. E, após a reabertura, os atropelamentos com fuga continuam a aumentar: 244 em 2021, 337 em 2022 e 359 em 2023.

No ano passado, uma destas vítimas foi o jovem Afonso Gonçalves, de 21 anos, atropelado por um taxista na Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa. O estudante morreu e não recebeu socorro do condutor, que já havia atropelado mortalmente outra pessoa. O caso aconteceu em setembro, deixando de luto os pais e o irmão que, mesmo abalados, encontraram forças para mudar a atual moldura penal do crime em Portugal.

A família do jovem lançou uma petição, com o objetivo de levar o tema ao Parlamento. Em pouco mais de um mês, foram reunidas mais de 10 mil assinaturas, entre online e presenciais, número mais do que necessário para que o tema seja debatido na Assembleia da República. A petição pede que no caso “de a omissão de auxílio resultar na morte da vítima, o agente terá de ser punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravado na metade do seu limite máximo, tanto de pena de prisão quanto na sua vertente de aplicação da pena de multa”. Atualmente, a legislação portuguesa prevê e pune o crime de omissão de auxílio com pena de prisão de até dois anos ou multa de até 240 dias.

Ao DN, Paulo Gonçalves, pai de Afonso, conta que um dos impulsos para lançar a petição foi o sentimento de injustiça. “O impulso veio muito também daquilo que nós sentimos, principalmente naquele primeiro mês em que vimos que o assassino do nosso filho andava solto, andava em liberdade, porque ainda estavam a tentar arranjar provas para que pudesse ser decretada a prisão preventiva”, conta.

Uma investigação realizada pela TVI/CNN revelou que o autor do atropelamento estava em liberdade condicional por violação de menor e que, há quatro anos, atropelou mortalmente uma pessoa e foi absolvido, de acordo com a investigação da TV, que ainda descobriu outros crimes no cadastro, como conduzir sob efeito de álcool.

Carla Gonçalves, mãe do jovem, recorda que o dar-se conta da atual moldura penal foi outra motivação para a petição. “Nós resolvemos pôr, logo de início, um advogado a tratar das coisas e começámos a perceber a lei e o que era a omissão de auxílio. Ficámos mesmo horrorizados quando o advogado começou a explicar o processo de omissão de auxílio”, detalha Carla Gonçalves. “Eu disse: ‘Se isso é assim, então vai mudar, nem que seja o que vou fazer até o meu último dia de vida”, complementa.

Além da alteração da moldura penal, a petição pede que sejam discutidas “medidas complementares para reforçar a fiscalização, a responsabilização e a punição daqueles que, ao fugirem do local de um atropelamento, naturalmente, agravam as consequências para as vítimas”. Após uma campanha nas ruas, com protesto em Lisboa e ações nas redes sociais, e as mais de 10 mil assinaturas, o próximo passo do casal é pedir ajuda aos partidos. “Nós já falámos com a Iniciativa Liberal, que demonstrou imediatamente esse interesse em reunir-se connosco, mas pretendemos reunir com todos os partidos, porque achamos que isto é algo que tem de ser transversal, sem lugar para dogmas ou para questões ideológicas”, salienta Paulo Gonçalves.

Desde que perdeu o filho, o casal também está em contacto com outros pais e mães que passaram pela mesma situação. É o caso da família de João, um rapaz de 21 anos que morreu ao ser atropelado em Viseu, em outubro do ano passado. Paulo e Carla também dizem que sentiram “repulsa” ao ouvir um TikToker num podcast assumir que atropelou uma pessoa e fugiu sem prestar socorro. “É um crime que, no caso do nosso filho, resultou em morte. É duro de dizer e esperamos nós que seja duro de ouvir, mas parece que a única arma legal para se assassinar, para matar em Portugal, é o carro”, desabafa Paulo Gonçalves.

O casal destaca que a sua “luta não é pelo Afonso, porque já não podemos fazer nada”, mas sim a pensar nos futuros “Afonsos, para que uma família não tenha de passar por aquilo que nós estamos a passar e para que de uma vez por todas se tomem medidas eficazes e de uma vez por todas se torne esta lei justa”.

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