Mais de 30% dos utentes esperam por médico de família há mais de dois anos

Cobertura está cada vez pior e reflete-se no acesso aos cuidados de saúde. Inscritos têm dificuldades em marcar consultas e enfrentam longas esperas.
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A atribuição de médico de família a todos os portugueses é uma promessa política antiga, cada vez mais longe de ser concretizada. A esmagadora maioria dos residentes no país estão inscritos em centros de saúde (98%), mas apenas 75% são acompanhados por um especialista em medicina geral e familiar. Do outro lado estão 16% de utentes que pioraram a sua condição, porque já tiveram clínico mas atualmente não têm, e 6% que nunca tiveram. Entre aqueles que estão a descoberto, quase um em cada três (31%) espera há mais de dois anos pela atribuição de um médico de família.

A sondagem da Aximage realizada para o DN, JN e TSF confirma um cenário há muito denunciado por ordens, sindicatos e profissionais, de dificuldades no acesso aos cuidados de saúde primários, de atrasos na marcação de consultas, exames e cirurgias, com algumas assimetrias entre regiões, idades e classes sociais.

Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, em maio último, 1,3 milhões de utentes não tinham médico de família. O número tem vindo a agravar-se todos os anos - em setembro de 2019 eram 641 mil - devido às aposentações e à dificuldade em fixar e atrair médicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). O mesmo problema que afeta as urgências hospitalares, em particular as de obstetrícia, que têm estado na ordem do dia pelos piores motivos.

As maiores carências de médicos de família são na região de Lisboa e Vale do Tejo (951 mil utentes a descoberto) e a sondagem reflete isso mesmo. É na Área Metropolitana de Lisboa, no Centro e na Região Sul e ilhas que mais utentes estão sem médico (nunca tiveram ou perderam). Por oposição, é na Região Norte e na Área Metropolitana do Porto que há mais cobertura, com 89% e 87% dos inscritos a responderem que são seguidos por um especialista de medicina geral e familiar.

A análise por idades revela um dado preocupante, que pode justificar tantas idas às urgências hospitalares: os maiores de 65 anos são o grupo etário com pior cobertura, com um total de 25% a admitirem não ter médico de família.

As carências refletem-se no acesso aos cuidados de saúde. Embora 34% dos inscritos nos centros de saúde considerem fácil ou muito fácil marcar uma consulta, há 31% que dizem ser difícil ou muito difícil. Outros 31% respondem "médio" quando questionados sobre a facilidade com que conseguem marcar consulta no centro de saúde. Apesar de a cobertura de médico de família ser menor em Lisboa, é na Região Centro (34%) que mais inquiridos assumem ser difícil ou muito difícil marcar consulta, seguida da Área Metropolitana do Porto (32%).

Relativamente aos tempos de espera, 29% dos utentes inscritos em centros de saúde revelam esperar entre 15 dias e um mês entre a marcação e a realização da consulta. Um quinto espera entre um e dois meses, outros 20% menos de 15 dias e 19% esperam mais de dois meses. Curiosamente, é no Norte e na Área Metropolitana do Porto, onde há maior cobertura de médicos de família, que mais utentes dizem esperar mais de dois meses por uma consulta (24% e 26%, respetivamente).

Aliás, os atrasos nas consultas médicas no setor público são experimentados pela maioria (64%) dos utentes inscritos ou familiares próximos, como revela a sondagem. Apenas 21% respondem que não têm conhecimento destes problemas nas consultas e 15% não sabem. E mais uma vez é na Área Metropolitana do Porto e no Norte que mais utentes constatam a existência de atrasos.

Paralelamente, 60% do total de inquiridos dizem ter conhecimento, por experiência pessoal ou de familiares próximos, de atrasos nos tratamentos e nas cirurgias realizadas no SNS. As demoras são mais sentidas na Área Metropolitana de Lisboa (67%) e na Área Metropolitana do Porto (64%).

Entre os inquiridos que verificaram atrasos nas consultas e/ou tratamentos e cirurgias (69% do total), mais de metade (53%) considera que estas demoras se devem aos constrangimentos provocados pela covid-19. Outros 35% acham que a pandemia não explica as demoras e 12% não sabem. As mulheres (59%) acreditam mais na justificação da covid-19 do que os homens, assim como a classe económica mais desfavorecida (70%).

Com um Serviço Nacional de Saúde "tendencialmente gratuito" e políticas públicas de eliminação de quase todas as taxas moderadoras, com exceção das urgências não referenciadas ou que não gerem internamento, seria de imaginar um alívio nos bolsos dos portugueses. Mas não é bem assim.

Mais de um quarto dos inquiridos (27%) na sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF referem que as despesas de saúde têm um peso muito grande ou grande no orçamento familiar. Outros 36% falam num peso "médio" e 36% reconhecem ser pequeno ou muito pequeno.

As despesas com saúde afetam em particular os maiores de 65 anos e os mais desfavorecidos, com 32% a admitirem um peso grande e muito grande no orçamento social.

Curiosamente, é também nesta classe que mais inquiridos (41%) referem que estas despesas têm um impacto pequeno ou muito pequeno no orçamento, o que poderá estar relacionado com os apoios disponíveis para a aquisição de medicamentos.

A maioria dos inquiridos teve uma consulta de especialidade no último ano (74%) e o Serviço Nacional de Saúde foi a escolha de quase dois terços (centro de saúde ou hospital). Ainda assim, 19% dos inquiridos revelaram que a última consulta foi realizada num hospital privado e 14% numa clínica privada e 4% já não se lembram.

Sem surpresa, os centros de saúde foram mais procurados pelas famílias mais desfavorecidas face àquelas com maiores rendimentos, que procuraram mais os hospitais privados. As assimetrias não são tão expressivas nas consultas nos hospitais públicos, onde há uma procura transversal a todas as classes.

FICHA TÉCNICA DA SONDAGEM

A sondagem foi realizada pela Aximage para o DN, TSF e JN, com o objetivo de avaliar a opinião dos portugueses sobre a atualidade.

O trabalho de campo decorreu entre os dias 14 e 19 de junho de 2022 e foram recolhidas 804 entrevistas entre maiores de 18 anos residentes em Portugal. Foi feita uma amostragem por quotas, obtida através de uma matriz cruzando sexo, idade e região (NUTSII), a partir do universo conhecido, reequilibrada por género, grupo etário e escolaridade. Para uma amostra probabilística com 804 entrevistas, o desvio padrão máximo de uma proporção é 0,017 (ou seja, uma "margem de erro" - a 95% - de 3,46%). Responsabilidade do estudo: Aximage Comunicação e Imagem, Lda., sob a direção técnica de Ana Carla Basílio.

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