José António Saraiva foi diretor do Expresso durante 22 anos.
José António Saraiva foi diretor do Expresso durante 22 anos.Foto: MIGUEL A.LOPES/LUSA

(1948-2025) José António Saraiva, o arquiteto que nunca se sentiu jornalista

Fundou o jornal Sol em 2006, depois de 22 anos como diretor no Expresso. Começou no Diário de Lisboa Juvenil e viveu entre jornais. “Nunca deixei de ser rebelde”, disse na última crónica.
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Nunca me senti jornalista”, escreveu José António Saraiva na última crónica que assinou, a 28 de fevereiro passado, no jornal Sol, que fundou em 2006. Este derradeiro texto em forma de balanço de carreira do também arquiteto foi uma despedida, ainda que o título, cuja ironia só o próprio poderia confirmar, indicasse outra ideia: “Não é uma despedida.” Morreu esta quinta-feira, dia 6 de março, aos 77 anos, vítima de cancro.

José António Saraiva nasceu no dia 31 de janeiro de 1948, em Lisboa. De acordo com o que o próprio escreveu na sua última crónica, começou “a escrever nos jornais com 17 anos, no Diário de Lisboa Juvenil, por intermédio de Mário Castrim”, e passou por muitas redações, como A Bola, o Espaço T Magazine, A República, o Portugal Hoje.

Assim foi até que, um dia, Vicente Jorge Silva, chefe de redação do Expresso, o “convidou para ser colaborador” do semanário, onde Saraiva “já tinha longos artigos publicados”.

No mesmo texto, confirmou como as portas se abriram para a direção do Expresso, depois de recusar o lugar deixado vago por Marcelo Rebelo de Sousa, que, por sua vez, tinha aceitado um lugar no Governo, a convite de Francisco Pinto Balsemão.

“Eu era arquiteto, trabalhava no ateliê de Manuel Tainha, perto do Hotel Sheraton, gostava muito do que fazia e a ideia de me tornar jornalista não me aliciava de todo”, assumiu, antes de explicar que fez uma “contraproposta” a Vicente Jorge Silva, que passava por escrever “um texto mais pequeno, dedicado não à análise da semana, mas a um tema específico”. Foi assim que nasceu a coluna Temperatura Política, que, explicou, era “um nome anódino” que “depressa evoluiu para um mais provocatório: Política à Portuguesa.”

Foi também entre provocações que José António Saraiva se movimentou. Exemplo disso é o livro Eu e os Políticos, que escreveu e que, de acordo com o próprio, “foi objeto de grande escândalo”.

“Hoje posso dizer que o único objetivo foi corresponder à verdade e contar o que sabia com alguns filtros que usei para não entrar na esfera pessoal, como por exemplo o abuso de drogas por certos responsáveis”, escreveu.

O livro valeu-lhe um processo por parte da jornalista do DN Fernanda Câncio, por ter revelado pormenores da sua vida íntima num capítulo dedicado ao antigo primeiro-ministro José Sócrates. O Tribunal da Relação de Lisboa acabaria por, na sequência de uma providência cautelar apresentada por Câncio e outro queixoso, ordenar a retirada do livro do mercado. António José Saraiva teve ainda de pagar uma multa de 5400 euros e uma indemnização de 15 mil euros à jornalista.

“Os inimigos que verdadeiramente tive foram pessoas que mostraram menos caráter, como José Sócrates; a contrário, julgo que encontrei pessoas decentes, corretas e sensíveis”, deixou escrito o arquiteto.

“Senti-me na charneira de uma época que viveu tempos gloriosos, de vacas gordas, e que vive hoje tempos difíceis, onde só os jornalistas corajosos vão resistindo às pressões económicas e das influências”, escreveu na derradeira crónica, momentos antes de vincar: “Como arquiteto senti-me um deus.”

Numa mensagem deixada ontem na página oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa destacou um homem “dedicado à história, sobretudo à história contemporânea”, que foi igualmente “herdeiro de uma linhagem familiar também muito rica, em que avultam seu pai, António José Saraiva, e seu tio, José Hermano Saraiva”.

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