Vivemos mais anos do que a média da UE mas menos saudáveis

Desigualdades na saúde agravaram-se nos últimos anos. A média nacional é de mais seis anos de boa saúde depois dos 65

Portugal tem uma esperança de vida de 81,3 anos, acima da média europeia (80,9) e ao nível dos países mais ricos. Mas, quando comparámos os anos de vida saudável, estamos mais próximos dos países de Leste. A média nacional é de mais seis anos de boa saúde depois dos 65, enquanto a Suécia e a Dinamarca têm mais 12 (mulheres) e mais dez (homens). Diferenças que se agravaram nos últimos anos, lê-se no livro Desigualdades Sociais, Portugal e a Europa, hoje apresentado, nos dez anos do Observatório das Desigualdades.

"Verifica-se que as desigualdades em saúde agravaram-se nos últimos anos em Portugal, independentemente do sexo e idade; têm sido sistematicamente superiores às observadas noutros países europeus; e tendem a ser mais pronunciadas junto dos que auferem menores rendimentos, que são mais idosos ou têm níveis de escolaridade mais baixos", concluem Tiago Correia, Graça Carapinheiro e Hélder Raposo, sociólogos que desenvolveram o capítulo 2: "Desigualdades sociais na saúde, um olhar comparativo e compreensivo". O livro é apresentado no ISCTE-IUL, num dia em que se assinalam dez anos de atividade do Observatório.

A esperança de vida à nascença e a mortalidade infantil são habitualmente os indicadores usados para analisar o estado da saúde num país e Portugal está bem situado. "São bons indicadores e o país melhorou bastante. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi uma boa política", ressalva Tiago Correia. "O problema é que internamente há muitas assimetrias. Se pegarmos em indicadores mais finos, mais sensíveis à qualidade de vida das pessoas, como o rendimento e a escolaridade, percebemos que têm impacto nos anos de vida saudável. Podemos estar a viver muito, até acima da média da Europa a 28, mas não estamos necessariamente a viver melhor."

Depois dos 65 anos, o que normalmente coincide com "uma perda de rendimentos, de ocupação e de lugar na sociedade", estamos na média europeia (mais 21,9 anos para as mulheres e mais 18, 1 para os homens). Mas os portugueses têm maior probabilidade de sofrer de incapacidades e doenças mais prematuramente. Em média, até aos 71 sem problemas de saúde, em contraste com a Suécia e a Dinamarca (ver gráfico). "Não é só por ser população idosa... Têm tendencialmente baixa escolaridade e menores rendimentos. É o que chamamos efeitos cumulativos; menos rendimentos, pior saúde, pior saúde, menos rendimentos, é um ciclo vicioso, quase inquebrável", explica Tiago Correia.

Na população portuguesa com o ensino superior, as mulheres vivem mais 1,9 anos e os homens mais 1,2 do que os que tem um nível baixo. E, segundo os inquéritos nacionais de saúde, as pessoas sem escolaridade têm seis vezes mais probabilidade de terem "má saúde" em comparação com as que têm os ensinos secundário e superior. Por exemplo, o risco de diabetes é mais de quatro vezes superior entre as pessoas sem escolaridade e o risco de hipertensão e de doença pulmonar obstrutiva crónica é tês vezes superior.

O impacto da escolaridade é maior em Portugal e nos países do Leste do que nos mais desenvolvidos, o que significa, para Tiago Correia, que estas nações "terão mecanismos, políticas públicas, que atenuam o impacto da escolaridade". Acredita que as diferenças serão reduzidas com a mudança de gerações, o que também se deve ao SNS - "serve como um tampão para o aumento das desigualdades entre os mais e menos escolarizados" -, nas não resolve o principal problema: "O rendimento e a escolaridade são por si só variáveis muito importantes para melhorar a qualidade de vida da população."

20 mil que ganhavam mais melhoraram salário até com a crise

Portugal tem desigualdades salariais muito elevadas, o que tem mais que ver com os salários da base, que são muito baixos.

Os ordenados evoluíram a ritmos diferentes nos últimos anos e, se compararmos os 10% que estão no topo da tabela salarial com os 10% que estão na base, as desigualdades são grandes. Mas são muito maiores se reduzirmos a análise ao 1% que está no topo do topo, e que representa cerca de 20 mil pessoas. "Verifica-se uma evolução muito significativa do valor médio dos seus ganhos", conclui Frederico Cantante, autor do capítulo "A base e o topo da distribuição do rendimento em Portugal".

Em todos os níveis salariais, há uma subida maior dos ordenados mais elevados. Isto é bem visível quando se comparam os 10% mais bem pagos com os 10% que ganham menos. Uma realidade que também se verifica quando a análise é entre os 20% que ganham mais e os 20% com salários mais baixos.

A base mensal dos 10% do topo é acima dos 1900 euros, 2,4 vezes superior ao ganho mediano (791 euros). Aumenta 38% para os 5% mais bem pagos, o que representa 3,4 vezes o ganho mediano. O limite dos ordenados do 1% do topo do topo é duas vezes e meia superior ao grupo dos 10% do topo e seis vezes o valor do ganho mediano.
"Portugal tem desigualdades salariais muito elevadas, o que tem mais que ver com os salários da base, que são muito baixos, do que com os salários do topo serem muito altos. Diferente disto é o nível de concentração dos salários no grupo do topo do top. Verifica-se uma evolução muito significativa do valor médio dos seus ganhos, que estão ao nível dos salários europeus mais elevados", sublinha o investigador Frederico Cantante, também autor do relatório "O mercado de trabalho em Portugal e nos países Europeus".

Tais níveis salariais colocam a população portuguesa em grande vulnerabilidade. "Em Portugal, mas também na maior parte dos países do Leste Europeu, do Báltico e dos Balcãs, a elevada taxa de risco de pobreza é acompanhada por níveis monetários bastante baixos que, neste sentido, parecem configurar situações de pobreza absoluta. Ao contrário do que sucede com os países europeus mais ricos, o nível de rendimento dessa parcela da população coloca-a potencialmente em situações de pobreza monetária de facto. Na generalidade dos países do Centro e Norte da Europa não só a taxa de pobreza é significativamente inferior à amplitude do primeiro quintil (20% mais pobres) como o limiar a partir do qual se estabelece a linha de pobreza se fixa em níveis monetários comparativamente elevados". E "os 10% mais pobres foram os que perderam mais rendimentos com a crise".

ENTREVISTA

Renato M. do Carmo "Portugal é dos países mais desiguais da Europa"

Renato Miguel do Carmo é o diretor do Observatório das Desigualdades e um dos organizadores do livro Desigualdades Sociais: Portugal e a Europa. Doutorado em Sociologia, docente e investigador do Instituto Universitário de Lisboa (IUL), analisa sobretudo a disparidade e a distribuição de rendimentos. Um dos temas hoje em análise, no IUL, quando o Observatório assinala dez anos de atividade.

Que ideia está subjacente ao livro sobre as desigualdades em Portugal e na Europa?

O desafio que fizemos aos investigadores foi que, a partir dos temas que trabalham, perspetivassem uma análise cujo foco fosse as desigualdades sociais. O que tentamos demonstrar com este livro, e que acho que conseguimos, é que as desigualdades são multidimensionais. Não estão só relacionadas com os rendimentos, a instrução ou um determinado setor. Acabam por ser bastante transversais, o que leva a que as desigualdades sejam persistentes, a que se reproduzam.

É a razão pela qual é tão difícil de inverter essas situações?

Também por isso, é difícil inverter tendências estruturais. Depois há as desigualdades cumulativas, em que um conjunto de desvantagens e determinados rendimentos se perpetuem na sociedade portuguesa. Procurámos ir para lá dos indicadores que normalmente aparecem e que, obviamente, são importantes, mas que não esgotam todas as suas dimensões.

O que é que concluirão?

Portugal continua a ser dos países mais desiguais da Europa, não só a nível de rendimentos mas no conjunto das dimensões que são abordadas no livro, como a saúde, a educação, a ação coletiva, etc. Há um conjunto de setores em que houve um agravamento das desigualdades, nomeadamente com a crise. Houve uma redução gradual das desigualdades de rendimentos até 2009. mas depois voltaram a aumentar nos anos do início da austeridade e das medidas da troika.

Houve melhorias nos últimos anos?

Em 2015 e 2016 houve uma atenuação dessas desigualdades. É obviamente uma tendência importante, mas a questão que pomos é: até que ponto vai continuar? Até agora não estamos a falar de uma alteração estrutural. Estas mudanças levam tempo e podem levar décadas.

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