"Universidades e politécnicos têm um papel diferente e devem mantê-lo"

Com a passagem da Nova a fundação (que vai ser votada em setembro), o reitor fala das oportunidades para a instituição. Resgatar cérebros lusos lá fora é um dos objetivos
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A passagem da Nova a fundação é um grande passo?

É mais uma continuidade de uma estratégia. Ou seja, a Universidade Nova de Lisboa (UNL) está numa posição muito competitiva a nível nacional e internacional e costumo dizer que o processo de passagem a fundação é um meio que leva a que muito daquilo que já fazemos, com muita qualidade, possa ser feito com mais agilidade, numa perspetiva muito mais global de tomada de decisão, mais rápida. É um passo importante, mas também é coerente em relação ao futuro. Também não tem nada de original, porque várias universidades (Minho, Porto, Aveiro e ISCTE) já passaram a fundação. Nós preparámos este processo com muita profundidade e penso que é o momento de o poder assumir. De resto, é um processo que está agora a seguir o seu rumo, houve vários meses de debate dentro da universidade e neste momento estou a preparar, de acordo com aquilo que foram esses debates e a posição do conjunto dos órgãos da universidade, documentos que serão apresentados ao conselho geral, para serem votados em setembro.

O que é que vai mudar?

Basicamente é uma maior responsabilidade e um maior sentido de ligação dentro da universidade e com a própria sociedade. Passamos a ser mais responsáveis em relação à sociedade e podemos tomar um conjunto de decisões relacionadas com o reconhecimento do mérito das pessoas e dos grupos que estão a trabalhar dentro da universidade de uma forma muito mais ágil. Portanto, consolida a autonomia que já temos e permite agilizar decisões. Tenho esta metáfora: continuamos a nadar na mesma pista, mas é como nadar com um fato de banho ou com fato completo. As universidades têm dificuldades, isso é evidente e toda a gente sabe, não quer dizer que se resolva tudo, mas é um grande instrumento de flexibilidade e de agilidade da decisão.

Em termos de contratação de professores, de decidir projetos.

Permite-nos, por exemplo, identificar um português que esteja no estrangeiro, de muita qualidade, e poder dar-lhe condições, sem prejudicar os que já cá estão, poder fazer essas aquisições de uma forma muito mais ágil e mais transparente. Sem necessidade de recorrer àquelas outras coisas que há sempre de um jeitinho por baixo. Penso que isto é também um instrumento de transparência no processo de decisão.

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Ainda assim este processo teve alguma oposição. Como é que encarou essas posições?

De uma forma natural. Não estava à espera que houvesse unanimidade. Ficaria até bastante preocupado. As pessoas levantaram objeções, acho que os debates - fiz mais de 30 desde fevereiro em todas as unidades orgânicas, falei com os estudantes, os professores - trouxeram, e continua a haver, contributos muito interessantes. Mas é evidente que a Nova tem uma característica muito especial: é que nós já estamos muito bem e percebo que, quando as pessoas estão numa situação de algum equilíbrio, dar o salto em relação ao que é novo... Mas é um grande desafio, sinto que nesse aspeto estou a cumprir aquilo que era no fundo o meu mandato, que é desafiar a universidade. A grande maioria das pessoas está na expectativa e aceitaram muito bem este salto, que é mais qualitativo do que quantitativo. Portanto, respeito as posições desde que sejam abertas e claras e isso também aconteceu. É sobretudo importante que as pessoas percebam que podem continuar a contribuir para um processo de transparência, de incentivo de qualidade, de abertura posterior.

Quais são os desafios para a Nova nos próximos anos?

A Nova tem um plano de estratégia que tem várias vertentes. O ensino, em que fomos no ano passado - e continuamos a ser - a universidade mais apetecível em termos dos nossos estudantes, das candidaturas. Temos um papel de responsabilidade e de excelência na qualidade do ensino a nível nacional e vamos continuar a mantê--lo. Temos uma perspetiva muito aberta para a parte internacional, mas aí estamos claramente a apostar nas pós-graduações. Dos 19 900 estudantes, 900 são Erasmus e a isso juntam-se 2119 estudantes internacionais, de 103 nacionalidades, isto soma quase três mil estudantes internacionais. É uma grande aposta.

Vêm ao abrigo do estatuto do estudante internacional?

A nossa opção foi claramente estudantes de mestrado e de doutoramento. O nosso circuito tem sido um bocadinho diferente. Captamos através dos Erasmus: eles fazem aqui um semestre e muitos deles voltam para participar já como estudantes inscritos nos mestrados e doutoramentos. Essa é uma estratégia que está muito bem organizada na Nova e é por aí que nós temos apostado claramente na parte internacional. A mesma coisa se passa com o corpo docente: dos 1700 docentes, cerca de 10% são estrangeiros, e esperamos com a passagem a fundação poder recrutar mais. Portanto, a nossa estratégia internacional passa muito pela pós-graduação, pela colaboração com a investigação científica. Em relação ao Horizonte 2020, por exemplo, se olharmos para o financiamento per capita de docente ou de investigador somos a universidade portuguesa que tem maior financiamento. Portanto, diria que é uma estratégia de talento e de qualidade que parte basicamente da pós-graduação. Em relação à pré-graduação a nossa grande aposta - que é uma grande responsabilidade do país - é qualificar a população portuguesa. Aí estou de acordo com o ministro Manuel Heitor, nós não temos excesso de alunos no superior, temos falta de alunos, temos de os estimular a vir e tem de ser pelas licenciaturas.

Acha que o congelamento da propina máxima pode ajudar a captar mais alunos?

É uma medida política que temos de aceitar. Sou um adepto de que não é com dinheiro que se resolve tudo, preferia que houvesse mais apoio para combater o insucesso escolar, preferia que o programa de bolsas fosse na realidade alargado. Por exemplo, na região de Lisboa, ainda sou do tempo em que havia alguma isenção de transportes. Já discuti isso no conselho de estudantes da UNL, essa era uma medida que a Assembleia da República - com todo o respeito que tenho pelo nosso Parlamento - podia tomar. É mais difícil, mas eu gosto de coisas difíceis. Era uma grande medida que facilitava a estada dos estudantes, o acesso ao superior. Enfim, o congelar da propina tem um valor simbólico, e respeito isso, mas não vai resolver as questões de fundo, que são as questões da equidade no ensino superior.

Dificulta a vida às universidades?

O que vai acontecer é que vamos investir um bocadinho menos naquilo que é a qualidade de vida dos estudantes. Temos realmente uma receita das propinas, que tem algum peso, apesar do valor congelado ser relativamente pequeno, mas temos de arranjar outras formas de compensar alguma dessa redução de financiamento. Porque embora a Nova tenha mais de 50% de receitas próprias é evidente que as propinas também estão dentro dessas receitas. Ao longo destes anos não poderíamos ter passado a fundação se não tivéssemos esta estabilidade financeira.

E em relação ao sistema de ensino superior. Esta é a altura de se separar os subsistemas universitário e politécnico? Uma vez que o próprio ministro está a negociar contratos diferentes.

Vou falar da Nova. Nós temos uma excelente relação com os politécnicos. Temos um mestrado em Reabilitação que funciona com o Politécnico de Setúbal, que tem um papel importante, porque a Faculdade de Ciências Médicas tem os aspetos mais médicos e Setúbal tem a Reabilitação. Os dois sistemas têm de ter vocações diferentes, o que não quer dizer que não haja pontes entre eles, acho que tem de haver alguma inter-relação e alguma ajuda. Mas acho que têm um papel muito diferente. Falando como reitor da UNL, é assim que se deve manter.

A reforma da rede que falava em consórcios, mas nunca chegou a avançar, deve ir para a frente?

Sou um adepto dos consórcios, são excelentes para estratégias que sejam realmente de desenvolvimento. Temos neste momento o consórcio com Évora e com Algarve para colaborar com o Magrebe. Estamos muito interessados quer na investigação quer na formação, porque eles têm problemas que são muito semelhantes aos nossos, da alimentação, da água, da saúde, aspetos de desenvolvimento do território, portanto, os consórcios são muito importantes para isso. Também tenho a perceção de que se andarmos por aí resolvemos a questão da rede. Se começamos por resolver a questão da rede vêm aquelas retóricas do costume e nós não resolvemos absolutamente nada. Neste momento, numa perspetiva pragmática, como reitor da Nova, estou interessado em consórcios que permitam fazer melhor aquilo que nós já fazemos muito bem e aproveitar melhor recursos que estejam disponíveis para exatamente executar esses projetos. Em relação à posição global, acho que o ministro Manuel Heitor é a pessoa indicada para atacar o assunto. Ele está a fazê-lo de uma forma muito interessante, que é aproveitando recursos científicos e sobretudo numa base regional.

Depois da crise e do ajustamento que foi pedido às universidades pode dizer-se que se caminha para uma estabilização?

Este processo para a Nova foi muito interessante porque permitiu com rigor olhar para dentro e apostar em áreas que são muito evidentes, e estamos a fazer coisas que são muito interessantes. Ainda agora em Oeiras, com os recursos que temos, foi criado um campus muito interessante que é o AGRO-TECH e estamos a apostar em projetos de desenvolvimento, a mesma coisa se passa na saúde, com a José de Mello Saúde, para a formação dos médicos e para a investigação clínica. Aproveitámos esta crise para repensar a nossa estratégia e isso foi positivo, mas se não houver uma abertura maior do ponto de vista dos financiamentos europeus que estamos a ir buscar na ciência... Tem de haver contrapartidas nacionais e Lisboa está numa posição terrível, porque está fora da zona de convergência. Se não houver investimento numa cidade como Lisboa, para a universidade poder fazer o seu papel, apesar de tudo, vamos ter alguns problemas na qualidade e isso preocupa-me muito.

Tem expectativas positivas em relação ao ministro?

Ele é uma pessoa respeitada, é um cientista. Tive o gosto de estar com ele há um mês em Austin, no Texas, no âmbito de uma das nossas parcerias, e é muito gratificante ver como é que ele é reconhecido pelos colegas com quem lidou. É uma pessoa reconhecida nacional e internacionalmente, o que é muito importante. Acho que tem ideias sólidas, que é uma pessoa aberta, com certeza que tem o seu rumo, mas vejo-o, enfim, como uma pessoa que pode dar ao sistema uma ligação muito grande sobretudo à economia e às empresas. E fazer que a ciência portuguesa tenha muita qualidade como ciência mas também como alavanca de desenvolvimento e de progresso do país.

Manuel Heitor tem mantido abertura com as instituições?

Ele é conhecido, é um de nós.

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