Uma escola onde miúdos do 4.º ano "conseguem entrevistar astronautas da NASA"
Dar entrevistas não é a praia da fundadora da Park International School, confessa-me pouco depois de nos sentarmos no restaurante do CCB. Mas a simpatia, a clareza e a paixão com que Bárbara de Beck Lancastre fala do projeto que criou há 15 anos, como plano de negócios para uma disciplina do MBA que tirou na Virgínia, acabam quase instantaneamente com qualquer desconforto que pudesse resultar de estarmos apenas a conhecer-nos.
Aos 42 anos, com três filhos (de 14, 11 e 8 anos, obviamente alunos do Park) e uma licenciatura em Marketing que percebeu ter sido um tiro ao lado mesmo quando estava a estudar, é evidentemente uma mulher feliz e realizada. E sem medo de levar por diante projetos ambiciosos, ainda que isso signifique ter de recomeçar e refazer planos a todo o momento. "Desde que criei o Park - com dinheiro que tinha, uma ajuda da família e de amigos e algum financiamento bancário - que pensei que não queria abrir o capital. Acabei por dar uma posição acionista à Marta (Villarinho), mas nós estamos juntas desde o início e complementamo-nos perfeitamente, portanto fazia sentido. Mas agora (em 2015) achei que tinha mesmo de o fazer se não queria ficar limitada ao 6.º ano. Era ficar ali ou abrir o capital e crescer sem medos." E não foi preciso pensar muito: entregou uma fatia do negócio a um fundo de private equity gerido pelo Menlo Capital, que permitiu o encaixe financeiro necessário para responder à pressão dos pais para alargar o colégio ao secundário (o plano ficará completo quando os miúdos atualmente no 7.º lá chegarem) e criar a primeira escola internacional de Lisboa. "E tivemos imensa sorte com os sócios que encontrámos" - bem como com a parceria estabelecida com o Imofomento, do BPI, fundo que detém todos os edifícios onde funcionam as escolas e a quem os sócios do Park pagam uma renda.
Mas estamos a queimar etapas e é importante que a história seja contada como deve ser, com todos os acasos e a determinação que resultaram num colégio que, apesar de relativamente recente, está cotado entre os melhores do país. Onde a alimentação dos miúdos resulta de uma parceria com a Go Natural e eles são ensinados, além do que é vulgar aprenderem na escola, a pensar e a questionar o mundo, com a ajuda de programas inovadores como o My Time, em que, sob proposta dos professores, têm a oportunidade de brilhar no que mais gostam de fazer - tenha ou não ligação direta com o que estão a aprender. Ou o Big Idea, em que se juntam em grupos de dez ou doze, de idades diferentes, para propor uma resposta a perguntas abertas como "para que servem as cores" ou "explica matematicamente a tua escola" - projetos que vão desenvolvendo uma manhã por semana e para cuja conclusão têm todos os professores disponíveis para ajudar e todo o material que possam querer, de papel higiénico e plasticina a impressões 3D.
"Eu não tenho jeito nenhum para comunicação e a verdade é que devia ter ido para Gestão, porque sempre fui boa a Matemática, mas na altura o curso de Marketing estava na moda e eu, num momento de irreverência, decidi inscrever-me", conta-me a fundadora do Park, já embalada na conversa. Não demorou a arrepender-se, mas então era tarde: disciplinada e metódica, decidiu que levaria a sua teima até ao fim e depois então faria o mestrado em Gestão. "Nessa altura, o meu pai (Christopher de Beck, antigo administrador do BCP) interferiu e fez-me pelo menos experimentar trabalhar na minha área de formação." Passou então pela McKinsey, pela Abril Control Jornal, como gestora de produto de marcas jovens, mas em três anos estava a embarcar com o marido para os Estados Unidos, os dois inscritos na Darden School of Business, na Virgínia. "Tinha 26 anos, acabada de casar, não tinha filhos e era o momento ideal." E foi essa a viagem que mudou a sua vida.
Vão-se os gressinos ao ritmo da inspiração que Bárbara procurou em diferentes escolas e modelos pedagógicos e que adaptou - num escritório minúsculo de uns tios onde ela e Marta Villarinho, ambas grávidas, tinham de se sentar para alguém conseguir entrar; "foram tempos muito divertidos!" - a uma escola inovadora onde todos os alunos têm iPads com trabalhos e jogos educativos, tratam professores, diretores e funcionários pelo nome mas com muito respeito e têm à disposição todas as pessoas e materiais, incluindo a impressora 3D, para aprender. "Que sejam felizes" é a principal preocupação de Bárbara de Beck Lancastre, que explica que o mais importante não é formá-los para terem boa nota nos exames ou entrarem na faculdade, mas para estarem preparados para o que escolherem fazer da vida, quer isso passe por uma licenciatura quer seja algo mais simples como dedicarem-se ao surf.
Se a educação da fundadora da escola foi influenciada pela rigidez da ascendência austríaca, a família também soube sempre valorizar o que realmente conta, e Bárbara faz questão de injetar esses valores nos miúdos que lhe passam pelas mãos. "Falo muitas vezes com eles sobre isto. Os 12 anos que passam na escola básica têm de servir para muito mais do que entrar na universidade, têm de lhes dar boas bases, formá-los e dar-lhes competências para poderem ser o que quiserem. E se isso passa por tirarem um curso, têm de se esforçar para ter boas notas, com a consciência de que esse é um passo apenas no seu percurso."
Depois de um ano de estudo intenso, ainda sem filhos e com a certeza de que o marido sairia do MBA com excelentes oportunidades profissionais, foi no Summer Internship que Bárbara teve a ideia e decidiu dar o passo que a afastaria definitivamente do passado. Um colega de sala na Espírito Santo Saúde, onde fazia o estágio desse primeiro ano de formação, passava grandes dificuldades para encontrar uma boa escola para o filho e ela pensou que aquele podia ser um bom negócio. Apaixonada pela Disney - "à entrada da escola temos uma frase do Walt Disney; e tenho uma tatuagem do Mickey", confessa -, Bárbara sempre se interessou por tudo quanto tivesse que ver com o mundo das crianças, mas não se sentia vocacionada para ensinar, o que a levara a imaginar que quando voltasse do MBA o diploma a ajudaria a encontrar um lugar na Concentra ou na Mattel. Mas agora uma nova ideia tomava forma e, em vez de seguir o programa de entrevistas incluído na formação, optou por se atirar à elaboração de um business plan para a criação de uma escola em Portugal. E ganhou um prémio da Darden Incubator que lhe garantia apoio técnico e financeiro (incluindo seis meses de salário) para tornar o projeto realidade. "Nestas universidades há uma procura enorme de talentos, as empresas assediam-nos e puxam-nos o ego." E Bárbara começou a acreditar que tudo ia correr mesmo bem. Mas não foi nada assim.
No primeiro ano, a escola que abriu na sede do BCP tinha quatro crianças. "Eu ia tendo um colapso. As coisas correram pessimamente", ri-se. E teria desistido se não tivesse "imenso apoio" do pai e do marido e se um amigo a quem pediu conselhos não a tivesse incentivado a acreditar em si mesma. Então, pensou, ajustou planos, refez o projeto e pô-lo a andar a todo o vapor; e em pouco tempo abria uma segunda escolinha na Assembleia da República. Até decidir deixar o modelo de sponsored day care em empresas e abrir o Park.
Escolhidos os pratos - concordamos num tagliatelli com camarão e frango, legumes orientais e molho yakisoba, um misto de italiano e japonês, como deve ser num restaurante que funde influências da Europa e da Ásia - e com as águas e a minha cerveja já na mesa, constato que ali no Park a educação parece ser tarefa de mulheres. Bárbara volta a rir-se e explica que é assim naturalmente, mas tem feito um esforço no sentido de garantir que também há homens na equipa - "aos miúdos mais velhos, por exemplo, faz falta". E por isso, se entre os 173 funcionários da Park International School a esmagadora maioria é do sexo feminino, em áreas como a educação física (toda feita no Belenenses), as artes e as tecnologias procura-se equilibrar a balança.
Já com os pratos à frente, Bárbara explica-me os três pilares fundamentais sobre os quais construiu o colégio - que já conta com escolas no Restelo e em Cascais e se prepara para abrir em Alfragide e na Praça de Espanha (a partir de setembro) e que de ano para ano multiplica o número de alunos, estando já muito perto dos 1200 inscritos para o próximo ano letivo, quando se expande ao 8.º ano. Do primeiro e mais importante, já me falou: a felicidade - "às vezes as pessoas estranham um bocado, porque eu sou o sargento da escola e dou muita importância às regras, mas acredito que é igualmente importante que os miúdos sejam felizes". Os outros são a responsabilidade e a inovação - "não no sentido de estar sempre a inventar, mas de fazermos um esforço para estarmos sempre desconfortáveis, à procura de respostas para o que as crianças precisam, porque as tecnologias mudaram tudo e é uma irresponsabilidade as escolas continuarem a fazer tudo igual", explica Bárbara.
Demora-se agora no segundo pilar, nascido de uma necessidade gerada pelo próprio ambiente escolar em que as suas crianças crescem. "Os miúdos vivem aqui numa bolha e se não os preparamos para o que há além dessa bolha não vão ser felizes. Por isso é tão importante essa parte, que passa por lhes mostrarmos que têm de ser cidadãos do mundo, de conhecer diferentes culturas, de aceitar diferentes pontos de vista e de ser responsáveis."
Nessa lógica, o Park construiu um programa notável que passa por dedicar determinado número de horas curriculares - dependendo do ciclo educativo - a um programa de fellowship em que são ensinados a ajudar dentro da escola, na comunidade e no mundo. "Eles é que escolhem, mas podem por exemplo ir ter com a senhora da cozinha para lavar pratos, ou atender telefones." O serviço à comunidade passa este ano por irem ensinar os velhotes de um lar vizinho a mexer no iPad e os miúdos de uma escola próxima a usar os smart boards oferecidos pelo Park. E na sua versão mais ampla o programa escolhido para este ano foi o Girl Rising, promovido por uma ONG que quer despertar consciência para as muitas raparigas que ainda não vão à escola.
"Mostrei-lhes os vídeos e esta realidade tão diferente tocou-os imenso - até houve pais que ficaram um bocadinho zangados, apesar de termos selecionado as imagens de acordo com as idades; aos mais pequenos mostrámos uma menina que não ia à escola por causa de um tsunami, enquanto os mais velhos foram confrontados com histórias mais duras, de raparigas vendidas..." Depois, a escola juntou-se e construiu um projeto solidário. "Os miúdos pediram patrocínio a uma empresa de cartão para fazer umas malinhas que se desdobram e fazem secretárias, cada um trouxe um estojo com material e fez um texto para uma menina e agora vamos distribuir algum material cá e enviar as caixas para a Índia e para Angola."
De resto, o projeto educativo do Park funciona na lógica da maioria das escolas: até ao 1.º ciclo há um professor que só fala português e outro que só fala inglês em cada sala; do 1.º ao 6.º ano são seguidas as metas do Ministério da Educação, com aulas em português (Língua Portuguesa, História e Matemática) e em inglês (alguns temas de Estudo do Meio, Ciências, Educação Física, Música, Artes, Tecnologias...), e a partir do 7.º é seguido o programa de Cambridge com o ensino a passar todo para a língua inglesa. Mas com uma preocupação acrescida pela aprendizagem da História, da língua e da cultura portuguesas - que implica um aumento da carga horária mas que Bárbara considera essencial para manter as raízes.
Mas não é o inglês que mais tem levado os pais a optar pelo Park, garante a fundadora do colégio, que aponta a inovação como principal motivo. E dá como exemplo programas que ali têm nascido, como a possibilidade ter alguns miúdos a ser formados em TedX (o Park candidatou-se e conquistou um lugar nas escolas associadas às TED Talks), "que lhes dá um guidance brutal", ou os mystery skypes, em que as crianças se ligam a outras dentro de uma rede de escolas internacionais e vão fazendo perguntas até descobrirem com que país estão a falar. "Tudo isto é possível porque são fluentes em inglês e isso facilita esta dimensão de aprendizagem do room with no walls", explica, contando que as possibilidades são tais que "ainda no outro dia os miúdos do 4.º ano conseguiram entrevistar por Skype um astronauta da NASA".
"Tentámos encontrar um meio-termo entre a necessidade de passar aos miúdos conhecimentos mais tradicionais e dar-lhes outro tipo de competências, e é nisso que acho que fazemos a diferença." Há ainda outra distinção importante no que respeita à exigência: no Park, não se procura que todos tenham excelentes notas a tudo, mas que façam o melhor que conseguirem em cada disciplina. "Se um miúdo tem aptidão para Matemática, posso esperar que tenha 100%, mas se tem capacidade para ter 60% é isso que quero dele." Por isso, antes dos exames nacionais Bárbara faz questão de ir a cada sala dizer aos alunos que espera que façam o melhor que sabem, "para mostrar ao senhor ministro que somos uma boa escola, mas ninguém vai olhar para eles de maneira diferente independentemente do que fizerem no exame". E se o Park até tem ficado bem colocado - incluindo nas turmas miúdos com dificuldades de aprendizagem, com défice de atenção, necessidades educativas especiais relacionadas com autismo, com trissomia 21, etc. -, essa é uma vitória que a fundadora faz questão de não publicitar. É apenas um passo, reforça, e nem sequer é o que mais importa.
Pedimos chá verde e café. O almoço passou a correr e o tempo começa a apertar, mas Bárbara, uma apaixonada pelo desporto - mesmo que chova, todos os dias corre ou nada ou anda de bicicleta ou faz ginástica e o seu programa preferido de férias é viajar para a Suíça com o marido e os filhos e passar a semana a subir a montanha -, ainda faz questão de contar tudo sobre esta aposta do Park. Que inclui torneios interescolas e "todo aquele espírito de equipa, em que eles puxam uns pelos outros e se esforçam mais, porque sabem que se tiverem más notas ficam fora". Essa parte do currículo escolar passa pela Educação Física - onde as crianças fazem ginástica, atletismo, futebol, andebol, basquete, râguebi, patins, etc. -, mas também por uma lista de atividades extracurriculares em que os miúdos podem inscrever-se. "No fim das aulas, nós levamo-los ao Belenenses, ao CIF (ténis) ou ao Holmes Place (natação) e os pais só têm de os ir buscar ao final da tarde, o que é uma facilidade para eles.
Resta apenas uma questão: quanto custa ter um filho na escola que Bárbara de Beck constrói diariamente? "Cerca de oito mil euros por ano", responde de imediato. Um preço superior ao dos Salesianos, mas inferior ao da maioria das escolas internacionais. Longe do que muitas famílias podem gastar, mas com um projeto educativo que promete revelar frutos de grande qualidade nos próximos anos.
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Total: 29,9 euros