"Tenho uma interpretação muito comedida dos poderes presidenciais"

Marcelo Rebelo de Sousa garante que estar "operacional e vigilante" não leva à presidencialização do sistema político.
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É um Presidente da República com índices de popularidades históricos. Mas há críticas por ter tanta iniciativa e praticamente não parar um dia desde que foi eleito há um ano para Belém. Também há quem o acuse de ingerência em matérias governativas e de estar a presidencializar o regime. Mas Marcelo Rebelo de Sousa garante ao DN que até tem "uma interpretação muito comedida dos poderes presidenciais".

Passado um ano sobre a eleição para Belém, com 52% dos votos, o Chefe do Estado desvaloriza as críticas de que a sua alegada "hiperatividade" o impele para falar sobre assuntos da estrita competência do Governo. "É um bocadinho porque as pessoas se esquecem do que a Constituição diz e se esquecem da prática presidencial quando se olha para a minha intervenção, em termos comparados com outras intervenções mais brilhantes mas também mais expansivas dos poderes presidenciais de vários presidentes", afirma o Chefe do Estado.

Na primeira entrevista que concedeu à SIC desde que tomou posse, no domingo, verbalizou qual o antecessor que considera ter excedido o seu frenesim presidencial: o socialista Mário Soares.

Mas essa interpretação "mais comedida" dos seus poderes não quer dizer, segundo Marcelo, que "o presidente não esteja atento, não esteja operacional, não esteja vigilante, não esteja interveniente".

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Foi o que aconteceu quando decidiu tomar, em novembro passado, posição oficial sobre a entrega da declaração de património da então nova administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD), presidida por António Domingues, no Tribunal Constitucional Numa nota publicada no site da Presidência da República foi claríssimo: "Uma condição essencial é um sólido consenso nacional em torno da gestão, consenso esse abrangendo, em especial, a necessidade de transparência, que permita comparar rendimentos e património à partida e à chegada, isto é, no início e no termo do mandato, com a formalização perante o TC, imposta pela administração do dinheiro público".

Marcelo podia não ter opinado sobre a matéria, mas quis fazê-lo. Tal como promulgou praticamente todos os diplomas que lhe chegaram às mãos - só vetou três (ver caixa ao lado) - mas nalguns deles quis deixar reparos. Por exemplo, quando assinou em junho do ano passado o que repôs as 35 horas na função pública deixou em aberto o recurso ao Tribunal Constitucional "em caso de aumento real da despesa".

O Presidente rejeita, contudo, ao DN que a sua palavra e ação representem uma "presidencialização" do sistema político. Até porque "há aqui uma preocupação, que seria natural num professor de Direito Constitucional, de respeitar a Constituição". E acrescenta: "Depois de ter ensinado tantos anos, tinha de saber o que a Constituição diz." E as críticas não o incomodam por aí além. "Se eu próprio, como comentador, critiquei quem intervinha na política, sou o primeiro a estar habituado às críticas. Faz parte da lógica da política estar submetido, sujeito às críticas. É natural".

Otimista/realista

Também desvaloriza o atual clima de crispação política gerada pelo acordo de Concertação Social e a descida da TSU. "Em cada momento as pessoas acham que é o princípio e o fim do mundo, não é? Faz parte da lógica da política de repente haver momentos em que se considera que o mundo acaba no dia seguinte ou daí a 8 dias", diz Marcelo Rebelo de Sousa.

Mas comparando com o que se passou nos primeiros meses do seu mandato, considera que "aquilo que se "vive agora é muito menos politicamente importante e muito menos criador de atritos do que aquilo que foi vivido no início". E até acredita que o acordo de Concertação Social - apesar do PSD se aliar ao PCP e BE no chumbo da descida da TSU - será salvo por alguma via.

No momento em que assumiu funções, em março de 2016, ele, que diz ser um "otimista realista", estava preocupado. "E estava preocupado porque era uma situação muito dividida que havia na política portuguesa e na sociedade portuguesa, um grande conflito. As feridas estavam muito abertas ainda, depois da sucessão de dois governos e, por outro lado, estava preocupado porque não sabia se seria possível cumprir os compromissos internacionais, nomeadamente em matéria financeira". Marcelo admite que logo de seguida foi confrontado com uma preocupação maior e que dominou as outras: a do sistema bancário. "E que, de facto, dominou ali vários meses mais complicados no início deste primeiro ano de mandato, digamos na transição da primavera para o verão", diz.

Depois, afirma, "as coisas foram indo ao lugar. O país teve vários triunfos importantes, do Euro, tivemos o triunfo da eleição de António Guterres, tivemos o sucesso da cimeira digital. Várias coisas começaram a correr bem, a execução financeira começou a correr bem, pouco a pouco começou a pôr-se no lugar o conjunto de peças do puzzle bancário, foi possível fazer aprovar dois orçamentos, Era uma emoção de cada vez que se falava do orçamento, o primeiro foi ainda mais complicado que o segundo em termos de negociações e, portanto, o saldo [deste primeiro ano] ultrapassou as expectativas iniciais".

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