Juiz diz que chumbo do constitucional vai fazer com que "deixe de haver dadores"

Juiz desembargador Eurico Reis, do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, comenta decisão do TC sobre procriação medicamente assistida

O Tribunal Constitucional chumbou a regra do anonimato de dadores da Lei de Procriação Medicamente Assistida, por considerar que impõe "uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas" através destas técnicas.

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC) surgiu após um pedido de fiscalização da constitucionalidade de alguns aspetos da Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), formulado por um grupo de deputados à Assembleia da República.

Em relação à regra do anonimato de dadores e da própria gestante de substituição, o Tribunal reconheceu que "a mesma não afronta a dignidade da pessoa humana e (...) considerou, atenta também a importância crescente que vem sendo atribuída ao conhecimento das próprias origens, que a opção seguida pelo legislador (...) de estabelecer como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores no caso da procriação heteróloga e, bem assim, o anonimato das gestantes de substituição -- mas no caso destas, como regra absoluta -- merece censura constitucional".

Esta censura constitucional deve-se ao facto de a regra "impor uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição".

Contacto pelo Público, Rafael Vale e Reis, professor de Direito de Coimbra, refere que a posição do TC é "revolucionária".

Vai deixar de haver dadores, vamos gastar rios de dinheiro a importar gâmetas ou então para a PMA toda

"Tudo se passa como se não existisse a norma do anonimato dos dadores, como se fosse inválida a partir do momento em que foi aprovada desde 2006. O TC podia ter limitado os efeitos dizendo que o fim do anonimato vigorava só a partir de agora. Não o tendo feito, é como se o anonimato" nunca tivesse existido, afirma Rafael Vale e Reis.

"A solução do TC não é para transformar estas pessoas [dadores ou gestantes de substituição] em mães e pais do ponto de visto jurídico", explica o jurista. "É apenas para os filhos terem hipótese de as conhecerem", adianta.

Menos dadores

O juiz desembargador Eurico Reis, do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, alertou para as consequências desta decisão. "Vai deixar de haver dadores, vamos gastar rios de dinheiro a importar gâmetas ou então para a PMA toda, ficando a funcionar apenas para aqueles para quem ainda é possível realizar tratamentos com material dos próprios", disse à Lusa.

Em fevereiro de 2017, PSD e CDS-PP anunciaram o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da procriação medicamente assistida, por considerarem que estavam em causa os direitos à identidade pessoal e genética, entre outros princípios fundamentais.

No caso do acesso à procriação medicamente assistida por parte de todas as mulheres - independentemente de condição médica de infertilidade, do estado civil ou orientação sexual - foi questionada a conformidade à Constituição da República Portuguesa de se estabelecer "como regra o anonimato dos dadores e como exceção a possibilidade de conhecimento da sua identidade".

Sobre o direito ao conhecimento da identidade genética, os deputados-subscritores do pedido de fiscalização entendiam que, por força da lei da adoção, era "também violado o princípio da igualdade perante a lei, porquanto só uma parte da população portuguesa - a que não nasça por recurso a técnicas de PMA - tem direito ao conhecimento da sua identidade genética, dele ficando excluídos os que assim nasçam".

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