Secretas. Costa sem pressa para levantar segredo de Estado
O PS "não esconde nada, nem vira a cara a resolver os problemas que necessitam ser resolvidos". Com estas declarações, a propósito do sistema bancário nacional, António Costa quer marcar a diferença em relação ao governo PSD/CDS, mas podem também vir a servir para determinar a sua atitude sobre o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Mas, garante fonte governamental, "neste caso, ainda sem pressas".
Costa tem em cima da mesa um pedido do tribunal, que está a julgar o caso das secretas, para levantar o segredo de Estado em relação a matérias que, se forem tornadas públicas, podem, no limite, abalar fatalmente, não só os serviços, como a fiscalização e o controlo político da assembleia da república. Mas também pode ser uma oportunidade para clarificar a legalidade atuação dos espiões e tomar medidas para evitar que volte a acontecer.
Só uma dessas matérias, parte de um manual de procedimentos interno do SIS (Serviço de Informações de Segurança), demonstra que os espiões podem ter recorrido a escutas ilegais e que recrutaram "fontes" nas operadoras de telecomunicações que lhes cediam as faturações detalhadas que os serviços lhes solicitavam. É pedido para mostrar ao tribunal que o acesso a informações da operadoras de telecomunicações até constava da "sebenta" dos espiões. Apesar de estarem proibidos por lei, o glossário do documento faz a distinção entre "escuta", "escuta ativa" e "escuta passiva".
Quando foram ouvidos em Tribunal, todos os altos dirigentes, desde o secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, a Neiva da Cruz, do SIS e Casimiro Morgado, apesar de terem jurado que os serviços trabalhavam dentro da lei, refugiaram-se no "segredo de Estado" para não falar sobre o manual. Ao fazê-lo, porém, estavam a admitir a sua existência, com todas as instruções de duvidosa legalidade.
No julgamento, para se defenderem dos crimes de acesso indevido a comunicações pessoais, tanto o ex-diretor do SIED, Jorge Silva Carvalho, como o ex-diretor de operações, João Luís, insistiram que esse era um procedimento habitual para os espiões, que recebiam até formação nesse sentido.
O ex-presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP (2004-2008), Jorge Bacelar Gouveia, garante ter ficado "surpreendido" quando soube "pelos jornais" do manual de procedimentos. Este atual catedrático de direito constitucional, pensa, no entanto, que António Costa "pode ter agora uma oportunidade para enfrentar os problemas dos serviços, a começar pela falta de instrumentos legais, como as interceções telefónicas, para cumprir as suas importantes missões. Esta pode ser uma oportunidade para, com coragem, fazer uma reforma profunda que deve incluir a substituição dos seus dirigentes, demasiado desgastados com tantos anos de suspeitas". Para Bacelar Gouveia o novo secretário-geral "deve vir de fora, uma personalidade respeitada, como um académico ou um senador da República".