"Se o que é preciso na educação tiver consenso das várias partes, ótimo"
Antiga ministra Maria de Lurdes Rodrigues diz que aproximação do governo aos sindicatos de professores é "natural" à luz dos "compromissos" que têm de ser feitos.
O Ministério da Educação e a Fenprof acordaram recentemente passarem a realizar reuniões trimestrais para avaliar as políticas do setor. Como vê esta cooperação tão estreita entre duas partes que historicamente têm estado muitas vezes em choque?
Vejo positivamente. É sempre melhor construir compromissos do que ter conflitos. Podendo, havendo matéria para isso, não estando em causa temas que provoquem muita divergência, está bem. Em si mesma esta não é uma questão negativa, é positiva. Se o que é necessário fazer na educação pode reunir o consenso das várias partes, ótimo.
O apoio do PCP e também do Bloco de Esquerda ao governo PS contribui para a atual proximidade entre a equipa da Avenida 5 de Outubro e a Fenprof?
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Contribui, sim, claro. É natural. Há uma mudança também de atitude no Partido Comunista, no Bloco de Esquerda, uma atitude de cooperação e não apenas de oposição. Portanto isso é natural.
O atual estado de graça entre as partes vai durar até ao final da legislatura?
Acho quem sim, espero que sim. Mas se acontecerem divergências, problemas ao longo da legislatura, isso é normal. Significa que está a haver mudança.
Mas tendo em conta a atual conjuntura política, é de esperar que o Ministério tome medidas que impliquem divergências com os sindicatos?
O Ministério da Educação está a tentar ter uma atitude de colaboração e de construção de compromissos. É natural que os temas em relação aos quais há maior divergência estejam fora da agenda. Não se vai esperar um milagre. Quem está a procurar construir compromissos tem de procurar os temas em relação aos quais os compromissos podem ser construídos. É natural que estejam fora da agenda os temas fraturantes. Como o tempo também mostra, há poucas coisas muito urgentes...
A Fenprof começou a presente legislatura com muitos elogios à nova maioria e à equipa ministerial. Não se pode dizer que nos seus tempos tenha acontecido o mesmo: assim que entrou em funções, em 2005, enfrentou protestos, salvo erro devido à questão das aulas de substituição...
Fazia parte do programa do governo. Havia um conjunto de medidas que faziam parte do programa do governo e foram lançadas essas medidas para o concretizar e isso provocou divergências, oposição, desacordo. Mas são as políticas, as iniciativas que se tomam, não é um estado de graça que os governantes têm. Os atores reagem em função das políticas que estão a ser seguidas. Se não concordam, manifestam-se. Muitas vezes estão em desacordo e nada dizem, o que também é normal.
Em retrospetiva, teria mudado alguma coisa na relação que teve com os sindicatos de professores? Teve de enfrentar algumas das maiores manifestações de sempre...
Esse é um exercício que não existe: pensar que se volta atrás e se faz diferente. Na realidade nunca se volta atrás e nunca se faz diferente. A única coisa que podemos fazer é aprender com a experiência que tivemos. Em regra, não faço esse exercício de olhar para trás e de me arrepender, de chorar sobre o passado. Não podemos mudar a nossa natureza e também não podemos mudar o nosso passado.
Surpreendeu-a o facto de a contestação sindical ao anterior governo - que tomou várias medidas muito polémicas - não ter atingido a dimensão que teve de enfrentar enquanto ministra?
Não me surpreendeu porque, em regra, os sindicatos reagem de uma forma mais violenta, mais agressiva, quando estão em causa temas relativos à própria carreira docente: a avaliação, a estrutura da carreira, o modo de progressão. Esses são os temas que estão em permanência na agenda dos sindicatos e têm maior significado. Também porque esse é o seu campo: a defesa das condições de trabalho dos que representam. Quando não estão em causa mudanças e, pelo contrário, até há uma melhoria dessas condições, é natural que os sindicatos não reajam.
E isso aconteceu com o anterior ministro?
O ministro Nuno Crato falou muito em avaliação mas, na prática, só fez a avaliação dos alunos do quarto ano. Suspendeu a avaliação dos professores e também a das escolas. E desde a questão da avaliação dos professores, que hoje não existe, às alterações ao estatuto da carreira docente, [as medidas] foram no sentido que era defendido pelos sindicatos: plurianualidade dos concursos, maior ou menos autonomia das escolas, eram tudo temas cuja decisão foi ao encontro da agenda sindical.
Já não é a primeira vez que diz que a avaliação dos professores atualmente não existe. O modelo que foi aprovado, num acordo entre a sua sucessora, Isabel Alçada, e os sindicatos, não é aplicado?
Não existe. Basta falar com professores e com as escolas para saber que não existe. Mas é assim: este tema não é hoje um problema. Não tem nenhuma urgência e não está na agenda política.
Sente que de alguma forma pagou a fatura de ter dado os primeiros passos de uma agenda política, depois continuada, que por natureza se prestava mais ao conflito? Não falo apenas das questões profissionais dos professores mas também, por exemplo, dos encerramentos de escolas primárias...
Mas eu não utilizo essa expressão de ter de pagar. Eu não paguei nada. Sinto que tive o privilégio de poder dedicar alguns anos da minha vida à causa publica.
Não está a responder à pergunta...
Em relação à sua pergunta: foi de facto uma agenda reformista, que estava concentrada na melhoria do sucesso escolar, de melhorar a aprendizagens de todos os alunos, e isso foi conseguido: o insucesso foi reduzido, promoveu-se a formação de adultos, melhoraram-se as condições de funcionamento das escolas, abriu-se o serviço público às atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo. Os objetivos foram alcançados e, desse ponto de vista, não sinto que tenha pago algum preço. Tentei fazer alguma coisa pelo meu país, e sinto que podemos ter orgulho pelo que conseguimos.