Se houver pedidos de indemnização apresentados fora de prazo serão analisados

Em entrevista DN/TSF, Maria Lúcia Amaral, Provedora da Justiça, fala sobre os processos de indemnização às vítimas dos incêndios do ano passado
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Ainda sobre o relatório: de todas as indicações que recolhemos houve um caso, um procedimento aberto por sua iniciativa. A que é que ele dizia concretamente respeito?

À proteção da floresta. Na sequência dos incêndios trágicos, podem imaginar que recebemos muitas queixas que têm que ver com problemas adjacentes a tudo o que aconteceu, e como se trata de um grande dossier, ao qual eu tenciono ficar - por dever meu e por escolha - atenta, agreguei todas essas queixas num procedimento único aberto por minha iniciativa. Visto que não sou uma entidade jurisdicional, sou a advocacia do cidadão, tenho poderes de iniciativa quanto a abrir procedimentos que podem depois, no final, ter várias soluções, entre elas recomendações ao poder político competente.

No caso Aquaparque, a senhora fez um parecer - na altura, a pedido do então ministro da Justiça António Costa - em que se opunha a uma indemnização do Estado às famílias das duas crianças que morreram. Indicava não existir um dever do Estado ao ressarcimento do agudo sofrimento dos privados. Em que é que é diferente a questão dos fogos?

É muito diferente, muito diferente. São questões de alguma complexidade técnica que eu vou tentar explicar. No caso do Aquaparque - eu fiz esse parecer já há muitos anos, há 20 anos, de facto, a pedido do atual primeiro-ministro -, e era nessa altura professora de Direito, não exercia nenhum cargo público. Esse parecer foi-me pedido porque a minha tese de doutoramento era sobre esse tema.

Que tema?

A minha tese de doutoramento foi sobre o tema da responsabilidade civil do Estado por prejuízos causados por leis, por atos legislativos. É um tema científica e tecnicamente complexo, tanto que deu origem a uma tese de doutoramento e eu defendi uma determinada tese que agora não vem ao caso explicar. No caso do Aquaparque do Restelo, o que se estava a discutir era a possibilidade de vir questionar em tribunal a responsabilidade do Estado no prejuízo causado não por uma lei, mas por uma omissão legislativa, pela ausência da lei, o que tornava a coisa, técnica e cientificamente, mais complexa. Isto sob o ponto de vista do Direito positivo e da possibilidade do seu questionamento em tribunal.

Não tem rigorosamente nada que ver com o que se passou no caso dos incêndios, rigorosamente nada. Em primeiro lugar, porque o que se passou no caso dos incêndios foi que não se discutiu se havia ou não havia responsabilidade do Estado sob o ponto de vista, digamos, técnico-científico. O Estado assumiu a sua responsabilidade sem discussão, e fê-lo através de uma resolução do Conselho de Ministros.

Portanto, deixou de haver lugar a discussão.

Isso. Segundo, porque perante isto, não se estava agora a discutir se houve omissão de leis, se leis a mais, se leis a menos, se regulamentos a mais, se regulamentos a menos, a discussão sobre aquilo a que nós, em Direito, chamamos os pressupostos da responsabilidade não teve lugar porque o Estado assumiu a responsabilidade.

Em terceiro e último lugar, o que é muito importante: não houve nenhum debate em tribunal, nenhuma questão em tribunal, porque o Estado, através do Conselho de Ministros, não apenas assumiu a sua responsabilidade, como instituiu para levar a cabo, um procedimento extrajudicial, fora dos tribunais e submeteu-o à provedora de justiça.

E neste caso dos incêndios está confortável com as decisões de indemnizações relativamente às vítimas mortais?

Estou, estou.

Acha que o processo e a forma como...

Bem, confortável é uma palavra difícil aqui...

Qualquer palavra nestas circunstâncias é difícil.

Qualquer palavra. Estou de acordo consigo. Se me pergunta se estou confortável com o procedimento que conduzi, estou. Estou, porque o pior que podia acontecer era acrescentar problemas à infinidade de problemas existentes e nós conseguimos evitar que isso acontecesse. Conseguimos obedecer à ideia fundamental que era resolver as questões ou, pelo menos, ajudar na medida da justiça possível a resolver as questões sem custos para as pessoas, com o mínimo de formalidade possível - alguma formalidade teve de haver -, no mais curto espaço de tempo possível; ajudar a pacificar. E isso, nós conseguimos.

Não teve nenhum tipo de má reação, quer do lado do estado quer do lado das famílias das vítimas?

Não tive, não.

No caso dos feridos, o prazo das candidaturas a indemnizações terminou a 31 de maio e há cerca de 200 pedidos de indemnização. Quanto tempo é que acha que os familiares das vítimas, neste caso, terão de esperar até terem esta situação resolvida?

Eu não sei e prefiro dizer que não sei, porque não depende de mim. Como já expliquei várias vezes, o processo tem uma natureza muito diferente do processo relativo às indemnizações dos familiares das vítimas mortais, porque esta é uma indemnização por feridos graves e o conceito de grave também é indeterminado, tal como o chocante, e não sou eu que o determino, porque não tenho habilitações para isso, é o Instituto Nacional de Medicina Legal.

Portanto, cada requerimento que já nos chegou - foram quase 200 -, nós enviámos para o Instituto e o Instituto é que vai dizer se os dados que lhe chegaram permitem a qualificação como ferido grave ou não. Eu não sei quando é que o Instituto Nacional de Medicina Legal estará pronto para dar essa resposta, não depende de mim. Agora, há uma coisa muito importante que eu queria dizer: mesmo que o Instituto não qualifique o que aconteceu como um ferimento grave, por entender que não cabe nos critérios definidos de gravidade, isso não significa que as pessoas não possam recorrer a outros meios, e que peço que estejam atentas às nossas informações porque nós não deixaremos de dar, se for o caso, na nossa resposta, informações precisas quanto às outras vias de recurso que as pessoas têm ao seu dispor.

O que não terão, caso o Instituto não qualifique como grave, é a via aberta junto da provedora de justiça, mas terão outras e, portanto, o que peço às pessoas é que estejam atentas às informações que nós lhes vamos dar porque elas têm possibilidade de recorrer a outras vias que não a esta - porque esta é só para os feridos que forem qualificados como graves.

Quando é que a resposta chegar?

Eu não me atrevo a dar um prazo porque não posso dá-lo, não sei.

Mas chama a si essa missão de, ainda que não caiba nestes parâmetros definidos, ajudar as pessoas e dirigi-las?

Absolutamente, absolutamente. Chamo a mim a missão de dizer o que é que mesmo assim se pode fazer, e não deixarei de o fazer.

Em relação ainda a esta questão, o número de processos não deverá subir, ou seja, o prazo terminou, recebeu todos os procedimentos, são 194. Este é o número final?

Não, não posso dizer isso porque como faço a justiça do caso concreto, se me chegar fora de prazo algum problema que justificadamente, justificadamente, tenha sido colocado fora de prazo, não deixarei de o receber por estar fora de prazo, não deixarei de lhe dar atenção por causa disso. Portanto, se esse número é um número fechado ou não, não posso dizer.

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