Portugal procura seduzir Moscovo a favor de Guterres

Augusto Santos Silva encontra-se na sede da ONU com o homólogo russo após António Guterres ter dado entrevista à agência Sputnik
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A delegação portuguesa, a começar por António Guterres, iniciou uma campanha de sedução político-
-mediática para desbloquear as reservas da Rússia face ao candidato de Lisboa a secretário-geral da ONU.

Com um encontro já agendado entre os chefes da diplomacia dos dois países, Augusto Santos Silva e Sergey Lavrov, à margem da Assembleia Geral da ONU, António Guterres deu na egunda-feira o pontapé de saída com uma entrevista à agência noticiosa russa Sputnik.

"Ser alto-comissário para os Refugiados é estar no centro de todos os conflitos políticos no mundo e lidar com todas as partes", sublinhou Guterres, que liderou aquela agência da ONU de 2005 a 2015. "Acredito verdadeiramente que consegui sempre manter aqueles que são os valores cruciais da imparcialidade, da independência. Acredito que sou respeitado em todos esses cenários pelas diferentes partes porque nunca fui um instrumento de uns contra outros", frisou António Guterres.

O candidato defendeu que as migrações são a "solução para os problemas do mundo", confessou que ver países europeus fecharem as fronteiras é uma das "maiores frustrações" - e, segundo a Sputnik, Guterres apontou a Rússia como bom exemplo de construção de uma sociedade multicultural, em que diversas nações vivem juntas em paz.

Marcelo lembra Gandhi e Mandela

No seu primeiro discurso perante a Assembleia Geral da ONU, o Presidente da República desejou que o próximo secretário-geral "tenha as qualidades humanas e profissionais à altura do desafio [...] e que se guie pelo exemplo dos valores e da abordagem que Mahatma Gandhi e Nelson Mandela sempre aplicaram na vida: indo para além do seu grupo ou círculo, e assim unindo e representando todos e não uma parte".

Num discurso feito cerca das 23.00 em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa reafirmou "o compromisso firme e permanente de Portugal para com as Nações Unidas" e defendeu "um Estado palestiniano soberano, independente e viável, vivendo lado a lado com o Estado de Israel, cujas legítimas aspirações de segurança têm de ser garantidas".

"Rússia ajudou Guterres"

Com a generalidade dos observadores e da imprensa internacional a dizerem que a Rússia não apoia Guterres, o embaixador António Monteiro relativizou essa leitura ao DN.

"A Rússia objetivamente ajudou a candidatura de António Guterres ao colocar a Alemanha em sentido" quanto ao eventual lançamento da candidatura da búlgara Kristalina Georgieva, ao "lembrar que havia critérios a seguir e que a Bulgária já tinha candidato", enfatizou o antigo representante de Portugal junto da ONU. Moscovo "lembrou o que temos dito sempre, que é preciso respeitar regras que prestigiam as Nações Unidas", disse Monteiro.

Richard Gowan, do Conselho Europeu de Relações Externas (grupo de reflexão sediado em Londres), considerava nesta semana que "a resposta" à questão de saber "porque não declarar simplesmente Guterres um digno vencedor e concluir o processo" - após vencer as quatro eleições do Conselho de Segurança - "reside em Moscovo".

Para os "observadores que assumem que a Rússia não gosta de Guterres", disse Gowan, "ter um antigo chefe de governo [de um país membro] da NATO com grande poder de comunicação e um forte registo humanitário à frente da ONU poderia dar dores de cabeça ao Kremlin".

Ainda sobre a entrevista de Guterres à Sputnik, António Monteiro considerou relevante o ex-primeiro-ministro "falar para regiões em que é menos conhecido ou ter alguma dificuldade" de aceitação. Sobre a importância das redes sociais, o embaixador desvalorizou o seu impacto no Conselho de Segurança.

À hora do fecho desta edição, ainda não estava definido o dia e a hora da reunião de Santos Silva com Sergey Lavrov - que chefia a delegação de Moscovo, face à ausência deliberada do presidente Vladimir Putin em Nova Iorque. Com Lusa

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