Polícia única e extinção do SEF, ASAE e ANSR voltam ao debate
Dez anos depois da criação do "superpolícia", os dois magistrados que ocuparam o cargo revelam as fragilidades da função, principalmente a sua falta de autoridade
Antero Luís e Mário Mendes, ambos magistrados que lideraram o Sistema de Segurança Interna (SSI), criticam a falta de autoridade do secretário-geral do SSI, conhecido por "superpolícia", na articulação das forças e serviços de segurança e defendem alterações à organização desta superstrutura de coordenação.
"A panóplia de agentes que o compõem, as competências diferentes e concorrentes que encetam e as culturas organizacionais necessariamente distintas que as caracterizam, são alguns dos fatores que tornam o atual modelo pesado e disfuncional desenhado apenas para situações de crise", salientou o juiz desembargador Antero Luís numa recente intervenção na Academia Militar, onde defendeu que "o atual sistema carece de ser clarificado, aprofundado e otimizado".
Mário Mendes, juiz conselheiro jubilado, que "inaugurou" o cargo em 2008, lamenta que as polícias nunca tenham aceite bem o tipo de coordenação ainda arquitetada por António Costa, quando foi ministro da Administração Interna e que o SSI não possa assim cumprir os seus objetivos.
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"A escolha do modelo atual foi essencialmente determinada por uma opção previa de constituição de um sistema de coordenação que não provocasse rutura com o modelo organizativo vigente das forças e serviços de segurança" recorda. " Teria sido a boa escolha se os altos responsáveis dessas mesmas forças e serviços de segurança aceitassem na prática o modelo de coordenação escolhido pelo legislador, enquanto modelo destinado a uma maior e melhor garantia da segurança dos cidadãos", sublinha. "Não sendo o caso, o Sistema de Segurança Interna não pode cumprir a missão para a qual foi criado, razão que poderá determinar a necessidade de uma outra opção, para a qual seria necessário um amplo consenso político-partidário", adverte.
O conselheiro, que recentemente presidiu à comissão que definiu a fórmula de cálculo das indemnizações ás vítimas dos incêndios, entende que, apesar da regular descida da criminalidade do país e de Portugal ser o terceiro país mais seguro do planeta (segundo os últimos dados do Índice de Paz Global), não é motivo para deixar tudo igual na organização do SSI.
"É ótimo para o País que assim seja mas não podem em circunstancia nenhuma todos os responsáveis pela segurança interna deixar de ter presente que a imprevisibilidade dos fenómenos que afetam a segurança impõe que se não descuide a prevenção, que se promova a rápida troca de informação e que exista uma estrutura de coordenação eficiente. As catástrofes de junho e outubro de 2017 deviam obrigar a uma reflexão.", assevera.
Quando deixou o cargo, Mário Mendes não escondeu, logo na altura, o seu desconforto com a falta de autoridade para a coordenação policial.
Polícia Única
A intervenção de Antero Luís, que foi secretário-geral do SSI entre 2011 e 2014 e diretor do SIS (2005-2011) agitou a plateia, composta essencialmente por polícias e militares, principalmente quando indicou possíveis soluções para ultrapassar os "constrangimentos" existentes, como a extinção do SEF, da ANSR e da ASAE e a integração dos seus quadros na PJ, PSP e GNR, ou mesmo a criação de uma Polícia Nacional única.
Em registo de balanço de um SSI, que este ano completa uma década, Antero Luís lembrou que "hoje o sistema mantém pontos críticos e disfuncional idades identificados já em 2006, no estudo do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI)", que deu origem à Lei de Segurança Interna, em 2008: "multiplicidade de atores e tutelas, sobreposição de competências materiais e territoriais e prevalência da valência reativa sobre a valência pró-ativa ou preventiva".
Sistematizou três cenários "alternativos" para o futuro. O primeiro seria a "manutenção do atual sistema, como melhorias e correções". Neste caso o secretário-geral teria "maior autoridade". Para isso, a "nomeação dos dirigentes máximos das forças e serviços de segurança deve ser precedida de audiência do secretário-geral". Desta forma, entende o desembargador, haverá "um maior envolvimento do órgão nas escolhas e decisões políticas para as designações de alto nível nas FSS, o que, consequentemente, originará uma outra autoridade no relacionamento com as direções e comandos". Para reforçar o papel do SSI na partilha de informação, Antero Luís sugere também a integração neste gabinete do Centro Nacional de Cibersegurança e do Conselho Nacional de Coordenação Marítima.
Uma segunda hipótese, seria "explorar os pontos fortes do modelo atual e avançar para um sistema mais ágil", com fusões e extinções de serviços. Os pilares do sistema seriam a PJ, a PSP e a GNR que integrariam os quadros e as competências do SEF, da ANSR e da ASAE. No caso do SEF, os inspetores de investigação criminal transitariam para a Judiciária, o controlo de fronteiras e emissão de passaportes para a PSP e GNR. A ASAE e a ANSR seriam fundidas com a PSP e GNR.
Por último, um cenário, a criação de uma Polícia Nacional, a qual, "a ser encarada, deverá ser apontada para um prazo temporal de não menos de 10 anos". Antero Luís reconhece que essa solução "carece de grandes investimentos e mudanças ao nível de recursos materiais e financeiros", mas permitiria erradicar "competições e conflitos institucionais" e "otimizar os recursos existentes em cada uma das polícias". GNR, PSP, PJ e SEF seriam uma única estrutura policial "que deveria depois articular-se de forma estratégica e tática com a Justiça, os Serviços de Informações e as Forças Armadas.
Contactado pelo DN, o desembargador não quis revelar qual o cenário que escolheria. "Limitei-me a apresentar soluções alternativas", justifica. Contactado também o gabinete do primeiro-ministro, que tutela o SSI, em relação a possíveis alterações à coordenação das polícias e ao reforço de poderes do SSI, previstos no programa de governo, não respondeu.