"Nunca as polícias portuguesas trocaram tanta informação"

Entrevista a Luís Fiães Fernandes, Diretor do Departamento de Informações Policiais e professor no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna
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Superintendente da PSP vê na prevenção e no combate ao terrorismo um desafio: forças e serviços de segurança têm de trabalhar em conjunto.

Que lições aprendeu a PSP com os atentados terroristas em França e na Bélgica?

Algo mudou no panorama nacional. Há uma intensidade nunca antes verificada de troca de informações entre as forças e os serviços de segurança. Em matéria de terrorismo, nunca as forças trocaram tanta informação. Primeiro, logo a seguir a Paris, essa intensificação foi logo sentida não só a nível interno como externo. E a seguir a Bruxelas essa realidade ainda foi mais notada.

E porque aconteceu isso?

A prevenção e o combate ao terrorismo não é atribuição de uma única polícia. Só se consegue prevenir o terrorismo apostando na cooperação entre todos os parceiros que compõem os vários sistemas, quer seja o de Segurança Interna, quer o de Informações da República, quer a Investigação Criminal. Só com a participação de todos, com uma visão sistémica na prevenção e combate é que conseguimos atingir os resultados pretendidos. Nenhuma polícia sozinha, seja a PJ, a PSP ou a GNR, consegue potenciar ao máximo a sua capacidade preventiva. Todas as forças e serviços de segurança compreendem claramente que precisam da colaboração mútua dos vários parceiros e que essa é a única via para combater o terrorismo. Neste contexto de risco mais intenso nenhuma polícia quer correr o risco de reter uma informação que é útil aos outros parceiros e que, caso ocorra algum incidente, venha depois a saber-se que a não a partilhou e que podia ter sido evitado o atentado.

O que faz a PSP com as informações que recebe?

Fazemos uma análise exaustiva dos atentados recorrendo a uma metodologia pos morten dos mesmos e verificamos nos nossos sistemas todos os dados que são fornecidos por essas informações. Estou a falar, por exemplo, do que se partilha no quadro da União Europeia, como nomes de suspeitos, viaturas que estes poderão ter utilizado, documentos, em regra, falsificados. Feita a análise destas informações, desenvolvemos as nossas avaliações do risco que influencia a ordem e segurança pública, e a partir daí decidimos a gestão das nossas forças no terreno.

Foi esse tipo de avaliação do risco que levou às ações do chamado policiamento de visibilidade preventiva, mais musculado, que começou a ser notado nos aeroportos e terminais de transportes?

Exatamente. Existe uma intensificação do risco. Portugal enfrenta um conjunto de ameaças idêntico ao dos restantes Estados da União Europeia. A ameaça pode ser mais intensa noutros países, mas o conjunto de ameaças que impende sobre o território nacional é idêntico.

Mas ouvimos sempre dizer que Portugal é um país seguro ...

É uma ameaça menos intensa, mas existe. Temos condições diferentes de uma França ou de uma Bélgica. Por exemplo, em relação às comunidades de religião muçulmana é muito diferente. Mas este policiamento de visibilidade é não só uma resposta a uma intensificação do risco de terrorismo mas também serve de prevenção a outra criminalidade violenta e grave. Não podemos esquecer que a PSP em termos nacionais regista cerca de 75% dos crimes violentos e graves.

Mas nunca se vira agentes de metralhadora à porta do metropolitano, por exemplo. Se não fosse a ameaça terrorista isso provavelmente não aconteceria..

Estamos a falar de uma ameaça de largo espetro de criminalidade grave, que inclui o terrorismo. Há um aspeto extremamente importante, e que faz parte deste tipo de policiamento preventivo, que é detetar indicadores e ter a capacidade de atuar de imediato e neutralizar potenciais riscos que viessem a suceder. Estamos focados nesta componente. Estes elementos visíveis são apoiados por agentes encobertos que os podem apoiar em qualquer situação.

Este policiamento causou alguma surpresa às pessoas. Tiveram em conta que poderia provocar algum ruído na perceção de segurança das pessoas, uma vez que essa imagem musculada é contraditória com os discursos de segurança oficiais?

O que foi entendido pela PSP é que, apesar de não termos intelligencia que aponte que Portugal venha a ser alvo de um atentado, não podemos abdicar da nossa principal missão, que é garantir a ordem e a segurança públicas. Claro que não se pode garantir a 100% que este tipo de policiamento evite um atentado, mas que vai contribuir para reforçar a segurança e para, eventualmente, detetar com antecipação indicadores suspeitos e ter uma ação pronta para a sua neutralização, vai com certeza.

Trancas à porta antes da casa roubada?

É isso. Mais vale prevenir do que remediar. Como se sabe, o terrorismo de que estamos a falar, de inspiração jihadista, tem como objetivo alvos vulneráveis e em que estejam concentradas muitas pessoas. A nossa intenção é garantir o reforço de proteção a estes alvos e uma visibilidade permanente, para que as pessoas possam continuar a fazer a sua vida normal. Senão, é deixar que o terrorismo ganhe.

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