"Nestes cargos as pessoas contam mais que os partidos"
Presidir a uma junta de freguesia de cor política diferente das outras e do próprio município "não é mau de todo se não se meter a política ao barulho", considera Armando Piteira. Presidente da Junta de Canha (PSD) no município socialista do Montijo, onde três das freguesias são PS e uma é CDU, Armando Piteira diz que "as coisas funcionam bem" quando se trabalha numa lógica de "serviço público".
Esta noção é transversal aos outros quatro presidentes de junta que governam nas mesmas circunstâncias: Parque das Nações, Costa da Caparica, Gançaria e Real. Cada uma tem especificidades próprias e um relacionamento mais ou menos próximo com o executivo municipal, mas todos partilham a ideia de que, ao nível político mais local, as comunidades consideram mais importantes as pessoas do que os partidos para a resolução dos problemas quotidianos.
Talvez seja isso a explicar que alguns deles, desencantados com o apoio dos partidos pelos quais ganharam (como independentes) as eleições em 2013, tenham agora decidido concorrer por outras cores - incluindo o único desses cinco autarcas que venceu há quatro anos sem filiação partidária e que concorre agora em coligação com um partido tradicional.
Parque das Nações, Lisboa
José Moreno concretizou em 2012 o sonho de ver criada de raiz a freguesia do Parque das Nações - 5,4 quilómetros quadrados, pouco mais de 21 mil habitantes - e, no ano seguinte, tornou-se no seu primeiro presidente da junta como independente, à frente de uma lista de cidadãos com igual estatuto.
Num concelho com 24 freguesias em que 17 são do PS, cinco da aliança PSD-CDS-MPT e uma da coligação comunista CDU, o movimento independente Parque das Nações por Nós começou a governar literalmente do zero e no meio de várias circunstâncias desfavoráveis: sem existência jurídica nem conta bancária ou funcionários, a transferência de poderes da câmara para as juntas ou, ainda, a transição de competências da Parque Expo para a autarquia (que ainda não terminou), lembra o autarca.
"É um desafio" liderar um "grupo de cidadãos fora das organizações partidárias e que têm maior liberdade para decidir, por si, o que é mais viável fazer numa certa situação", conta o jurista na reforma. É que se "nos partidos há uma linha de orientação, disciplina partidária, aqui cada um pensa por si e bate-se mais seriamente pelas suas ideias".
Já na Assembleia Municipal "era preciso negociar proposta a proposta com os partidos para que elas passassem". E se no início "todos votavam por razões de natureza política", houve outros - como PSD e CDS - que "mantiveram até ao fim essa oposição feroz" ao executivo da junta, lamenta José Moreno. "Não compreendem nem aceitam a decisão dos eleitores do Parque das Nações", argumenta ainda.
Gançaria, Santarém
Após três mandatos como secretário da junta, "o laranjinha" Joaquim Aniceto não apreciou "a traição" do PSD de em 2013 não o convidar para as listas à junta de Gançaria.
Sentindo-se pressionado por muitos vizinhos, decidiu recolher assinaturas e avançar. Como o CDS-PP também "precisava de um candidato", as duas partes juntaram-se e os centristas "trataram de tudo" o que era burocraticamente necessário para Joaquim Aniceto concorrer como independente à freguesia - 4,7 quilómetros quadrados e meio milhar de habitantes - que passou a ser a única azul entre as 18 do concelho de Santarém (sete PSD, seis PS, uma CDU e três de Cidadãos Eleitores).
"É uma experiência nova, a responsabilidade como presidente é outra e quem vem para cá tem de trabalhar", conta ao DN este autarca, que possui um estaleiro de materiais de construção cujos clientes acabam muitas vezes por ver os seus pedidos satisfeitos "à noite". Porquê? "Porque, numa junta de freguesia pequena, há intervenções em que o empregado sozinho não consegue" dar resposta.
As festas da freguesia em honra de Nossa Senhora da Saúde, iniciadas dia 8 e terminadas ontem, são um exemplo disso: o funcionário, a limpar parte do largo na manhã em que o DN lá esteve, dirige-se a Joaquim Aniceto para lhe perguntar se tinha ali a carrinha para lá colocar o material recolhido.
O problema do autarca é que "nunca tive apoio" do CDS. A concorrer agora pelo PSD e mesmo que este partido "fique na oposição" se perder a câmara, "a ajuda é outra" por ser um partido maior. Projetos para aprovar não faltam, desde construir um pontão na ribeira das Alcobertas para fechar uma estrada agrícola ou alargar uma via onde autocarros e semi-reboques não passam.
Canha, Montijo
Armando Piteira preside à Junta de Freguesia de Canha, a única do PSD no concelho do Montijo - 211 quilómetros quadrados, quase 2000 habitantes - "e em todo o distrito" de Setúbal, enfatiza.
"Governar nestas condições não é mau de todo, se não metermos a política ao barulho", diz o autarca ao DN, insistindo que "as coisas funcionam bem" se a motivação for o "serviço público".
Motorista de pesados e ligado ao setor agrícola, Armando Piteira foi eleito como independente com o apoio do PSD e mostra-se desapontado com a mistura de "problemas pessoais com os institucionais" a que assistiu neste mandato ao nível da Assembleia Municipal. "Em vez de desenvolver projetos e avançar, há demasiado lavar de roupa suja" entre o executivo camarário e a oposição, lamenta.
Real, Penalva do Castelo
Pedro Pina Nóbrega nasceu em Lisboa e aí arranjou um emprego fixo. Mas depois de se licenciar em Arqueologia e História, abandonou a capital e instalou-se na terra dos pais, no chamado Cavaquistão.
Eleito como independente pela CDU para a junta de Real - 4,8 quilómetros quadrados, menos de três centenas de habitantes - em 2009, num concelho historicamente de direita que em 2013 virou socialista e onde sete das restantes freguesias também são PS e três PSD/CDS, Pedro Nóbrega regista as dificuldades que a câmara de Penalva do Castelo coloca.
"Basta ver o que se fez noutras [três ou quatro] freguesias e na nossa, quando foi dos temporais em janeiro e fevereiro de 2016" que afetaram os territórios junto ao rio, recorda. "Tivemos estragos em caminhos e no pontão e a Câmara Municipal falou com as outras juntas exceto esta. Não fomos contactados e tivemos de pagar do nosso bolso" as despesas feitas, adianta, num tom pragmático de quem está habituado a receber chamadas de adversários políticos - no e de fora do concelho - a pedir conselhos sobre determinados problemas mas sabe que "os partidos falam mais alto".
A trabalhar no museu municipal de Sever do Vouga, a uma hora de distância de casa e da junta, Pedro Nóbrega tem uma certeza: "Se vamos fazer o que compete à Câmara, deixamos de ter verbas para os projetos que temos para a população", em particular os ligados à identidade e memória da freguesia e das suas gentes ou, ainda, de a ligar à fibra ótica e dar formação no domínio da informática - essencial para os idosos aprenderem a comunicar via Net com os seus filhos e netos emigrados.
Costa da Caparica, Almada
José Dias Martins, após 12 anos na oposição ao PSD e agora quase quatro como presidente de junta, tem uma certeza: "Nestes cargos as pessoas contam mais que os partidos."
Essencial é "ter abertura e não haver barricamento ao nível de quintas por razões políticas ou outras", destaca o antigo jornalista e comerciante conhecido por recuperar a memória e tradições da Arte Xávega na vida da freguesia - 10 quilómetros quadrados, 20 mil habitantes - da "Costa de Caparica" (nome original da freguesia criada em 1949 e que mudou ao passar a cidade em 2004).
"Nunca me senti tratado de forma distinta" pela câmara em relação aos seus homólogos comunistas, assume José Dias Martins, lamentando as poucas competências das juntas de freguesia "na margem sul" do rio Tejo. A recolha do lixo é uma delas, que atinge algumas toneladas numa área turística e residencial como a Costa devido a "más práticas das pessoas e por falta de fiscalização" camarária. Porém, conclui, "temos sempre competência de reivindicar e exigir melhorias para as freguesias, para resolver problemas dos cidadãos".