Negociador de Costa nas reuniões da TAP sem contrato com o governo

Gabinete do primeiro-ministro assume que enviado a negociações da TAP e com lesados do BES trabalhou pro bono
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O representante do governo nas negociações de reversão da privatização da TAP não tem qualquer vínculo contratual com o executivo, nem recebeu qualquer remuneração. Diogo Lacerda Machado - também negociador do executivo junto dos lesados do BES - não só participou nas reuniões da TAP como foi interventivo, por vezes liderou mesmo o processo e foi sempre visto pelos intervenientes como o "homem de Costa", segundo fontes do processo.

O próprio gabinete de António Costa esclareceu que - tanto no caso dos lesados do BES como no caso da TAP - "não há contrato, porque não tem atuado a título profissional. Tem atuado pro bono como representante pessoal do primeiro-ministro".

O mesmo foi reconhecido pelo próprio ministério que tutela o dossiê TAP (o do Planeamento e Infraestruturas), que reiterou ao DN que Diogo Lacerda Machado - o negociador escolhido por (e amigo de) António Costa - não foi contratado.

Questionado sobre a qualidade em que representou o Estado português nas negociações, o gabinete de Pedro Marques limitou-se a responder que, "conforme o ministro tem afirmado nas repetidas vezes em que o PSD o questionou sobre o assunto, o governo tem recolhido a opinião de várias pessoas e entidades sobre o tema". E mais: que "a condução do processo negocial da TAP é da responsabilidade do ministro".

Porém, o DN apurou junto de fontes próximas do processo que Lacerda Machado "não só participou como liderou várias dessas reuniões e foi sempre encarado como o homem de Costa".

Sobre a existência de um contrato e sobre valores pagos ao "negociador", o ministério respondeu que, "se ou quando existir algum contrato relacionado com o processo negocial da TAP, ele será divulgado". Ou seja: significa que, para já, não houve qualquer contrato.

A questão coloca-se ao nível do dever de confidencialidade e da informação privilegiada, uma vez que não era na qualidade de advogado do executivo que Lacerda Machado participou nas reuniões. Quanto a representantes legais, o governo teve o seu próprio escritório de advogados nas reuniões: a Vieira de Almeida, contratada para o efeito pela Parpública.

Ligações a Macau e a Stanley Ho

A oposição, em particular o PSD, têm questionado o papel deste negociador no processo e as ligações à China. Mas não está sozinho: o próprio parceiro de acordo parlamentar do PS, o Bloco de Esquerda, no site esquerda.net, levantou a questão, escrevendo que "a entrada do grupo chinês HNA no negócio da privatização da TAP fez emergir a figura de Diogo Lacerda Machado, administrador da Geocapital, empresa do multimilionário macaense Stanley Ho".

O PSD também se interessou pela alegada cláusula assinada por António Costa que permitirá no futuro à chinesa HNA ter 10% da TAP (como foi noticiado pelo Expresso).

Aqui entram as ligações de Lacerda Machado à Geocapital, grupo do qual é administrador. Esta sociedade de investimento tem como principal acionista e presidente o magnata macaense Stanley Ho e Ambrose So, que é membro e vogal do Comité de Relações Internacionais do Conselho Consultivo do povo chinês.

E as ligações à TAP não ficam por aqui. A Geocapital já tinha sido parceira da TAP na compra da VEM (Varig Engenharia e Manutenção) em 2005, mas em 2007 deixou de ser.

Entretanto, entre 2006 e 2007 por via da Geocapital, Lacerda Machado esteve na administração da TAP Manutenção e Engenharia Brasil.

Lacerda Machado teve assim naquele que se revelou ser um dos negócios mais ruinosos para a companhia portuguesa. A TAP Manutenção e Engenharia é ainda hoje o ativo do grupo que gera mais prejuízos (mais de 22,6 milhões de euros em 2014).

O livro Privataria, dos deputados bloquistas Mariana Mortágua e Jorge Costa, levanta dúvidas sobre a forma como se processou depois a compra da TAP da parte que era do grupo de Stanley Ho. Escrevem os autores que "a compra de 90 por cento da VEM foi feita através da empresa Aero Lb, que era detida pela Reaching Force [15 % da TAP e 85% de Stanley Ho]".

Porém, "em 2007, a TAP acaba por adquirir os 85% pertencentes a Ho, ficando assim com a totalidade da Reaching Force. Em paralelo, converte 15 milhões de empréstimos seus em capital da empresa, acrescido de uma injeção direta de 24 milhões de euros. Com a compra, a TAP passou a assumir o passivo da VEM, em que se incluía uma dívida avultada ao governo do Brasil". De acordo com os bloquistas, Ho (e Lacerda Machado) livraram-se da VEM, a TAP ficou com o passivo.

Mais ténue é a ligação à empresa Reditus, da qual é presidente da comissão de Remunerações. Nova curiosidade. O presidente do conselho de administração da Reditus é Miguel Pais do Amaral, empresário que também esteve na corrida à privatização da TAP, mas foi excluído por não cumprir os requisitos legais e ainda chegou a ser anunciado que iria processar Humberto Pedrosa, representante do consórcio vencedor.

Buscas no escritório

Além da Geocapital e da Reditus, o homem de confiança de António Costa (ver perfil no texto ao lado) ocupa ainda cargos em empresas de construção e projetos, mas destaca-se o facto de ser sócio do escritório de advogados BAS, já que é através desta sociedade que exerce a sua principal atividade.

Os escritórios da BAS - situados na Rua Artilharia 1, em Lisboa - chegaram a ser alvo de buscas por parte da equipa de investigação da operação Fizz. Da equipa da BAS - apresentada no site do escritório - constava Orlando Figueira, antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que foi detido no âmbito da operação Fizz por suspeitas de corrupção.

De acordo com o site da BAS, Orlando Figueira até era especializado em "direito penal e criminalidade económico-financeira".

Fonte do BAS disse, na altura da detenção, que Orlando Figueira era um "colaborador externo", mas o escritório de Lacerda Machado ficou associado ao processo.

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