Marcelo, o "teimoso", teve na CGD "a mesma ideia do começo ao fim"

O Presidente perdeu logo no princípio a guerra da contenção salarial na administração do banco mas ganhou a da transparência

Marcelo Rebelo de Sousa não resistiu. Anteontem tinha dito e repetido que não falava mais da controvérsia "CGD/Centeno/Domingues". "Caso encerrado", jurou. Ontem reabriu-o. A "culpa" foi do Tribunal Constitucional (TC).

Isto porque foi publicado um acórdão dizendo preto no branco que António Domingues e a sua equipa de administradores da Caixa Geral de Depósitos estavam mesmo obrigados a entregar no TC declarações de rendimento e património. O Presidente da República cantou vitória: "Às vezes, vale a pena ser teimoso, ter a mesma ideia do começo até ao fim ou, dito por outras palavras, ser professor de Direito Constitucional."

Foi em maio de 2016 que o Presidente da República e o primeiro-ministro começaram a falar sobre a escolha da nova administração da CGD. António Domingues, o gestor escolhido pelo governo para suceder a José de Matos na presidência do banco, queria autonomia total de gestão. Esta parecia ser também uma imposição da UE: banco público, gestão privada, com as respetivas prerrogativas. Mário Centeno pede-lhe soluções legislativas; Domingues encomenda-as a um escritório de advogados (Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados). Solução: alterar o Estatuto do Gestor Público e tirar do seu "perímetro" os administradores do banco do Estado. Marcelo pergunta "mil vezes" a Costa se o governo de alguma forma garantira a Domingues que este e a sua equipa ficariam, com esta alteração da lei, isentados de apresentar as tais declarações no TC. Costa nega que essas garantias tenham sido dadas. O decreto alterando o Estatuto do Gestor Público é promulgado pelo PR em 21 de junho e em 30 de junho Marcelo explica-se com uma nota publicada no site da Presidência.

Nesta altura, a controvérsia sobre os deveres dos administradores da CGD face ao TC não existe. O único problema é que o diploma permitirá o cumprimento de uma das exigências de Domingues: não estar sujeito a tetos salariais impostos por lei. A mensagem do PR reflete exclusivamente esse tema. A pedido do primeiro-ministro, Marcelo não diz nada sobre a questão das declarações de rendimentos. Havia o receio de que Domingues roesse a corda.

O PR não gostou manifestamente de perceber até que ponto poderiam ser milionários os salários de Domingues e respetiva equipa. A promulgação é justificada dizendo Marcelo, no essencial, que só o fez porque sem isso a nova administração não entraria em funções. Domingues começa oficialmente a presidir à CGD no princípio de agosto. Em 20 de outubro, quando se soube que o presidente do banco público iria ganhar à volta de 600 mil euros/ano, o PR junta-se ao coro crítico da esquerda: "Não é possível nem desejável pagar o que se pagaria se fosse um banco privado." Mas já não havia volta a dar. O governo tinha, nesta matéria, o acordo do PSD, que nunca fez da questão salarial um problema. Do assunto "declarações ao TC" nem um ai público, de ninguém. O tribunal, ele próprio, não intimara os banqueiros. Parecia um não problema. Até à noite de 23 de outubro (um domingo).

No seu comentário político semanal na SIC, Marques Mendes, conselheiro de Estado (e amigo) do Presidente, larga a bomba: ao alterar o Estatuto do Gestor Público, o Governo criara um "regime de exceção" para os administradores da CGD, isentando-os de terem de apresentar declarações de rendimentos e património no TC. "Gravíssimo", diz Mendes. Ou então "um lapso". Marcelo, esse, não diz nada. Está de partida para uma longa viagem à América Latina.

Nas Finanças é o caos. Em 25 de outubro, Mourinho Félix (secretário de Estado com a tutela da CGD) diz ao DN tudo e o seu contrário: primeiro que "foi intencional" pôr Domingues fora da alçada do TC ("não foi lapso"); depois que afinal poderia não ser assim. Em 4 de novembro, Marcelo faz o xeque-mate: publica no site da Presidência uma declaração dizendo duas coisas: que Domingues e a sua equipa estavam mesmo obrigados a apresentar declarações no TC; e que se o TC não entendesse isso, então a AR que legislasse nesse sentido. Depois, no meio de intensa controvérsia pública, foi só contar os dias até Domingues se demitir: 27 de novembro.

Centeno põe então em prática o plano B: contrata Paulo Macedo para ficar à frente do banco. Perante os ataques do PSD, o Presidente atravessa-se em defesa de Centeno mas acaba por se irritar quando o outro conselheiro de Estado desta história, Lobo Xavier, amigo de Domingues, lhe mostra um sms em que Centeno se escudará atrás da posição do PR para justificar ao banqueiro o facto de este não ter ficado isento do TC.

Centeno, por ora, sobrevive. Mas Marcelo sabe que, para efeito do futuro da CGD, o essencial já está em marcha. Dentro de semanas, irá associar-se no Porto ao road show que a CGD organizará para promover uma emissão de obrigações. Resta saber se Marcelo terá Centeno a seu lado.

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