Marcelo, o árbitro, rejeita fazer claque pelo referendo à eutanásia
Podia ser um espinho da Presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, mas vai ser resolvida como outros obstáculos: imparcialidade. Ao que o DN apurou a postura do futuro Presidente face ao referendo à eutanásia vai ser a de "árbitro" e não de protagonista político. Fonte da equipa de Marcelo adiantou ao DN que "o professor não vetará um referendo se for essa a vontade popular, mas também não será ele propô-lo. Será só árbitro".
Apesar de ter tido participação cívica e ativa em bandeiras da direita católica (como a questão da Interrupção Voluntária da Gravidez), a postura de Marcelo será de não afronta ao Parlamento. Se o Parlamento entender que a questão deve ser resolvida sem referendo, será assim pouco provável um veto presidencial para forçar referendo.
Marcelo quer um primeiro mandato sem ser contrapoder e o referendo tem fortes probabilidades de nunca vir a acontecer. Ou seja: um veto - a um eventual diploma a legalizar a eutanásia - podia ser um mero tiro de pólvora seca. Marcelo até poderia vetar à primeira, mas se voltasse ao Parlamento seria forçado a promulgar (tal como aconteceu com Cavaco Silva com a adoção entre casais do mesmo sexo - ver caixa).
Marcelo até ganhou dois referendos como líder do PSD (um deles em matérias de consciência, o aborto, e outro sobre a regionalização), mas como Presidente da República insiste em ser "o presidente de todos os portugueses",da esquerda e da direita. Logo, não se envolverá de forma militante numa questão que poderia dividir o país que quer unir.
A mesma fonte próxima de Marcelo ouvida pelo DN, lembrou as declarações de Marcelo durante campanha, num debate na RTP, em que sobre a eutanásia defendeu que "o Presidente , tendo as suas convicções não impõe as suas convicções ao funcionamento e à expressão da democracia, seja ela referendária ou representativa". E mais: "Não deve estar a utilizar [o veto] por forma a sobrepor-se àquilo que venha a ser a manifestação da vontade popular."
Referendo improvável
Além disso, para já, a ideia de referendar o assunto parece condenada à partida. Haja ou não alterações à lei - impulsionada pelo manifesto "Direito a morrer com dignidade" e pelo diploma do Bloco de Esquerda - deverá ser feita via Parlamento.
Desde logo, o Bloco é contra o referendo. Ao DN, o deputado José Manuel Pureza foi claro que os bloquistas consideram que "os direitos fundamentais não se devem referendar" e diz que o referendo é um "truque" de quem não se quer assumir contra na praça pública.
Também o vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves dá pistas de que, por princípio, o PS descartará essa opção. Lembra que em outros assuntos, como a adoção ou o casamento entre pessoas do mesmo sexto, as discussões "provaram que o debate parlamentar, com adesão dos cidadãos, não se torna menos legítimo por ser em sede parlamentar." E ainda disse que "pessoalmente" é "contra que se façam referendos sobre questões de direitos fundamentais". Isto destacando que, "nem sempre foi essa posição do PS, que na despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez decidiu avançar para referendo e eu fiz campanha a favor."
Nem o PSD parece interessado na questão do referendo. Para o vice-presidente da bancada parlamentar Carlos Abreu Amorim, "o Parlamento é uma sede legítima, mas não suficiente, pois mexe com as convicções profundas que cada um tem sobre a vida".
Por outro lado, um dirigente do PSD que se diz "adepto da consulta popular direta" admite que os referendos em Portugal "não funcionam, nem têm chegado à participação mínima que os tornam vinculativos". Já o CDS, através da deputada Isabel Galriça Neto, diz apenas que "o debate não pode ficar fechado nas quatro paredes no Parlamento". E, mesmo um referendo, exige "um amplo debate (...) não pode ser marcado para amanhã".