Mais de 94 mil alunos em turmas com vários anos de escolaridade
Estudo do Conselho Nacional de Educação revela que quase um terço das turmas do 1.º ciclo do País misturam alunos de anos diferentes
Quase um terço das turmas do 1.º ciclo (32%) combinam na mesma sala de aula alunos de vários anos de escolaridade, revela o estudo "Organização Escolar - As Turmas", do Conselho Nacional de Educação (CNE), divulgado ontem à tarde. Esta situação abrange 28% de todos os estudantes destes níveis de ensino, correspondendo a um total de 94317 alunos.
De acordo com o CNE, "em 43 concelhos, pelo menos 60% das turmas incluem alunos de mais de um ano de escolaridade", sendo que "a quase totalidade" deles estão situados no Interior do País. Num caso extremo, em Alcoutim, "todas as turmas existentes têm esta constituição".
A maioria dos casos diz respeito a turmas que envolvem dois anos de escolaridade sequenciais, mas existe também no País um total de 226 turmas, abrangendo 3175 alunos, onde partilham a mesma sala estudantes do 1.º, 2.º 3.º e 4.º anos de escolaridade (ver infografia).
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Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) disse ao DN que, apesar dos largos milhares de escolas fechadas na última década, muitos destes casos das chamadas turmas "mistas" estão relacionados com a vontade das próprias comunidades, que tentam assim manter abertos estabelecimentos com poucos alunos.
"É um compromisso assumido. As famílias preferem muitas vezes essa situação a encerrar as escolas, pelos alunos que tinham. Preferem ter a turma mista e [o aluno] ficar mais próximo de casa. Normalmente é um equilíbrio encontrado entre as famílias e as escolas", contou, admitindo que essa opção implica a escolha do que é considerado "um mal menor", já que "provavelmente não é a melhor situação em termos pedagógicos".
Jorge Ascensão defendeu que existem alguns exemplos "noutros países e em projetos pedagógicos do nosso país, como a Escola da Ponte", que demonstram que é possível juntar alunos de diferentes níveis com sucesso. "Mas se o método de trabalho não for bem pensado há dificuldades".
O presidente da Confap admitiu também ter ficado surpreendido com a dimensão de turmas e alunos envolvidos a nível nacional. "O número de alunos parece muito grande, até porque a maioria das escolas em causa são do Interior e não do Litoral [mais povoado], embora na periferia dos centros urbanos também se encontrem algumas situações destas". Por isso, admitiu, estes números terão de ser avaliados com maior atenção: "Peço aos pais e às associações de pais que estejam atentos e que conversem connosco".
Manuel António Pereira, presidente da Associação nacional de Diretores Escolares , confirmou também que os fatores demográficos, em particular num "Interior do país cada vez mais deserto", contribuem para a dimensão deste problema. Mas também não hesitou em apontar o dedo às restrições impostas pelo Ministério da Educação à constituição de turmas. Sobretudo nos últimos governos PSD/CDS.
"As regras são cegas. O que o Ministério faz [quando calcula o número de turmas a autorizar] é dividir o número total de alunos por 26, que é o limite de alunos por turma no 1.º ciclo", explicou. "Se eu tenho uma escola com 100 alunos, o Ministério manda dividir esse número por 26, dá três turmas e qualquer coisa e só posso abrir essas três. Há uma exceção: se houver alunos com necessidades educativas especiais, o número passa para 20, mas é quase impossível encontrar uma proporção aritmética que permita criar uma turma para cada ano".
A solução - que os diretores pretendem apresentar ao atual ministro, depois de não terem conseguido convencer o anterior - "é criar mecanismos que permitam às escolas uma maior autonomia na constituição das turmas".
Manter a atual situação é que, na opinião deste diretor, só pode ter consequências negativas: "Não sei se [o impacto] está testado ou não mas impacto trem de certeza. Desde logo no trabalho dos docentes que têm de tomar conta destas turmas. É arrasador, extremamente cansativo", defendeu.
No estudo do CNE é também revelado que, ao nível do pré-escolar, cerca de 5% das turmas ultrapassam os limites autorizados. Ainda assim, a esmagadora maioria das turmas a nível nacional cumprem as dimensões exigidas.
A média de alunos por turma está atualmente nos 21, um número que já está acima dos valores médios da União Europeia - já foi bastante inferior a estes - e em linha com a OCDE.
Ao DN, o Ministério da Educação disse não poder ainda comentar o estudo, garantindo no entanto que este "será devidamente analisado", à semelhança de "outros contributos" recebidos do CNE.